A legislatura parlamentar anual da China volta a se reunir nesta semana em meio a um clima melancólico, que lembra o fim da década de 1990: uma época de turbulências econômicas, elevação do endividamento, nervosismo cambial e conversas sobre dispensas em massa.
Zhu Rongji, o czar da economia que contribuiu para conduzir a economia em segurança naquele período de transformações, foi arrojado. Em sua gestão, 30 milhões de pessoas foram demitidas, centenas de empresas estatais privatizadas e milhares de outras relegadas a virar coisa do passado.
O Congresso Nacional do Povo, que inicia seus trabalhos, verificará se os dirigentes da China estão à altura da tarefa desta vez. O premiê Li Keqiang preparou o terreno: o excedente de capacidade se tornou termo repetido à exaustão nos últimos meses, e nos últimos dias o Partido Comunista começou a discutir dispensas abertamente, de até 6 milhões de pessoas, segundo algumas estimativas.
“Li Keqiang certamente tenta evocar aquele período porque essa foi a última vez em que houve uma reforma séria das empresas estatais, mas agora estamos em um ciclo muito diferente”, disse Fraser Howie, especialista em mercados financeiros chineses e coautor do livro “Red Capitalism”. “Tomar medidas tão duras agora, com todos os outros problemas na China, é muitíssimo mais difícil.”
Quinze anos depois, a China voltou à estaca zero. As estatais que sobreviveram ao expurgo da década de 1990 foram consolidadas e cobertas de investimentos. Seguiram-se mais de dez anos de veloz crescimento econômico, mas os mesmos problemas reemergiram com a desaceleração da economia.
Em sinal de que as dispensas de trabalhadores deixaram de ser um tabu total, Pequim modificou recentemente a maneira pela qual mede o desemprego. Deixou-se que o número oficial se aproximasse lentamente de 5% após décadas em que praticamente não saiu dos 4%. Levantamentos indicam que o desemprego real alcançou bem mais do que 20% em muitas cidades no fim dos anos 1990.
“Ao fazer frente ao excedente de capacidade, temos de nos preocupar especialmente com o desemprego”, disse o vice-ministro das Finanças, Zhu Guangyao. A viga mestra da solução de Li é o fundo de 100 bilhões de yuans (US$ 15.2 bilhões) reservado para fechamentos de vagas, a ser desembolsado ao longo de dois anos. Ele terá como alvo, primeiramente, os setores de siderurgia e carvão, os mais intensivos em utilização de mão de obra entre os da indústria pesada.
Desta vez o Ministério do Trabalho estima que 1.8 milhão de trabalhadores perderão o emprego, enquanto outras estimativas chegam a alcançar 6 milhões. Lobistas da siderurgia dizem que nada menos que 400.000 vagas poderão ser fechadas, enquanto apenas uma produtora estatal de carvão, a Longmay, informou no terceiro trimestre do ano passado que dispensará 100.000 funcionários.
Falar abertamente de dispensas parece uma estratégia deliberada para evocar o fim da década de 1990 como um sinal tanto para as autoridades quanto para as pessoas comuns de que este governo está tão determinado a enfrentar os problemas da China quanto o de Zhu. Mas naquele período a reestruturação da economia foi acompanhada pelo ingresso da China na Organização Mundial de Comércio (OMC), fator que abriu grandes novos mercados. Agora a China é a maior participante do comércio mundial enquanto uma recuperação americana incipiente, ao lado de uma Europa frágil, resulta em queda das compras.
Falar em demissões pode simplesmente permitir que os governos provinciais regularizem a situação de trabalhadores que, na prática, estão desempregados há meses, devido à suspensão da produção das minas e usinas.
A economia chinesa, muito mais diversificada, oferece mais alternativas a alguns desses trabalhadores, embora seja pouco provável o surgimento de novas vagas nas regiões de maior depressão. “O problema das dispensas, desta vez, não será tão grave, porque a sociedade tem maior capacidade de absorvê-las”, diz o economista Hu Xingdou, do Instituto de Tecnologia de Pequim que monitora questões ligadas ao mercado de trabalho. “O crescimento do setor de serviços neutralizará os efeitos dos fechamentos de vagas.”
No período de 1998 a 2001 houve manifestações de massa que obrigaram a China a finalmente implementar uma rede de segurança social rudimentar, mas a corrupção e a situação deplorável de muitas estatais fizeram com que muitos ex-funcionários de estatais não disponham de cobertura de saúde ou aposentadorias adequadas. O problema foi especialmente agudo no cinturão da ferrugem, no nordeste, que voltou a ser uma das regiões mais prejudicadas pela atual desaceleração.
De acordo com fonte bem-informada sobre a siderurgia e familiarizada com os planos para o fundo, Pequim oferecerá subsídios a estatais dispostas a fechar algumas de suas linhas de produção ineficientes. Apesar de se falar corajosamente de fechamentos de postos de trabalho e de reduções de capacidade de produção, não está claro se Pequim está verdadeiramente preparada para deixar as companhias falirem.
Fonte: Financial Times/Valor