Depois de uma década de crescimento expressivo, a demanda por lácteos está esfriando no Brasil. Um estudo do banco holandês Rabobank estima que o consumo per capita de lácteos deva ficar estagnado em 174 litros (equivalente leite) neste ano no país e cair para 170,7 litros em A recuperação deve começar a partir de 2017 – uma demanda per capita de 171,16 litros -, com a esperada retomada da atividade econômica.
Segundo o estudo, assinado por Andrés Padilla, analista sênior do Rabobank Brasil, a atual crise econômica no País – com desemprego crescente e inflação em alta – está impactando a renda real do brasileiro, um fator determinante para o crescimento do consumo desse tipo de produto. Com isso, as vendas de lácteos devem se retrair antes de se recuperar, de forma gradual, entre 2017 e 2020.
“Os efeitos da recessão vão continuar em 2016”, afirma o analista. Segundo o banco holandês, a expectativa hoje é que economia brasileira tenha contração de 2,9% em 2015 e recue mais 1,4% no próximo ano.
Segundo o estudo, no fim de 2014, o consumo de lácteos no Brasil alcançou o equivalente a 174 litros per capita, um incremento de 32% sobre os 132 litros de 2005. O Rabobank aponta, entretanto, que o aumento da demanda não foi equilibrado durante a década passada. Entre 2005 e 2010, a taxa de crescimento anual foi de 3,7% e entre 2010 e 2015, ficou em 1,9%.
Padilla observa que o crescimento da renda real e da população tem uma correlação de 98% com o avanço do consumo de alguns alimentos, como lácteos. Assim, o menor crescimento da população e da renda a partir de 2010 explica a desaceleração no consumo. Enquanto a real da renda avançou 3,5% por ano de 2005 a 2010, desacelerou para 2,7% de 2010 a 2014. A população também cresceu menos – o avanço foi de 1,1% ao ano no primeiro período e de 0,9% no segundo período. A previsão do IBGE é que cresça apenas 0,74% por ano no período 2015-2020. O envelhecimento da população também tem impacto no consumo de lácteos.
Segundo o analista, a correlação entre renda real e consumo de alimentos é forte em países de renda média baixa, como o Brasil. Naqueles de renda média maior, a situação é diferente. “As pessoas não vão consumir mais [lácteos] do que já consomem”, afirmou Padilla.
Ele acrescenta que nos últimos anos o consumo de lácteos no food service (restaurantes e lanchonetes) cresceu muito e que quando há redução da renda real “essa é a primeira coisa que as pessoas diminuem [as idas a restaurantes]”.
Outros fatores explicam a desaceleração no crescimento do consumo de lácteos, de acordo com o estudo do Rabobank. A maturação do consumo em algumas categorias, em particular de leite fluido, é uma delas. O consumo de leite fluido hoje no Brasil é de 39 litros per capita, um volume superior à maioria dos outros países latino-americanos e não tão distante de níveis vistos em alguns países desenvolvidos, como a Itália (48 litros) e França (51 litros).
Além disso, como observa o estudo, 80% do consumo do leite fluido no Brasil ocorre no Sudeste e Sul, onde o volume per capita ficou em 53 litros e 63 litros, respectivamente em 2014. “Nesses níveis, há espaço limitado para o crescimento nessas duas regiões. Considerando que outras regiões do Brasil têm mercados dinâmicos e demografia diferente – nos quais o leite fluido é menos importante -, uma desaceleração no Sul e Sudeste não pode ser compensada pelo avanço em outra categoria”, diz o estudo.
O Rabobank aponta ainda que outras categorias, como queijo e iogurte, “têm muito mais espaço para crescimento no Brasil e não enfrentam saturação em regiões importantes”.
A avaliação é que as únicas categorias que devem registrar retração de 2015 a 2020 são leite pasteurizado e cru, que já vem numa trajetória de declínio de longo prazo. Essa redução, diz o banco, continuará a beneficiar o consumo de leite longa vida.
Nesse período, a perspectiva é de um crescimento marginal no consumo de lácteos como um todo, mas algumas categorias devem desempenhar melhor que outras, segundo o banco (ver gráfico). A demanda por leite longa vida e por queijo deve crescer a uma taxa anual próxima de 2% em volume até 2020.
Crise abre espaço para consolidação no setor
Num momento em que a demanda está desaquecida e as pressões inflacionárias elevam os custos de produção, as empresas do setor de lácteos do País terão de se adaptar. Além de ganhos de eficiência na área industrial, as companhias terão de investir em produtos de maior valor agregado e “tentar sair de commodities”, avalia Andrés Padilla, do Rabobank. “Há muitas oportunidades para agregar valor às categorias. Mas o cenário é mais desafiador”, afirmou.
A situação do setor também indica que “há espaço para consolidação nos próximos anos”, diz o analista. “É difícil ter margem interessante com um mercado tão pulverizado”. Ele acrescenta que, em momentos de crise, como o atual, empresas com dificuldades financeiras podem virar alvos em um eventual movimento de consolidação.
Embora as perspectivas sejam de queda no consumo de lácteos no curto prazo, Padilla afirma que “continua otimista em termos gerais”. “Com a economia crescendo a partir de 2017, a inflação mais controlada e a renda real crescendo, haverá aumento de novo no consumo”, prevê.
Além das indústrias, a alta dos custos também afeta os produtores de leite do país. Conforme o estudo do Rabobank, a queda do real em relação ao dólar tem “efeitos importantes sobre os custos dos produtores, que não devem desaparecer no curto prazo, considerando as expectativas de um dólar médio de R$ 4,40 em 2016 (…)”
O estudo lembra que a alta do dólar já elevou os preços domésticos dos grãos em 2015 e deve continuar influenciando os custos. “No campo, o produtor está pressionado. Isso pode reduzir os investimentos na produção”, diz Padilla. Assim, a previsão é de que a produção de leite no país deve ficar estável em 2016.
Mas se pressiona os custos de produtores e indústrias, o dólar mais alto também pode significar oportunidades para o Brasil na exportação de lácteos, conclui.
Fonte: Valor Econômico