Com o emprego de tecnologias simples, pequenos produtores de queijo coalho artesanal do sertão dos Inhamuns, no Ceará, conseguem driblar a queda de preços do produto no mercado local. O segredo são as Boas Práticas de Fabricação, que garantem um queijo de melhor qualidade, conquistando a confiança do consumidor.
Em Tauá, no sertão dos Inhamuns, no sudoeste do Ceará, pequenos produtores rurais que adotaram essa tecnologia para a produção de queijo coalho artesanal estão obtendo melhores preços no mercado local. Eles passaram a usar um kit de Boas Práticas de Fabricação desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical (CE) e receberam treinamento sobre como produzir um leite de boa qualidade e como fabricar um queijo de forma higiênica e padronizada. O consumidor percebeu a diferença e paga até 40% a mais pelo produto.
O produtor José Roberto de Oliveira Alves vende o quilo do queijo coalho por R$ 13,00 ao consumidor final no mercado público municipal de Tauá.
“Em frente ao meu boxe, há queijos de R$ 9,00, mas as pessoas preferem o meu e eu não volto pra casa com queijo”, conta. “Houve uma queda geral nos preços nos últimos meses, mas graças à boa qualidade, conseguimos um preço melhor”, explica.
Todos os sábados, no boxe 6 do mercado público de Tauá, José Roberto, a esposa, Maria Rosilene e a irmã, Maria José, vendem os “Produtos do Lustal”. A marca que leva o nome da propriedade da família é impressa em rótulos de produtos artesanais como doces, biscoitos, queijos coalho, manteigas e molhos de pimenta. Eles vendem ainda itens como galinha caipira, ovos, pimenta e verduras.
José Roberto fez parte do grupo de 40 agricultores familiares de Tauá que abandonaram, desde 2011, as velhas prensas de madeira onde eram fabricados artesanalmente os grandes queijos coalho. Passaram a adotar equipamentos bem mais higiênicos, como formas de plástico atóxico e prensas de aço inoxidável.
Começaram a utilizar toucas, luvas, escumadeiras e outros itens que compõem o kit de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de queijo coalho. Os produtores foram orientados também sobre como cuidar melhor dos rebanhos e produzir um leite seguro e de qualidade, com a adoção de Boas Práticas Agrícolas (BPA) para a ordenha higiênica.
Enquanto em outras propriedades são produzidos queijos grandes, com até sete quilos e em formatos variados, nas comunidades rurais que aderiram ao kit de BPF, o queijo é padronizado em formato retangular e pesa um quilo.
“O queijo padronizado em um quilo é ótimo para dar como presente. Enquanto os outros queijos precisam ser cortados, por serem enormes, a unidade de um quilo é prática para presentear”, justificou a comerciante Leila Loiola, proprietária da Casa do Queijo, no centro da cidade. Ela recebe todas às segundas-feiras os queijos padronizados e diz que eles têm ótima aceitação.
Na comunidade de Tiasol, onde residem 30 famílias, é comum ver as antigas prensas de madeira decorando as casas das pessoas que adotaram o kit de BPF. Marisa Alves de Castro Oliveira mantém a velha prensa no alpendre.
“Faço queijo desde menina. Aprendi com minha mãe e usava essa prensa de madeira. Hoje está muito diferente, tudo moderno e mais higiênico”, diz.
Boa parte dos produtores que adotou o kit de BPF produz pequena quantidade de queijo, dois a quatro quilos por dia, e atua com a venda direta ao consumidor. Dessa forma, eles evitam os atravessadores e obtêm um preço melhor no produto.
“Estou satisfeita, não tenho um salário fixo, mas com o queijo a coisa está melhor”, diz Maria Meilda, uma das produtoras treinadas. Por dia, ela faz dois queijos de um quilo cada. Atualmente, vende o quilo do queijo por R$ 10,00.
Desde que começou a produzir, em 2012, Maria Meilda vem ajudando com as despesas da casa e já comprou móveis e eletrodomésticos, como um bebedouro elétrico, uma mesa de jantar, cadeiras de balanço e um aparelho de som.
“As pessoas elogiam muito o meu queijo e por isso tenho clientes certos, não vendo a atravessadores, que querem pagar bem pouquinho”.
Meilda diz que o consumidor percebe a boa qualidade do produto. “É feito com higiene, não boto a mão na massa, tenho a escumadeira. As pessoas gostam e sabem que é limpo”, diz.
TECNOLOGIA SOCIAL
A tecnologia “Inovação na Agroindústria do Queijo Coalho Artesanal da Agricultura Familiar”, da Embrapa Agroindústria Tropical, foi certificada como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil (FBB) em 2013. No mesmo ano, em todo o Brasil, 192 experiências foram reconhecidas e certificadas como tecnologia social.
Conforme a FBB, tecnologias sociais são produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social.
A tecnologia consiste na melhoria do processo de produção de queijo coalho, por meio da realização de cursos de Boas Práticas Agrícolas (BPA), com foco na ordenha higiênica, e de Boas Práticas de Fabricação (BPF).
O projeto de melhoria da produção, processamento e comercialização do queijo coalho artesanal nos Inhamuns se expandiu para os municípios de Currais Novos (RN) e Luís Correa (PI), com o apoio do Banco do Nordeste.
Ao todo, mais de 300 produtores rurais participaram das capacitações. O analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa João Bosco, que atuou no projeto, estima que a adoção das medidas tem gerado, em média, um incremento de 30% a 40% no valor obtido com o queijo.
O pesquisador Machado Pimentel diz que não só em Tauá, mas em outros municípios onde a tecnologia foi aplicada, existe um diferencial em relação à situação anterior à intervenção.
“Hoje, produtoras e produtores são conscientes em relação ao uso de BPA e BPF, e reconfiguraram o processo de produção desde a ordenha do leite até o processo de produção do queijo”, diz.
Conforme João Bosco, a falta de um padrão de qualidade na produção do queijo colocava em risco a capacidade de permanência da atividade e a conquista de novos mercados. Segundo ele, as ações contribuíram para o aumento da renda, e da segurança alimentar e nutricional das comunidades.
“Uma das grandes conquistas do projeto foi permitir a independência dos produtores. Eles conseguiram obter melhor preço para o produto”, argumenta a pesquisadora Helenira Ellery, da Embrapa Agroindústria Tropical.
Ela lembra que, no atual momento, em Tauá, mesmo diante da sazonalidade da oferta que rebaixa o preço, os produtores que vendem direto ao consumidor final estão em melhor condição se comparados aos que comercializam aos atravessadores.
A pesquisadora Helenira Ellery acompanha as comunidades de Tauá para avaliar os impactos dos projetos na região. Segundo ela, outras comunidades da região do rio Trici que não participaram do projeto também passaram a adotar o formato de queijo retangular de um quilo.
“Isso ocorre porque na região, o formato passou a ser associado às BPFs ensinadas pela Embrapa. Então o consumidor associa a um produto bom”, diz.
Para ela, o fato de muitos produtores continuarem aplicando as BPF é um fator importante, porque o projeto de transferência de tecnologia já foi encerrado e os técnicos da Embrapa já não estão mais na região.
“Um dos pré-requisitos para a sustentabilidade é a autonomia”, esclarece. Helenira Ellery avalia, ainda, que o tipo de abordagem dos técnicos da Embrapa foi fundamental para obter a adesão dos camponeses da região.
Agora, o mesmo kit e os treinamentos estão sendo levados para comunidades assistidas pelo programa Brasil Sem Miséria, no Alto Oeste Potiguar. “A tecnologia social se mostrou eficiente para aumentar a renda no campo, por isso é uma boa opção para o público do BSM”, avalia a pesquisadora Helenira Ellery, que conduz ações na região.
SALVANDO O REBANHO
A média pluviométrica histórica de Tauá é de 597,2 mm anuais concentrados de fevereiro a maio. Nos últimos três anos, com chuvas abaixo da média, os habitantes da comunidade de Tiasol viram o açude Trici, que abastece a região, secar e muitas fruteiras morrerem.
O período chuvoso de 2015 ainda não foi suficiente para amenizar o efeito das sucessivas secas. Apesar dessa situação, os moradores seguem em suas pequenas propriedades, produzindo queijo coalho, e criando galinhas e caprinos.
Alguns, graças à água acumulada em cisternas de enxurrada, produzem também verduras e outros produtos típicos da agricultura familiar.
Conforme o pesquisador Machado Pimentel, a renda das unidades familiares é composta ainda por aposentadorias, auxílios do governo e atividades não agrícolas. Para a maioria dos produtores, contudo, o queijo tem sido uma das atividades mais rentáveis – embora produzido em pequena escala – principalmente porque o queijo coalho de Tauá é famoso e apreciado em todo o Ceará.
Maria Rosilene Oliveira, da propriedade de Lustal, que fica vizinha à comunidade Tiasol, explica que no ano passado, antes da queda nos preços, comercializava o quilo do queijo por R$ 15,00. Todos os dias ela e a cunhada fabricam quatro quilos do produto.
“Esse dinheiro salvou o rebanho, porque compramos ração, vacina, concentrado, milho. Se fosse ano bom, de chuvas, teria sobrado mais dinheiro”, disse. Apesar das dificuldades, nos últimos três anos, a família reformou a casa e adquiriu uma motocicleta.
Com a estiagem, os moradores de Lustal foram obrigados a reduzir a variedade de itens produzidos, concentrando-se apenas no queijo, biscoitos, doces, verduras, ovos e molho de pimenta. O aumento do preço da carne de carneiro e cabrito inviabilizou a produção de cortes especiais, linguiças e hambúrgueres.
“Nós só usávamos carnes nobres, então passou a não compensar, porque ficava caro demais para o consumidor final”, disse Maria Rosilene. A propriedade também abandonou a produção de queijos de cabra, por conta da pequena aceitação no mercado local.
“O nosso produto mais forte nesse tempo todo de seca foi o queijo coalho. E com as boas práticas, com o kit da Embrapa, começamos a andar com as próprias pernas. Quem define o preço do meu produto sou eu, não é o mercado”, diz José Roberto.
Para escoar os “Produtos do Lustal”, ele, a esposa e a irmã recorrem à venda direta, no mercado público. Aceitam também encomendas pelo aplicativo WhatsApp e fazem entregas em domicílio.
Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical