Fertilizante inteligente gera economia e minimiza impacto ambiental

Do tamanho de um grão de arroz, um fertilizante de liberação controlada desenvolvido por meio da nanotecnologia é a mais nova aposta da pesquisa para amenizar um dos maiores problemas da aplicação de nutrientes na lavoura, a perda por volatilização e lixiviação. O primeiro problema é a transformação do fertilizante em gás, e o segundo é o carreamento do produto pela água, ambos responsáveis por perdas da ordem de 50% de todo o fertilizante que o agricultor brasileiro aplica na lavoura.

Testado em laboratório e em campo, o fertilizante inteligente volatiliza menos, comparado à ureia convencional que costuma volatilizar cerca da metade da quantidade aplicada. O novo produto contribui para a redução de gases do efeito estufa em 2/3, em comparação à aplicação convencional do fertilizante, e ainda pode ser usado como suplemento animal para aumento da digestibilidade de forragens. O novo fertilizante está pronto para ser transferido à iniciativa privada para ajuste das etapas de produção em escala e comercialização.

Desenvolvido pela Embrapa Instrumentação (SP) em parceria com a Embrapa Pecuária Sudeste (SP), o insumo de liberação lenta difere das estratégias já existentes porque propõe um tipo de grânulo nanocompósito, por meio da mistura física de um argilomineral esfoliado na nanoescala na matriz do fertilizante. Essa estratégia permite maior controle do tempo de liberação do nutriente e a possibilidade de inserir outros compostos em sua estrutura, incluindo outros tipos de fertilizantes além da ureia. A eficácia da nova tecnologia foi comprovada pela equipe do pesquisador Alberto Bernardi, da Embrapa Pecuária Sudeste.

Evitar perdas do insumo traz ganhos ambientais e financeiros. Os fertilizantes representam de 25% a 40% do custo variável dos principais sistemas de produção agrícolas do país, e uma das mais importantes variáveis desse custo é decorrente da perda de grandes quantidades de nutrientes aplicadas via fertilizantes.

Pesquisa

O trabalho, desenvolvido no âmbito das redes: “Nanotecnologia aplicada ao Agronegócio” (AgroNano) e “Tecnologias para o aumento de eficiência de fertilizantes e identificação de fontes alternativas de nutrientes para a agricultura brasileira” (FertBrasil), é resultado de dois estudos: uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado, que se complementaram durante seis anos de pesquisa. Os trabalhos foram apoiados com recursos da ordem de R$ 400 mil, oriundos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Embrapa.

A proposta de Cíntia Fumi Yamamoto e Elaine Inácio Pereira, ambas estudantes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), buscava uma alternativa, mas por meio de formulações diferentes, aos fertilizantes nitrogenados, cujo consumo mundial é suprido, principalmente pela ureia. Os dois estudos concluíram que é possível retardar a liberação e reduzir as perdas do fertilizante por volatilização.

À frente da equipe responsável pelo desenvolvimento do novo fertilizante, o pesquisador da Embrapa Cauê Ribeiro, coordenador da Rede AgroNano, conta que métodos de fixação que permitem a liberação prolongada de nutrientes no solo podem contribuir para a administração mais racional da aplicação de fertilizantes. O especialista se refere a métodos baseados na associação de materiais lamelares ou polímeros.

Ribeiro explica que, no processo de produção da tecnologia, foi utilizado um argilomineral cuja estrutura compreende lamelas de espessura da ordem de 1 a 2 nm (nanômetros – unidade de comprimento equivalente à bilionésima parte de um metro, ou 10-9 m), esfoliado pela intercalação de compostos fertilizantes, como a ureia. O novo fertilizante foi produzido por meio de um processo característico de mistura e extrusão mecânica com baixa umidade, compreendendo até 85% em massa de fertilizante no produto final.

O material sai da extrusora na forma de fios, com diâmetro controlado pela matriz utilizada, que são continuamente cortados no bocal em pequenos grânulos de comprimento variável na saída do bocal e que, em seguida, são utilizados ainda úmidos ou secados ao ar livre em temperatura ambiente. “Após a secagem, o material foi cortado, com o auxílio de um granulador mecânico, em grânulos cilíndricos de aproximadamente 2,5mm de diâmetro por 8 mm de comprimento”, conta o pesquisador.

Ele ainda esclarece que o fato de o produto final, mesmo úmido, apresentar resistência mecânica, permite manipulá-lo e distribuí-lo adequadamente em campo e o dispensa de processo de secagem. “Para armazenagem e uso posterior, se desejado, pode-se fazer a secagem em temperatura ambiente, sem auxílio de secadores ou outros processos, e sem prejuízo das propriedades do produto recém-extrudado”, acrescenta.

O fertilizante produzido pode ser aplicado manualmente, direto no solo, ou por ação mecanizada. Segundo o pesquisador, o processo de liberação lenta do fertilizante ou nutriente ocorre devido a dois fatores. O primeiro é um efeito físico – o confinamento entre as lamelas manométricas promove o aumento do tempo de difusão do nutriente para o meio. O outro fator é a interação química do nutriente com as cargas superficiais do argilomineral. “Nesse último caso, a liberação se dá pela dinâmica de íons no solo já presentes ou originados pela ação da planta no local. No processo, um íon no solo substitui o nutriente entre as lamelas, permitindo que este, quimicamente, seja dessorvido e, portanto, liberado”, explica.

O nanocompósito fertilizante envolveu técnicas avançadas para sua caracterização, como microtomografia de raio-x, espectrometria vibracional na região do infravermelho, ensaios mecânicos, além de experimentos de campo para medida da emissão de gases, realizados no Laboratório da Agricultural Research Service do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos na cidade de Beltsville, em 2012, e de incubação em solo, realizados no Laboratory of Soil Fertility and Plant Nutrition, da Universidade Rakuno Gakuen, em Hokkaido, Japão, em 2013.

Nitrogenados

Fertilizantes nitrogenados são suscetíveis a perdas por lixiviação, por escorrimento superficial de nitrato ou através de emissões gasosas de amônia óxido nítrico, óxido nitroso. Além disso, a eficiência dos insumos atualmente é baixa. As proporções médias do nutriente do fertilizante, absorvidas pelas culturas, estão entre 50% e 70% de nitrogênio, 15% e 30% de fósforo e 50% e 70% de potássio, segundo a International Fertilizer Industry Association.

Embora as culturas de milho, café e cana-de-açúcar representem cerca de 71% do consumo de ureia, o Brasil não consegue atender o mercado interno, porque a indústria nacional enfrenta a concorrência de produtos importados, a baixa barreira tarifária, a vantagem tributária aos importados, além de barreiras para a expansão da produção de fertilizantes, devido ao elevado preço da matéria-prima, a isenção de tributação ICMS sobre os importados, além do elevado nível de investimento na construção de novas plantas de ureia e sulfato de amônia.

Vantagens

Entre as vantagens do fertilizante nanoestruturado, o pesquisador destaca o desenvolvimento de um novo produto de menor custo, devido à utilização de matéria-prima nacional, de grande disponibilidade e inovadora, uma vez que esse material não é utilizado até o momento para aplicações como essa. O novo produto também possui capacidade de conformar o material e simultaneamente intercalar o fertilizante na nanoescala a temperaturas próximas a ambiente e com baixo teor de umidade, o que dispensa processos subsequentes específicos de secagem, preservando o fertilizante intercalado por evitar aquecimento do material.

Além disso, Ribeiro afirma que o material obtido em grânulos é mecanicamente coeso e de geometria compatível para aplicação prática, seja por métodos manuais de aplicação de fertilizantes ou mediante sistemas mecanizados. A conformação por extrusão permite a incorporação adicional no processo de diferentes elementos fertilizantes, o que faz com o que o grânulo seja representativo de uma formulação.

“Como o material base é um argilomineral, há o efeito residual de retenção de água proveniente de chuvas ou irrigação após a aplicação e de outros nutrientes já presentes no solo por troca iônica, haja vista que essa é uma propriedade intrínseca da matéria-prima”, explica o pesquisador.

Testes

A Embrapa Pecuária Sudeste e a Embrapa Instrumentação avaliaram o desempenho de fontes de nitrogênio de liberação controlada para uso como fertilizantes. O experimento examinou a eficiência do nitrogênio dessas novas fontes em plantas, medindo as perdas na forma de amônia.

O nitrogênio é o elemento essencial para as plantas. A falta da substância pode causar a paralisação do crescimento, o amarelecimento das folhas velhas, e menores níveis de proteínas nas sementes e nas partes vegetativas.

A ureia é a principal forma de adubação nitrogenada. A baixa eficiência desse fertilizante aplicado na superfície do solo refere-se, principalmente, à perda de nitrogênio por volatilização de amônia. Por isso, é importante o desenvolvimento de novas fontes de fertilizantes mais eficientes.

Testes de eficiência foram realizados com a forrageira azevém, plantada em vasos, para melhor observação dos níveis de nitrogênio, por cerca de oito meses na Casa de Vegetação da Embrapa Pecuária Sudeste. A planta foi escolhida por sua alta exigência de nitrogênio e capacidade de rebrote. No período do experimento, foram realizados seis cortes do azevém. Dessa forma, foi possível avaliar com precisão o efeito residual do adubo na forrageira.

De acordo com o pesquisador da Embrapa Alberto Bernardi, as novas fórmulas de fertilizantes de liberação controlada mostraram-se eficientes nos testes quando comparadas com os fertilizantes comerciais, sendo que as plantas, em todas as rebrotas, apresentaram desenvolvimento e produção equivalentes ou até superiores às fontes tradicionais.

O próximo passo da pesquisa será produzir em escala maior e levar os testes a campo com outras culturas, e para isso será importante estabelecer parcerias com empresas.

 

Fonte: Embrapa

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