Assim como a produção agrícola em geral, a pecuária sempre foi apontada como grande emissora de gases de efeito estufa (GEE), prejudicando o meio ambiente. Mas segundo pesquisa inédita da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), este cenário pode mudar com ações mais sustentáveis e, de suposta vilã, a pecuária deve se tornar importante parceira na redução de CO2 na natureza.
Para o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária (SP) Luís Gustavo Barioni, existem diferentes formas de ver a mesma questão. “Se a produção de bovinocultura é feita com a abertura de novas áreas, certamente há uma grande produção de gases de efeito estufa em decorrência do desmatamento, da perda de matéria orgânica do solo e da emissão de metano pela fermentação dos alimentos pelos animais.”
Em sua avaliação, é bem estabelecida que quanto mais produtiva a pecuária, menores serão as emissões de GEE por unidade de produto, isto é, por quilo de equivalente-carcaça, por exemplo. “Assim, melhores índices reprodutivos e menores idades de abate resultarão em emissões mais baixas”, ressalta Barioni.
Sobre o aumento das emissões de CO2, o pesquisador explica a relação com o desmatamento. “A produtividade é definida pela quantidade produzida por unidade de um fator de produção, em nosso caso por unidade de área (i.e. produção/área). Assim, se houver uma expansão da área, teremos uma queda na produtividade média, para um mesmo nível de produção. Portanto, quanto maior o desmatamento mais a terra fica disponível. Então, menores serão os ganhos de produtividade, menor será o acúmulo de carbono no solo e maior será a intensidade de emissão.”
MUDANÇA DE POSIÇÃO
De acordo com o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, a mudança de posição da pecuária (antes vista como poluidora) se dá, predominantemente, pelo fato de que a dinâmica de carbono no sistema, particularmente no caso de sistemas nos quais há recuperação das pastagens, não era considerada integralmente.
“O aumento da produtividade das pastagens, necessário para suportar maior produtividade de animal por unidade de área, é dado por um aumento das taxas fotossintéticas das plantas. A fotossíntese remove CO2, um importante gás de efeito estufa da atmosfera. Parte deste CO2 acabará armazenada na matéria orgânica do solo”, explica.
Diante disto, Barioni relata que, conforme estudo da Embrapa, “este processo é suficiente para anular os efeitos do aumento das emissões de metano e óxido nitroso pelos animais, associado ao aumento de produção”.
CICLO DE VIDA CONSEQUENCIAL
Ao contrário do esperado, a redução de emissões de GEE pela bovinocultura será provocada pelo aumento da produção. Já a queda da atividade poderá ter efeito oposto: acréscimo das emissões. Esta revelação consta em um artigo, escrito por pesquisadores do Brasil e da Escócia e publicado recentemente na Nature Climate Change.
No texto é apresentada uma metodologia inovadora para cálculo de emissões de gases de efeito estufa na pecuária, após a elaboração de um modelo matemático, que serve para avaliar os impactos ambientais da variação do consumo de carne no sistema pecuário (neste caso específico, do Cerrado brasileiro).
Normalmente, explica Barioni, a avaliação de ciclo de vida é feita de forma atributiva – ou atribucional, no jargão da área. Neste ponto, o alvo é a quantidade de fluxos físicos (no caso, de GEE), associada ao processo produtivo de uma unidade de um determinado produto.
“Na abordagem consequencial, o foco é a alteração dos fluxos (de gases) em resposta às intervenções. Então, o foco não é simplesmente a quantidade de gás de efeito estufa que é emitido, mas sim em qual variação está as emissões de GEE, com o aumento ou redução da produção de carne”, detalha Barioni.
ESTRATÉGIAS
Para que a bovinocultura se torne sustentável, existem diferentes tecnologias que podem ser adotadas pelos pecuaristas, para alcançar mais eficiência na produção. É o que destaca o pesquisador Alexandre Berndt, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Pecuária Sudeste (SP).
“Uma pecuária eficiente também será menos poluente ou menos impactante no meio ambiente. E as principais tecnologias estão relacionadas ao bom manejo de pastagens; à nutrição adequada do pasto e do animal; ao uso de aditivos e suplementos em semi confinamento; ao confinamento estratégico; aos bons índices reprodutivos do rebanho; à sanidade; e ao bem-estar do animal”, enumera.
De acordo com Berndt, os sistemas integrados de produção – como o ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) – também são considerados mitigadores, pois reduzem as emissões do sistema de produção, através do sequestro de carbono nas pastagens e nas árvores.
Ele destaca que as principais estratégias para reduzir a emissão de GEE abrangem: melhorar os índices produtivos e reprodutivos (reduzir a idade do abate, ao primeiro parto e o intervalo entre partos); reduzir a quantidade de animais de reposição; aumentar a longevidade das matrizes; elevar o mérito genético dos animais e das forragens; selecionar animais com melhor CAR (Consumo Alimentar Residual); e otimizar a formulação de dietas.
Também deve utilizar aditivos e suplementos; melhorar a eficiência de conversão de alimentos; otimizar a oferta de água de qualidade; melhorar o manejo dos animais e das pastagens; aprimorar a sanidade animal (controle de parasitas, doenças e vacinas); e, por fim, buscar o bem-estar animal.
“Em termos de manejo nutricional, para reduzir o metano entérico às estratégias, estão incluídos o manejo intensivo de pastagens; uso de grãos e alimentos concentrados; processamento e conservação de forragens para reduzir o tamanho de partículas e aumentar a digestibilidade; elevar o uso de leguminosas, explorando a presença de taninos, saponinas, compostos secundários, óleos essenciais, adição de óleos, gorduras saturadas e insaturadas, ionóforos, nitrato, leveduras, malato e fumarato”, enumera Berndt.
CUSTO-BENEFÍCIO
Como há gastos financeiros para todo produtor que quiser implantar uma atividade agropecuária diferenciada, o chefe-adjunto da Embrapa explica que “a relação de custo-benefício das tecnologias depende das opções do mercado e das escolhas feitas pelo produtor, em função do objetivo que ele tem para seu sistema de produção”.
Isto porque, segundo ele, nem toda tecnologia serve para todos os produtores e vice-versa. “A adoção de diferentes níveis tecnológicos deve seguir o conceito de uma caixa de marchas de um veículo: sempre se inicia com a primeira e quando o produtor se sente confiante e dominante segue para a segunda e assim por diante. Sair em quinta marcha, normalmente, não dá certo. Tecnologias inovadoras, que rompem barreiras em geral, são caras no início. Entretanto, vão barateando ao longo do tempo, conforme vão sendo adotadas.”
REDUÇÃO DO CONSUMO
Sobre o consumo de carne no mundo, parte da comunidade científica vem pressionando por mudanças nas dietas do ser humano, sugerindo que elas sejam menos dependentes de carne – especialmente, a bovina –, por questões de saúde e devido aos impactos ambientais. No entanto, o pesquisador Rafael Silva, da Scotland’s Rural College – SRUC (Reino Unido), afirma que o estudo inovador, feito em parceria com a Embrapa, garante que diminuir o consumo de carne, para reduzir as emissões de GEE, pode causar o efeito contrário do esperado.
“Em algumas regiões do mundo, a mudança para dietas menos dependentes de carne pode contribuir para mitigação de mudanças climáticas, mas a mensagem principal do nosso estudo é que é preciso entender a natureza dos diferentes sistemas produtivos, antes de concluir que consumir menos carne seria benéfico em todas as partes do mundo”, alerta Silva.
Por equipe SNA/RJ