Com 220 mil quilômetros quadrados de extensão, o Pantanal é um bioma brasileiro complexo e singular, com uma paisagem dinâmica, que alterna entre a cheia e a seca, e abriga grande parte da pecuária de corte do país. Há pelo menos 200 anos, a atividade faz parte da tradição pantaneira.
Com um rebanho estimado em 22 milhões de cabeças de gado na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, a pecuária é responsável por aproximadamente 65% da atividade econômica nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mas, como garantir o desenvolvimento sustentável da pecuária na região e, ao mesmo tempo, preservar este ecossistema tão importante?
No intuito de responder a essa questão, a tecnologia da informação (TI) vem colaborando com novas ferramentas de monitoramento das unidades de produção, garantindo práticas sustentáveis, como é o caso do software “Fazenda Pantaneira Sustentável” ou FPS, desenvolvido pela Embrapa para ajudar o produtor a avaliar os seus processos produtivos e conhecer o nível de sustentabilidade da sua propriedade.
“A sustentabilidade de uma fazenda é um equilíbrio entre os aspectos do sistema produtivo, que considera as dimensões econômica, social e ambiental”, explica Sandra Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal, que coordena o projeto, em reportagem publicada na edição 709/2015 da revista A Lavoura (página 30 a 35).
COMO FUNCIONA?
Para usar o software, o pecuarista só precisa de um computador com acesso à internet. O produtor, ou o assistente técnico, verifica os diferentes aspectos dos registros sobre a fazenda, a partir de medidas como o escore corporal das vacas, por exemplo. Depois, ele entra no sistema da FPS e dá notas aos indicadores.
Entre os itens analisados estão: manutenção da biodiversidade, conservação dos recursos hídricos, pastagens, manejo e bem-estar animal, além de aspectos sociais e financeiros.
A partir daí, o software gera uma nota final que integra as informações de todos os índices, produzindo um relatório avisando se a fazenda está sustentável ou não e mostrando quais aspectos têm que ser melhorados para que ela se aproxime dessa sustentabilidade.
A explicação é de Silvia Massruhá, chefe adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Informática Agropecuária – unidade parceira da Embrapa Pantanal na criação da FPS. As duas pesquisadoras informam que os estudos feitos para definir os indicadores duraram cerca de dez anos e tiveram a contribuição de vários especialistas em diversas áreas.
Usando uma técnica de inteligência computacional conhecida como “Fuzzy”, Silvia relata que a avaliação da FPS qualifica os diferentes aspectos da produção rural em conceitos como “adequado”, “inadequado” ou “moderado”, por exemplo, adaptando-se à realidade dinâmica da fazenda.
“É um sistema de apoio à tomada de decisão. É importante que ele seja usado com uma consultoria ou em contato com alguém da Embrapa para que um especialista possa orientar sobre os procedimentos que podem melhorar os processos produtivos”, diz a pesquisadora.
SUSTENTABILIDADE NO CAMPO
A FPS começou a ser aplicada em algumas fazendas da região do Pantanal ao longo do ano de 2014. Um dos produtores que testaram a tecnologia foi Paulo Mainieri, proprietário da Fazenda Cantagalo, que fica na região do Paiaguás, Mato Grosso do Sul.
“Ao fazer essa parceria com a Embrapa, já conseguimos alguns dados que, de outra forma, seriam bem complicados de se obter, como uma avaliação mais científica do nosso campo”, conta.
Ele afirma que a análise da FPS é fundamental em uma região de ambientes tão diversos quanto o Pantanal, onde nenhuma propriedade é igual à outra. “O uso da ferramenta auxilia a identificar as necessidades da fazenda de forma personalizada”, lembra o pecuarista.
Com a ajuda da Fazenda Pantaneira Sustentável, Mainieri avalia as práticas da propriedade para aproximá-las de um modelo sustentável e melhorar a produtividade da fazenda ao mesmo tempo. “É preciso ter essa relação de respeito com a natureza, realizando atividades econômicas e trabalhando em harmonia com o lugar onde você está”, afirma.
Para alcançar a sustentabilidade, o pecuarista também investe em iniciativas na área social, promovendo a participação dos empregados nos lucros da fazenda, como forma de valorizar a mão de obra e o conhecimento tradicional que agregam valor à produção. “A gente tem que estar de mãos dadas com o pessoal local e não acima deles”, ensina o pecuarista.
O PREÇO DA SUSTENTABILIDADE
Embora o valor pago pelos produtos sustentáveis ainda seja maior que o dos comuns no supermercado, o pecuarista Paulo Mainieri ressalta: “O lucro da venda pode ir para o produtor, mas o benefício, que acontece com a terra que ele preserva, é para todos”.
O estímulo à produção sustentável também pode acontecer em outras regiões do Brasil com a adaptação da FPS, que tem potencial para ser utilizada em diversos locais do país, segundo a pesquisadora Sandra Santos. Ela afirma que o uso da ferramenta para a certificação de produtos é uma das maneiras de viabilizar a sustentabilidade na produção pecuária brasileira.
“Vai estimular o retorno econômico para o produtor enquanto ele conserva o meio ambiente, fixando o homem do campo”, afirma.
CONSCIENTIZAÇÃO
Para manter a atividade produtiva sustentável, o presidente da Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), Leonardo de Barros, defende a necessidade de conscientizar outros elos da cadeia – como o setor de varejo e os frigoríficos, por exemplo – sobre a importância desse tipo de trabalho.
“Quem faz a revolução da sustentabilidade é o consumidor. São as nossas escolhas”, ressalta.
Para a pesquisadora da Embrapa Pantanal, Sandra Santos, é nesse ponto que a análise da FPS torna-se necessária: para ajudar a determinar o valor que deve ser atribuído ao que, antes, não era medido.
“Enquanto a gente não quantificar a produção sustentável, não poderemos lutar para que ela tenha um valor diferenciado, um preço. A partir do momento em que dispusermos de uma ferramenta que comprove que o produtor conserva, de maneira sustentável, a sua propriedade, teremos como justificar e legitimar esta ação, para que ele receba uma compensação financeira por isso”, salienta.
PRODUÇÃO ORGÂNICA
A Korin Agropecuária, que trabalha com itens orgânicos e sustentáveis, também fez uma parceria com a Embrapa para usar a FPS na certificação da carne sustentável do Pantanal. Assim, todos os produtos da região aprovados pela análise da ferramenta teriam um selo comprovando a origem e métodos de produção.
A empresa objetiva atingir um grupo consumidor de crescente expressividade no mercado, um público que valoriza os benefícios e dá preferência a produtos comprovadamente orgânicos ou sustentáveis, mesmo que eles ainda possuam um preço mais alto em relação aos comuns.
Um exemplo disso está nos números da Korin. Segundo Reginaldo Morikawa, diretor-superintendente da empresa, o faturamento em 2007 foi de aproximadamente 17 milhões de reais. Em 2014, a Korin faturou perto de 90 milhões de reais, de acordo com o diretor.
“Hoje, temos cerca de 200 itens em venda, com aproximadamente 40 variedades de produtos”, informa.
Ainda segundo Morikawa, a empresa realizou, no fim de 2014, o lançamento oficial da carne bovina sustentável, em parceria com a WWF-Brasil, ABPO e o Grupo de Trabalho de Pecuária Sustentável (GTPS). Abatendo atualmente cerca de 90 animais por mês, a expectativa do diretor é que este número aumente para 150 neste semestre.
PECUÁRIA VIA SATÉLITE
Para entender os conflitos diários entre as regras de preservação e o desenvolvimento sustentável, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), responsável pela Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar (RPCSA), em Mato Grosso do Sul, adotou a Plataforma IHP GeoPantanal.
A ferramenta foi desenvolvida pela empresa de tecnologia da informação (TI), AgroTools, especializada em agronegócio, que, atualmente, monitora 150 mil fazendas pelo país, num total de 150 milhões hectares.
A Plataforma IHP GeoPantanal ampliou a eficácia do seu gerenciamento nesse bioma ao oferecer mecanismos que tornam viáveis os processos de conservação e valoração da área. A visualização geográfica entregue pela tecnologia permite o monitoramento de mais de 270 mil hectares da reserva, atuando principalmente na análise do Rio Paraguai, da cobertura vegetal, e nas questões socioambientais da região.
Para o presidente do IHP, coronel Angelo Rabelo, “o maior desafio do Pantanal é suplantar suas grandes escalas, e uma excelente maneira de superá-lo é incorporando tecnologia ao processo”.
Segundo ele, a ampla visão que a tecnologia traz garante análises detalhadas, facilitando a administração e segurança da área.
“Os dados fornecidos pela Plataforma GeoPantanal podem ser acessados via web. Assim, todas as informações de cunho social, econômico e ambiental estão acessíveis a todos os envolvidos no IHP, facilitando nossa missão de cuidar do bioma do Pantanal. Antes da plataforma, não tínhamos nenhum controle sobre determinados aspectos locais”, avalia Rabelo.
Um dos diferenciais da plataforma é ser totalmente configurável e geocolaborativa, facilitando a criação de novos mapas e análises, a partir de diversas possibilidades de combinações de dados. Com os recursos, é possível acompanhar a evolução do bioma pantaneiro, antecipando ações e medidas em prol da sua conservação, considerando objetivos e estratégias do Instituto Homem Pantaneiro.
GEOTECNOLOGIA
Bruno Felix, diretor da Agrotools, explica que a geotecnologia é ideal para as empresas que têm necessidade de entender e explorar, de forma sustentável, o território em que atua.
“As funções integradas à ferramenta demonstram um panorama geral dos locais determinados e trazem dados diferenciados e essenciais para a geração de novas oportunidades de negócios e tomada de decisão mais eficiente no agronegócio”, informa.
A Plataforma IHP GeoPantanal suporta o trabalho dos colaboradores e parceiros do Instituto, por meio da amostragem dos resultados de suas pesquisas, assim como dados ou informações geradas em suas atividades diárias. Ainda integra, em apenas um modelo de dados operacionais, toda a informação de fauna, flora, clima, atividade industrial etc., que são relevantes para a melhor conservação da área protegida do Pantanal.
Segundo o coronel Angelo Rabelo, a solução atende às necessidades do Instituto para salvaguardar as principais características biológicas e culturais do bioma Pantaneiro.
“Ela é a base para a consolidação e comparação de dados de diferentes origens e áreas operacionais, sem contar que disponibiliza a apresentação geográfica dos resultados em diferentes formatos e sobre diferentes mapas base, nos dando a condição de avaliar diferentes ângulos para a execução do nosso trabalho.”
Leia essa reportagem, entre outras, na edição nº 709/2015 da revista A Lavoura.
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