‘O Ministério da Agricultura está sem espaço no governo’, diz presidente da SNA ao Brasil Econômico

 

Antonio

 

Por Fernanda Nunes e Paulo Henrique de Noronha, do Brasil Econômico

 

Presidente da mais antiga associação do agronegócio brasileiro, a Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), fundada em 1897, Antonio Alvarenga — filho de Octávio Alvarenga, decano da defesa dos interesses dos produtores rurais nos 31 anos que presidiu a SNA— é taxativo sobre o Ministério da Agricultura: “A governança do agronegócio brasileiro está nas mãos de diversos ministérios, mas muito pouco na Agricultura, que não tem hegemonia de nada. Muitas vezes, sequer faz parte das decisões”. Sobre os negócios do setor, Alvarenga diz que vão muito bem, obrigado, e assim devem continuar. Este ano só não será melhor do que 2013 devido à seca. Mas a crescente demanda mundial por alimentos, graças à urbanização na China e outros países, é promissora para nossas exportações. Ele alerta, porém, para um risco interno: o monopólio de grandes empresas, como começa a acontecer com a JBS, que estaria dominando a compra de carnes em alguns regiões.

Apesar da infraestrutura e da crise econômica mundial, o agronegócio vai muito bem. Como se explica isso?

Pela exploração das novas fronteiras com a tecnologia tropical de produção no Cerrado. Isso começou há uns 40 anos, quando a Embrapa desenvolveu a exploração no Cerrado. A tecnologia foi se aprimorando, e o pessoal do Rio Grande do Sul, por exemplo, se abrigou no Mato Grosso e, hoje, o estado é um dos maiores produtores de grão do Brasil. Regiões como Lucas de Rio Verde e Sorriso são bastante promissoras. Agora, essa nova fronteira está indo para a região do Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e o Oeste da Bahia), que também é uma área excelente, que está produzindo bastante grãos. Isso tudo é o agronegócio empresarial de sucesso, que transporta soja, milho, algodão. E a qualidade de vida nessas regiões novas é espetacular.

Com a expansão para a Amazônia, a imagem de desmatador ainda permanece…

É. Tem sempre aqueles caras que não conhecem bem a realidade, vêem um monte de árvore derrubada e falam “poxa, desmataram aqui para fazer uma fazenda”. Mas, senão fosse assim, não teria comida. O Brasil é um dos maiores preservadores do mundo. O índice de preservação ambiental do Brasil em relação ao território é maior do que qualquer outro país. A gente é campeão em produtividade e, também, em sustentabilidade. O novo Código Florestal estabelece bem os limites de produção e sustentabilidade. E foi uma negociação dura, a luta pela aprovação se arrastou durante dois anos no Congresso. Ainda bem que nós temos uma Ministra do Meio Ambiente de bom senso, técnica, com uma sólida formação acadêmica na área ambiental. Ela não é uma Marina Silva, por exemplo, que nasceu lá no Acre e é defensora do meio ambiente. Se fosse na época da Marina Silva, esse código estaria sendo discutido até hoje.

O Código Florestal pegou?

É uma lei que vai pegar. O Cadastro Ambiental Rural ainda não foi regulamentado. Aqueles prazos que existem na lei ainda não foram disparados, porque a tarefa de fazer o cadastro é muito complicada. Você imagina o cara que mora no interior e mal sabe usar computador. Ele vai ter que usar, colocar o mapa dele, traçar na tela os limites da fazenda. É complicado, precisa de prazo. Daqui a pouco, vai estar funcionando e vai acabar o “achismo”, você vai ter um retrato mais fiel possível do que existe.

E a questão da logística?

Como no Brasil há pouco planejamento, ninguém planejou, não fez investimentos — a logística ficou defasada. Tentam fazer paliativos; melhora um pouquinho, mas a produção também cresce, e o problema permanece. Depois que a nossa presidenta resolveu entender que não pode estabelecer lucratividade para tudo e liberou um pouquinho, as concessões saíram.

A expectativa do setor para o programa de concessões é boa?

Acho que vai ser bom, mas vai levar tempo para melhorar. Tudo anda daquele jeito brasileiro. Tem um órgão ali que atrapalha um pouquinho, e aí volta atrás… É um caminhar complicado.

A gente pode esperar um 2014 pior do que 2013 no campo?

Nós podemos esperar um 2014 igual a 2013. A produção vai aumentar um pouquinho. O governo fez um programa de armazenagem inteligente. Querer colher e descer tudo de uma vez só não dá. Então, armazena um pouco e vai descendo devagarzinho. E começaram a adotar alguns procedimentos, como o agendamento, para evitar aquelas filas imensas nos portos, que são uma vergonha para o Brasil.

Quais outros fatores afetam a produção rural?

Ao contrário do industrial, o produtor rural não sabe qual vai ser o custo de produção dele. O fertilizante flutua com o dólar. E ele não sabe se vai ter um problema climático, ou de praga. No mercado, que é internacional, tem a variação de cotação do produto e a do dólar. É uma vida bastante complicada para o produtor, mas ele pode ter mercados futuros. Tem gente que já vendeu a safra inteira sem ter colhido. E tem o especulador: você vende sem ter, acreditando que aquele preço vai baixar, e aí compra do próprio mercado. Tem muita gente fazendo isso.

Com o dólar em alta, os preços subiram?

Eu acredito que sim. O milho subiu de preço, a soja está subindo, o café também teve um problema. A tendência é que o mercado suba. Mas isso é o mercado global. Você nunca sabe o que vai acontecer, há grandes. Para mim, o inevitável é que o dólar suba. É difícil prever câmbio, mas eu acho que pode chegar até R$ 2,60 no final do ano. Mas são muitas variáveis. O ano de eleição é um ano político, de vale-tudo eleitoral, e o dólar flutua com as mudanças políticas.

E a eleição presidencial?

Eu acredito que a Dilma se reeleja, por causa desses programas, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos. Ontem, ela estava no Ceará, distribuindo equipamentos para os municípios, depois foi para uma outra cidade lançar o programa Mais Água para o Semiárido. Aqui no Rio e em São Paulo, vejo falarem muito do Aécio, mas isso é 20% da população. No ano passado, pouco depois de ela ser vaiada no estádio Mané Garrincha (DF), ela foi ovacionada na Bahia. O pessoal mais pobre vota todinho nela. Quem ganha o Bolsa Família não vai correr o risco de votar em outro, porque eles melhoraram de vida. Agora, o pessoal está meio endividado. Se a situação piorar um pouquinho, pode haver algum contratempo. Mas eu acredito que eles não deixarão isso acontecer.

O que acha do “Volta, Lula”?

O Lula não é bobo. Ele não vai voltar. Eu não voltaria, se fosse ele. A Dilma vai pegar um rabo de foguete danado se for reeleita. Em 2015, será preciso pagar uma conta danada: inflação reprimida, energia. E, hoje, o Brasil já não é mais o queridinho do mercado internacional, está na marca do pênalti.

O sr. falou da Marina. A entrada nela nessa disputa interfere no debate do setor agrícola?

Eu acho que interfere. Para pior. Eu tinha uma boa imagem do Eduardo Campos. É um cara articulado e parecia ter boas ideias. De repente, ele se associa com a Marina Silva. Isso é uma coisa oportunista, porque ele não tem muito a ver com a Marina Silva. No partido dela, se você fosse do agronegócio e preenchesse a ficha de inscrição, era rejeitado. Eu participei de uma reunião em São Paulo com o Eduardo Campos, quando ele tentou amenizar: “Eu sozinho não ia conseguir nada. Com a Marina, pode ser que eu consiga ir para o segundo turno”. Isso é muito feio, é oportunismo. Ele não tem identidade com ela, mas se alia para tentar ganhar uma eleição. Falavam, por exemplo, que Fernando Henrique Cardoso pode ser vice do Aécio Neves. O cara tem 83 anos de idade e vai ser vice? Será que não tem ninguém no PSDB para ser vice dele? É uma vergonha que a classe política esteja tão desmoralizada.

Qual seria o impacto da questão energética no setor?

O pior de tudo, na energia, é o setor de cana-de-açúcar e álcool, que poderia ser um sucesso no Brasil e está paralisado, por causado petróleo. Não tem preço, as usinas estão em péssima situação financeira e o investimento em produção de cana está mal. É uma coisa que estava caminhando muito bem, mas, de repente, por um problema político, segura-se o preço dos combustíveis.

Há previsões dizendo que a seca vai causar uma quebra de 15% a 30% na safra de grãos. É isso?

De jeito nenhum. Ia ter um crescimento em torno de 10%. Agora, vai ficar mais ou menos igual ao ano passado. A crítica de alguns economistas é que a gente continua com a exportação muito pautada em insumos básicos. Eu não vejo nada de ruim nisso, porque você está produzindo uma vocação natural do Brasil. O Brasil deveria trabalhar é para agregar mais de valor à produção. Ao invés de exportar soja em grãos, tentar exportar mais farelo, óleo, frango — porque o frango, na verdade, é milho, ração. Mas isso depende do incentivo à exportação desses produtos, de abrir mercados e ainda tem as barreiras comerciais.

Qual sua visão para o mercado externo nos próximos anos?

Boa. O agronegócio, hoje, está capitalizado. Então vai crescer, com ou sem apoio do governo.

E a China?

A gente cresceu muito em função da China. E ela é uma incógnita. Vai continuar crescendo, mas é previsível que, em algum momento, o crescimento constante sofra um ajuste. O agronegócio está bombando lá pela urbanização. As pessoas deixam de produzir, vão para a cidade e compram cada vez mais. Mas, além da China, tem outros países, como a Índia. Segundo a FAO, das Nações Unidas, até 2050 omundo precisará aumentar a produção de grãos em cerca de 50%, e de carnes, em quase 100%. O Brasil tem um papel fundamental nisso.

No Brasil, o crescimento da classe C ajudou o agronegócio?

Modificou o padrão de consumo, o pessoal compra um pouco mais de carne. Nesse caso da carne, tem o problema da concentração dos frigoríferos nas mãos de uma empresa. Alguns frigoríferos receberam apoio do BNDES, principalmente o JBS, que, com essa ajuda, se transformou na segunda maior empresa do Brasil e na maior do mundo em empresa de carnes. Para o pecuarista, há um conflito, já que a empresa tem um poder econômico muito grande. Se o pecuarista não tem outro comprador na região, ele fica na mão daquela empresa. Isso não é bom. Em algumas regiões, pode ser que a JBS já esteja com o monopólio da compra de carne. Não pode acontecer o mesmo que aconteceu com a laranja: hoje, três empresas brasileiras comandam a laranja.

O governo tem ajudado o setor?

Precisa ajudar. É triste ver que a governança do agronegócio brasileiro está na mão de diversos órgãos, mas muito pouco no Ministério da Agricultura, que não tem hegemonia de nada. A agricultura familiar está no Desenvolvimento Agrário; a parte econômica está com a Fazenda; a exportação, com o do Desenvolvimento (Mdic); o Meio Ambiente cuida do cadastro ambiental; e a energia está com Minas e Energia. Até mesmo no último Plano Safra, quem conduziu as negociações todas foi a Casa Civil. A Agricultura, muitas vezes, sequer faz parte das decisões. Colocaram o Antônio Andrade como ministro, sem força política nenhuma. Ele queria ser candidato a governador, então, se tinha um churrasquinho no interior de Minas, ele ia. Mas só ia para lá; em eventos grandes em São Paulo, mandava um assessor.

E o novo ministro, Néri Geller?

Não vai acontecer nada, porque ele só vai ficar até o final do ano. É um cara bom, mas a limitação é muito grande.

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