PIB do setor agropecuário recua, mas fatia é de 23%

O ambiente econômico hostil, com retração da atividade econômica de forma geral, desemprego, restrição ao crédito e inflação elevada, cenário agravado pela crise política, não deixará de afetar o desempenho do agronegócio brasileiro neste ano. A expectativa é de um recuo por volta de 0,70% para o Produto Interno Bruto (PIB) do setor na comparação com 2014, numa primeira estimativa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), da ESALQ/USP, afetando praticamente todos os segmentos do agronegócio, mas especialmente a agroindústria, num reflexo da forte retração observada para o conjunto do setor industrial.

Ainda assim, terá sido um desempenho superior ao apresentado pelo restante da economia. As projeções do mercado sugerem um tombo entre 3% e 3,8% neste ano para o PIB do País. Como resultado, a participação do agronegócio no produto brasileiro deverá avançar, saindo de 21,4% em 2014 para 23% neste ano, projeta a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). No mercado formal, lembra a entidade, enquanto a economia fechou quase 900.000 empregos, a agropecuária abriu 75.000 vagas no acumulado entre janeiro e outubro deste ano.

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A discrepância indicada pelos números avalia Manoel Bertone, do Centro de Excelência do Agronegócio da Deloitte, estão associadas à resiliência do agronegócio, sustentada pela “pujança indiscutível da agricultura brasileira”, com sua capacidade de incorporar novos processos e técnicas, e ainda pelo desenvolvimento de políticas que reforçaram a relevância do setor. O modelo agrícola adotado no País, fortemente lastreado em pesquisa e na geração de tecnologias voltadas para a produção tropical e para o aumento da produtividade, “deu certo para muitos setores do agronegócio”, permitiu domesticar a região de Cerrado e favoreceu o crescimento da produção de carnes, acrescenta Bertone.

Se, no curto prazo, a alta do câmbio contribuiu para dar sustentação aos preços agrícolas em reais, ampliando a competitividade do setor e tornando o investimento no país mais atrativo, considera Bertone, a instabilidade tornou-se mais exacerbada, mantendo os investidores ainda retraídos. Num prazo mais longo, no entanto, o analista declara-se otimista em relação às perspectivas para o agronegócio brasileiro. “Olhando para 2030 ou 2050, o Brasil é o único país onde a agricultura terá condições para avançar com sustentabilidade e tenho muita confiança de que o país será o celeiro do mundo”.

Na avaliação de Marcos Rubin, analista e sócio da Agroconsult, o ano de 2015 foi “bem turbulento” para a agricultura e a forte desvalorização cambial, embora possa ter sido benéfica para os preços pagos aos produtores, num primeiro momento, também trouxe instabilidade para a gestão dos negócios e impactos negativos para o fluxo de caixa, “principalmente para aqueles produtores mais endividados e mais dependentes de bancos”.

A dificuldade para planejar as compras de insumos, imposta pela volatilidade do câmbio, e os problemas na área do crédito, que demorou para chegar, não afetaram substancialmente as margens de rentabilidade, que deverão continuar positivas no ciclo 2015/16, pondera Rubin, mas impediram que o setor pudesse realizar todo o potencial de aumento de área “caso houvesse plena oferta de crédito no mercado”. A mais recente previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica uma área total bastante próxima dos 58 milhões de hectares cultivados na safra 2014/15, projetada em 58.5 milhões de hectares no ciclo atual, com uma produção recorde de quase 211 milhões de toneladas.

As margens de rentabilidade, tomando-se o médio norte de Mato Grosso como referência, sugere Rubin, devem girar em torno de R$ 787,00 por hectare no caso da soja, praticamente estáveis frente aos R$ 786,00 registrados na safra passada, já descontados custos com insumos, mão de obra e depreciação. A expectativa em relação ao milho e ao algodão é de queda de 7,7% no primeiro caso, para R$ 286,00 e de recuo de 5,6% no segundo, para R$ 1.700,00 mil por hectare.

As estimativas do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA), de acordo com o superintendente Otávio Celidônio, sugerem a possibilidade de um retorno de 13% para a soja no Estado, diante de 10% no ciclo 2014/15, que havia sido a mais baixa em cinco safras. Os custos já estão estabelecidos e a safra foi bem vendida, diz ele. Até novembro, 53% da produção esperada para o Estado já haviam sido negociados pelos produtores, o que significa dizer que “boa parte dos riscos de mercado já havia sido mitigada”, afirma ainda.

Os riscos climáticos, no entanto, continuam sendo um desafio que tem sido enfrentado pelo setor ainda a passos lentos, constata Ângelo Gurgel, coordenador de mestrado profissional em agronegócio da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP). No cenário mais provável, o aquecimento global tornará o Nordeste ainda mais seco, afetando a nova fronteira agrícola, localizada entre os Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba). Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, prossegue Gurgel, as temperaturas tendem a subir, mas o regime hídrico ainda deverá favorecer a exploração agropecuária.

Segundo André Nassar, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), há vários mecanismos sendo trabalhados e alguns já em utilização para que o agronegócio tenha como lidar com as mudanças no clima. Isso inclui o extenso portfólio de pesquisas da Embrapa, que vem trabalhando, entre outros projetos, no desenvolvimento de plantas e gramíneas mais eficientes na fixação biológica do nitrogênio, e o conjunto de programas contemplados no Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, ou simplesmente Plano ABC.

“O importante aqui são as boas práticas de produção, sobretudo no caso de cadeias mais sensíveis ao clima e hoje com menor produtividade, a exemplo da pecuária”, sustenta Nassar. Ele destaca o plantio direto na palha, os sistemas de integração entre lavoura, pecuária e floresta, o uso mais eficiente e produtivo de recursos e insumos com o plantio de duas safras em sequência, alternando soja e milho, por exemplo, além da rotação de culturas.

Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, professor do Departamento de Ciência do Uso do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), estima que o plantio direto já envolva em torno de 26 milhões de hectares, correspondendo a 44% da área destinada aos grãos no país, inferior apenas aos 28 milhões de hectares cultivados sob sistemas de plantio direto nos Estados Unidos.

Entre a inclusão de novas áreas e reconversão daquelas já exploradas pela agricultura, a área de plantio direto no Brasil tem incorporado em torno de um milhão de hectares por ano e, numa média ponderada, calcula Cerri, a cada hectare é possível fixar no solo 500 quilos de carbono na comparação com plantios convencionais, por meio da retenção de matéria orgânica que vai ajudar a preservar a umidade dos solos, favorecendo sua aeração, porosidade e os ganhos de fertilidade, com a produção de plantas mais saudáveis.

“Isso corresponde a 13.0 milhões de toneladas de carbono equivalente por ano, representando entre 20% a 30% das emissões anuais do setor”. A combinação de técnicas de plantio direto e de integração entre atividades no campo acrescenta Cerri, pode dobrar aquele valor para 1.000 toneladas por hectare a cada ano.

 

Fonte: Valor Econômico

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