Por Camilo Motter
Com muita sensatez o setor produtivo vem reagindo às recentes insinuações do governo, notadamente de alguns governos estaduais, visando ressuscitar o ICMS sobre exportações de produtos agrícolas, mais especificamente para o complexo soja e milho. Com a implementação da Lei Kandir, em 1996, isentando as exportações agrícolas, a produção no campo teve avanço consistente, tanto em volumes globais quanto em produtividade. Ao mesmo tempo, toda a cadeia produtiva do agronegócio se beneficiou e apresentou ganhos invejáveis. O resultado é que o Brasil tem, hoje, uma produção robusta e uma pauta de exportações do agronegócio muito variada.
No decorrer dos anos, foi amplamente superada a reclamação inicial de que a Lei Kandir, ao desonerar as exportações de soja, bem como de farelo e óleo, teria causado desequilíbrio no setor industrial – dando maior benefício ao grão, em razão dos diferentes níveis impostos pela tributação anterior. O crescimento do uso de farelo e óleo no mercado doméstico, notadamente pelo incremento da produção de carnes, fez com que o país passasse a exportar produtos mais elaborados, mais agregadores de renda. Produzir e exportar carnes em cortes especiais resulta em alto valor agregado. Se a indústria processadora perdeu num primeiro momento, o ajuste se mostrou muito efetivo com o fortalecimento da cadeia do agronegócio como um todo. A renda excedente, turbinada pela isenção das exportações, foi investida essencialmente no setor. Hoje, o agronegócio responde por cerca de um terço do PIB brasileiro, desenvolveu o interior e se solidificou com um imenso parque industrial.
O fato é que o produtor respondeu aos novos patamares de demanda, tanto interna quanto externa, em razão da maior competitividade conquistada pela isenção tributária nas exportações de produtos “in natura”. Ao salvar as contas externas do País, com a construção de crescentes superávits na Balança Comercial, o agronegócio deu uma nova cara, mais confiável, ao segmento externo brasileiro. Tanto que os transtornos enfrentados, hoje, pela economia brasileira são essencialmente de cunho doméstico, pela má gestão fiscal. Em anos recentes, as importações relativas ao agronegócio raramente têm ultrapassado a marca de 20% dos volumes exportados anualmente. Contrariamente, o setor manufatureiro é altamente deficitário.
Portanto, o retorno da tributação sobre exportações do complexo soja e milho é um retrocesso que coloca em risco a continuidade do desenvolvimento do agronegócio brasileiro, bem como a sustentabilidade das contas externas do país. Há também riscos relacionados ao desenvolvimento tecnológico, à pesquisa, ao emprego e ao abastecimento interno.
Por que o produtor não consegue impor o seu preço
Para entender o desastre que a sede de arrecadação pode causar, é essencial lembrar como ocorre a formação do preço e porque uma ampliação de tributos sobre commodities é mais nociva do que sobre produtos manufaturados.
Uma demonstração simplista nos diz que os preços de manufaturas correspondem à somatória dos custos diretos e indiretos, mais tributação e mais certa taxa de lucro. O preço é composto a partir dos custos de produção. Uma elevação destes custos como consequência de um aumento tributário irá implicar num novo cálculo para o preço de venda do produto. É um caso clássico de preço de oferta. Com uma nova tributação, os produtores passam a competir num patamar de custos e preços mais elevados, com controle também sobre o volume ofertado. (O mesmo raciocínio vale para o aumento de preço de uma matéria prima usada na produção, comum a todo o segmento).
A concorrência externa pode desequilibrar esta competição se não houver certa tributação sobre as importações ou se a taxa de câmbio não alcançar este equilíbrio. Olhando pelo lado do consumo, pode-se prever certa pressão inflacionária. É plausível que os empresários, ao se defenderem dos novos custos, imponham preços mais altos para seus consumidores. O fato é que os empreendedores visualizam mecanismos de defesa porque, sendo um preço de oferta, a formação se dá pela composição dos custos de produção.
Por outro lado, a formação do preço de uma commodity, notadamente no curto prazo, não ocorre pela somatória dos custos de produção, mas, sim, pela decomposição do preço que os consumidores, no seu conjunto, estão dispostos a pagar por ela. Não é uma equação simples. Os consumidores não demandam a commodity como tal, mas as manufaturas (os produtos acabados) produzidas a partir de seu processamento. O mercado se encarrega de decifrar esta equação pelo processo de transformação, onde estão envolvidos processadores e distribuidores. No fim das contas, significa que, para um produtor de soja, de nada adianta somar os custos de produção, acrescentar o novo imposto e determinar uma taxa de lucro e, então, impor seu preço para indústrias e tradings. O mercado, leia-se, a fome dos consumidores, é que formará a cotação naquele instante (adotando aqui uma visão essencialmente fundamentalista).
Observe, a formação do preço se dá de forma invertida. Se trata de um preço de demanda. A margem obtida pelo produtor rural é decorrente da decomposição do preço pago pelo mercado, a partir do qual irá deduzir os custos de estiva portuária, frete até o porto, custos diretos e indiretos e (se houver) impostos sobre a operação. Por esta razão, o produtor não consegue determinar uma margem de lucro. Isto é tarefa para o mercado. Cabe ao produtor controlar e reduzir custos e encontrar bons momentos de venda a fim de ampliar sua margem de operação, ser competitivo e sobreviver na atividade. Assim, a margem de lucro do produtor pode ser representada pelo movimento de uma mola espiral – em algum momento, totalmente esticada; em outro, pressionada e sobre a qual não tem nenhum poder.
Resumindo, a formação do preço industrial – tipicamente, de oferta – segue uma linha reta, que vai do produtor para o consumidor, como composição de custos. Somam-se custos diretos, indiretos, tributos e certa margem de lucro. Aí se tem o preço de mercado. Já, a formação de preço de uma commodity – tipicamente, de demanda – segue um caminho inverso, que vai do consumidor para o produtor, numa decomposição do preço final. Tem-se o preço do produto (normalmente internacional, que é internado pela conversão, via taxa de câmbio, para a moeda local) e a partir dele deduzem-se os custos diretos, indiretos e tributos. O que sobra é margem de lucro – ou de prejuízo. E ambos, lucro ou prejuízo, podem ser ampliados uma vez que, no curto prazo, tanto a oferta quanto a demanda por produtos agrícolas é inelástica. Ou seja, a sensibilidade do consumo e da produção ao nível de preços é extremamente baixa.
Não é difícil chegar à conclusão de que o produtor não poderá incluir o ICMS no seu custo de produção e impor um novo preço ao mercado. O imposto será subtraído integralmente da renda líquida. Por isso, a simples menção de que possa voltar, causa arrepios no setor. Seria extremamente nocivo e desastroso para a continuidade do desempenho do agronegócio brasileiro.
Fonte: Granoeste/Notícias Agrícolas