Defendida pelas mais poderosas tradings agrícolas que atuam no País, a Ferrogrão saiu de vez da “lista de desejos” do setor ao entrar no rol de concessões do governo Michel Temer em 2017. O projeto já havia sido incluído – por pressão do agronegócio – na última versão do PIL, programa similar da ex-presidente Dilma Rousseff, e sua presença nesta nova tentativa de licitações federais renova a percepção de que a obra foi encampada por Brasília por sua atratividade ao setor privado – o que eleva as chances de sucesso da concessão.
A Ferrogrão vem sendo estudada e desenhada há quatro anos pela alta cúpula no Brasil da Amaggi, Louis Dreyfus, Cargill, Bunge e ADM, como uma alternativa às opções atuais ao escoamento de grãos no País. Reunidas no “Projeto Pirarara”, trabalharam junto com a EDLP, uma estrutura de negócios, dos detalhes técnicos ao acompanhamento político. Para elas, o que importa é que a obra saia do papel no formato mais licitável possível: as próprias tradings se dizem dispostas a financiar o empreendimento, caso ninguém mais tenha interesse em fazê-lo.
“Foi a primeira vez que tradings se juntaram no mundo para fazer um estudo desse tipo”, disse Guilherme Quintella, presidente da EDLP.
O momento era oportuno. Em 2012, o governo lançava um novo modelo horizontal de concessão e planejava rasgar 12.000 quilômetros de ferrovias, além de concessões de rodovias, portos e aeroportos, como forma de minimizar os gargalos logísticos brasileiros.
Para Quintella, ligado ao setor ferroviário, algo novo surgia. “Para nós, que entendemos um pouco do assunto, aquelas rotas que o governo estava sugerindo não faziam sentido, especialmente no agronegócio”, disse ele. Eram caminhos que não convergiam para o Arco Norte, a nova direção do fluxo de grãos produzidos no Centro-Oeste.
A EDLP chamou a Amaggi para conversar – Quintella e o ministro Blairo Maggi, na época senador, mantêm uma antiga relação de amizade. Da conversa veio a ideia de expandir o núcleo: chamaram a Louis Dreyfus, depois Cargill, Bunge e por fim a ADM. Em comum, já estavam posicionadas (ou em vias de) no Norte. Ao mesmo tempo, dividiam a insatisfação com a dependência dos vagões da ALL para a chegada de grão aos seus terminais à margem esquerda de Santos. Ter uma alternativa à malha paulista – e pressionar por revisões de tarifas – era algo que interessava.
Nascia o “Pirarara”, nome de um de três peixes amazônicos cogitados, e o maior de água doce do mundo. Foram inúmeros encontros ao longo de quatro anos até o nome “Ferrogrão” aparecer no site do governo federal. Os grupos técnicos das cinco empresas envolviam desde o time de logística, engenharia e novos negócios até o pessoal jurídico. As reuniões eram periódicas e detalhadas. Os “heads” encontravam-se, em geral, a cada dois meses, quase sempre na sede da EDLP, em São Paulo.
Os estudos tentavam simular qual caminho a soja, o farelo e o milho percorreriam para chegar aos principais portos em 2020, 2030, 2040 e 2050. As quatro tradings e a EDLP mapearam áreas de plantio, volume de produção e exportação de cada município produtor em 14 Estados brasileiros. Então jogaram as projeções dentro do mapa logístico que o governo pretendia catapultar em 2012 – ferrovias, hidrovias e rodovias duplicadas das novas concessões.
Mais de 30.000 fluxos foram gerados e duas constatações. A primeira e mais previsível: nos Estados do Sudeste, os portos tradicionais eram os que mais cresceriam no escopo de municípios do Centro-Sul do País. Já a segunda constatação foi uma surpresa: a FICO (Ferrovia de Integração Leste-Oeste), defendida pelo governo federal como um trecho licitável, não consumiria grande volume de grãos. Nas projeções dos estudos, os grãos subiriam mais pela BR-163 até Miritituba, no Pará, e de lá pela hidrovia até os portos de Santarém, Barcarena, Itacoatiara e Santana do Amapá. Por que não fazer, então, uma ferrovia paralela à BR-163?
O projeto de 933 Km ao custo de R$ 12.9 bilhões hoje, teria capacidade para escoar 36 milhões de toneladas médias ao ano. Foi apresentado ao governo, que fez o chamamento público para que empresas interessadas apresentassem alternativas de traçados para a via. Em nome do consórcio, a EDLP protocolou suas sugestões. A UTC/Constran também – mas não foi em frente, diante do envolvimento na Operação Lava-Jato.
Sobrou o projeto do consórcio, que aprofundou os estudos de viabilidade. Mas houve sobressaltos. O momento político difícil no País chegou a levar parte do grupo a querer desistir da empreitada no ano passado. Ao mesmo tempo, Bunge e a Dreyfus também passavam por mudanças importantes em sua gestão, mas a Ferrogrão já era mais que apenas os rabiscos de uma ideia.
Outros players tentam participar do projeto. A chinesa Cofco teria sido ouvida, mas as conversas ainda não avançaram. Entre as razões estão o Capex alto e o retorno de longo prazo, que exige definições mais claras. A forma de financiamento, por exemplo, ainda não divulgada pelo BNDES.
Fonte: Valor Econômico