Inflação de alimentos ainda mobiliza esforços e debates

Governo adota novas medidas, mas volta a receber críticas do setor

Bancada em defesa do agro se reuniu para encaminhar propostas consideradas mais eficazes do que as anunciadas recentemente pelo Governo Federal. Foto: Divulgação FPA

Ainda pressionado pela alta nos preços dos alimentos e pela suspensão do Plano Safra, conforme o Portal SNA mostrou recentemente, o governo federal tenta encontrar soluções e abrir canais de diálogo com o setor.  No início de março, reuniões entre empresários, ministros e representantes de demais órgãos públicos buscaram definir medidas para conter o processo inflacionário, que fustiga a administração federal com baixa popularidade e segue comprometendo o poder de compra da população.

Na noite da última quinta – feira, 6 de março, foi anunciado um pacote de medidas para tentar reduzir o preço dos alimentos no país. Serão zerados impostos de importação de vários itens, como café, açúcar e carnes. Também foram divulgadas iniciativas regulatórias e incentivos para a produção de itens da cesta básica no próximo Plano Safra. Além disso, o Executivo Federal vai pedir aos governos estaduais para que o ICMS seja eliminado na comercialização desses produtos de alimentação.

As medidas foram anunciadas pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que acumula também o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O governo ainda não tem um cálculo estimado do impacto que as medidas terão na arrecadação tributária. Segundo Alckmin, serão zeradas as alíquotas de importação de carne (atualmente em 10,8%), do café (9%), açúcar (14%), milho (7,2%), óleo de girassol (9%), azeite de oliva (9%), sardinha (32%), biscoitos (16,2%) e massas alimentícias (14,4%).

No caso do milho, Alckmin disse que a isenção terá “grandes reflexos nos custos dos ovos e proteínas animais. Terá impacto importante nas carnes e ovos“, disse no anúncio. O governo também anunciou a ampliação da cota para importação isenta de óleo de palma, de 65 mil toneladas para 150 mil toneladas. As medidas de redução tributária ainda precisam ser aprovadas pelo Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ainda sem previsão de quando a análise ocorrerá. As desonerações não terão prazo específico de validade.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que esses alimentos que terão a alíquota zerada são importados em pouca quantidade pelo Brasil. Por isso, a isenção não deve gerar grande perda ao governo. Também há a pretensão de ampliar o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA), que permite que produtos como leite, mel, ovos e carnes inspecionados em municípios e estados possam ser vendidos em todo o país.

A meta é passar de 1.550 registros para 3.000 no sistema, o que pode trazer mais competitividade e redução de custos no setor de proteína animal. Com a mudança no SISBI, os produtores de leite líquido, mel e ovos cadastrados nos sistemas municipais de inspeção poderão ser vendidos para todo o Brasil. Há possibilidade de que essa flexibilização também seja feita para outros produtos.

O governo quer reforçar os estoques públicos de alimentos básicos, via CONAB, para ajudar a segurar a alta de preços em momentos críticos, garantindo oferta e estabilidade. Os financiamentos do Plano Safra devem priorizar a produção de itens que compõem a cesta básica, com mais estímulo para produtores rurais que abastecem o mercado interno.

Repercussão

A desoneração desses itens importados foi mal recebida por especialistas e entidades de representação do setor, que avaliam como ineficaz para contornar a alta dos preços de alimentos. Em nota oficial, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) disse: “A redução mais eficiente para combater a inflação de alimentos é a colheita da safra brasileira que ocorre nos próximos meses e a correção de ações que impactam diretamente o custo de produção no Brasil.”

Além disso, pareceu contraditório terem sido selecionados para o estímulo à importação alguns dos principais produtos da pauta de exportações brasileira, a exemplo da carne bovina. O Brasil é o maior fornecedor global de carne bovina, por exemplo. Em 2024, vendeu para outros países cerca de 2,5 milhões de toneladas do produto fresco ou congelado, enquanto comprou apenas 40,6 mil toneladas. Além disso, 95,1% do valor total importado de proteína bovina vieram do Paraguai, Uruguai e Argentina, países que já não pagam imposto de importação, por pertencerem ao MERCOSUL.

As importações de café em 2024, por sua vez, somaram US$ 83,4 milhões, enquanto o país exportou o equivalente a US$ 11,4 bilhões do grão. No caso do milho, foram US$ 8,2 bilhões em exportações no ano passado, e US$ 292,5 milhões em importações, das quais US$ 270,4 milhões vieram do Paraguai (92,4%) e US$ 10,3 milhões da Argentina (3,5%), que já são isentos da tarifa de importação.

Diante disso, economistas veem pouco impacto da desoneração de importações na inflação. Isso porque os produtos importados compõem uma fração muito pequena do que é disponibilizado internamente, além de serem consumidos e adquiridos pelo topo da pirâmide social, e não pela base, em que a inflação de alimentos de fato corrói muito. Já os produtos que o Brasil mais importa, como é o caso da sardinha, do azeite de oliva e do óleo de girassol, têm pouco peso nos indicadores de variação de preços, como o IPCA.

Entre as entidades representativas de segmentos impactados diretamente com as medidas, a Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho) manifestou-se com mais contundência, na fala de seu presidente, Paulo Bortolini, em entrevista ao jornal paranaense Gazeta do Povo. Em suas palavras, “Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho e o segundo maior exportador. Nós temos preços baixos, senão mais de 100 países ao redor do mundo não comprariam nosso milho. O governo parece estar perdido, atribuindo a causa dos preços dos alimentos aos produtores, quando na verdade a causa da inflação é a expansão monetária em função de gastos públicos exorbitantes.”

A impressão de Bortolini se fortalece quando, no dia seguinte ao anúncio das medidas, o presidente Lula disse, em evento público, que se os preços dos alimentos permanecerem altos, soluções mais “drásticas” podem ser adotadas, sem especificar quais. Manifestações como essa reacendem o alerta de posturas heterodoxas que, implementadas no passado, prejudicaram a economia do país, a exemplo do tabelamento de preços. Até agora, o governo vem negando esse tipo de pretensão.

Na terça, dia 11 de março, a FPA se reuniu em Brasília para discutir ações eficazes direcionadas à redução do preço dos alimentos, conforme propostas já encaminhadas ao governo federal. Durante o encontro, os parlamentares também discutiram o relatório apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP – MS) sobre o projeto de reciprocidade (PL 2088/2023), de autoria do senador Zequinha Marinho (PODE – PA). A proposta, em discussão há mais de um ano no Senado, busca proteger as exportações brasileiras, e não apenas do agro, contra barreiras comerciais abusivas impostas por outros países, reforçando o compromisso do Parlamento brasileiro com o diálogo e as negociações.

Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Com informações complementares do MAPA, Gazeta do Povo, Abramilho, FPA, Gecex, Ciex, CM Capital e Warren Investimentos.
 

 

 

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