Oferta de sardinha na costa brasileira tem forte retração

O mar de Santa Catarina não está para peixe. A frustração no Vale do Itajaí, principal polo de produção de sardinhas em conserva do País, é grande. Enquanto os armadores da região voltam com as embarcações quase vazias em dias de pescaria, as principais indústrias processadoras de sardinha do País, Gomes da Costa e Camil, amargam perdas. Entre especialistas, já há quem fale em “colapso” do recurso pesqueiro.

A escassez de sardinha na costa brasileira se deve ao aquecimento das águas, processo que pode estar associado tanto ao fenômeno El Niño, que aconteceu em 2016, como também às mudanças climáticas mais gerais que atingem o planeta. Nesse processo, a instabilidade política do setor, troca constante de ministros da Pesca e extinção da Pasta, também é apontada como uma ‘culpada’, ao não permitir que os estudos necessários sobre os estoques do peixe no Brasil avançassem.

Nesse cenário, as indústrias estão recorrendo cada vez mais às importações. Até 2014, a sardinha importada respondia, em média, por 30% do total processado no País, mas a situação se inverteu no último ano e continua a se agravar, segundo o diretor industrial da Gomes da Costa, Ivan Fuchter.

Líder em sardinhas em conserva no País, a empresa controlada pelo grupo espanhol Calvo pretendia garantir 50% do volume que será processado este ano no Brasil. Mas a severa escassez de sardinhas fez a Gomes da Costa encarar a realidade: é possível que 90% da sardinha venha do exterior em 2017, especialmente do Marrocos. A previsão da empresa é processar cerca de 65.000 toneladas este ano, mesmo volume de 2016.

Segundo o Sindicato dos Armadores e das Indústrias de Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), a captura de sardinha costuma se aproximar de 10.000 toneladas por mês, mas até agora o volume, contado a partir de 15 de fevereiro, fim do defeso de verão, não chega a 3.000 toneladas.

Entre os armadores, ainda há esperança, mas a corrida também é contra o tempo. “Faltam dois meses para reverter esse quadro”, disse Agnaldo Hilton dos Santos, coordenador da câmara setorial de cerco, a modalidade de captura de sardinha, do Sindipi, citando o tempo que falta para o início do defeso de inverno, de 15 de junho até 31 de julho.

A esperança do Sindipi está calcada no clima. Segundo Santos, a temperatura elevada das águas, que afetou a captura de sardinhas nos últimos meses, deu trégua. A expectativa dele é que, com o esfriamento das águas, o peixe possa surgir.

No mundo acadêmico, porém, não exista espaço para otimismo. “O problema é mais grave do que se pensa. É um indicador de colapso de [sardinha]. É um fato constatado. Houve uma redução significativa no estoque”, disse o oceanógrafo Paulo Schwingel, que é professor e pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

Na visão do pesquisador, o Estado é responsável pelo “colapso”. Segundo Schwingel, a lei geral da pesca, que previa a gestão compartilhada entre Ministério da Pesca e Ministério do Meio Ambiente, foi sancionada em junho de 2009, mas até hoje não foi totalmente implementada.

No caso da sardinha, ele cita a demora para a criação do Comitê de Gestão Compartilhada, que só saiu em 2015. Já o subcomitê científico, do qual Schwingel faz parte e que se reuniria para, entre outras coisas, discutir os estoques, fez só uma reunião, em fevereiro de 2017. Além disso, a recente transferência de atribuição da Pesca, que estava subordinada ao Ministério da Agricultura e foi para o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), é mais um motivos de preocupação.

“Agora zera tudo novamente”, disse Schwingel, acrescentando que, se a estrutura estivesse funcionado, medidas como a mudança no período de defeso poderiam ter sido tomadas e evitado o quadro. Segundo ele, as mudanças climáticas provocam a antecipação do período de desova das sardinhas para outubro, quando ainda é permitido pescar. O único alento, disse o pesquisador, é que a sardinha é uma espécie de alta fertilidade, e a gestão pesqueira pode reverter o atual cenário crítico.

O secretário de Pesca e Aquicultura, Dayvson Franklin de Souza, disse que a escassez, “se realmente existe”, pode estar atrelada ao clima. Segundo ele, medidas de ordenamento do recurso para a sardinha existem desde a década de 1970. “Não vejo que alguma possível crise esteja atrelada à falta de gestão”. Ainda conforme o secretário, um plano de gestão da sardinha começou a ser implementado em 2009 e foi enviado para revisão no subcomitê científico.
Fonte: Valor

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