O cultivo de algodão colorido orgânico é uma das principais fontes de renda do Assentamento Margarida Maria Alves, situado no município de Juarez Távora, a 100 km da capital João Pessoa (PB). Quinze famílias de assentados cultivam o algodão colorido em sistema de sequeiro, sem nenhum tipo de adubo ou inseticida sintético. A área de 25 hectares não chega a aparecer nas estatísticas oficiais de produção do algodão, mas chama a atenção do Brasil e de diversos países por ser uma alternativa ao sistema de produção tradicional com alto uso de insumos e de água.
“Aqui nós já recebemos visitantes da Europa, da África, de vários agricultores das regiões vizinhas e até da universidade para conhecer o nosso trabalho”, contou orgulhoso o presidente da associação de produtores do assentamento, Luiz Rodrigues da Silva, conhecido como seu Betinho.
Agora essa experiência vai ser compartilhada com os agricultores familiares da Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru, que integram o projeto de Fortalecimento do Setor Algodoeiro por meio da Cooperação Sul-Sul, coordenado pelo Governo do Brasil, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e os países membros ou associados do MERCOSUL, com recursos do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA).
Segundo a especialista em cooperação Sul-Sul e consultora da FAO, Juliana Rossetto, o intercâmbio de conhecimento e de experiências é fundamental para a cooperação trilateral. “Nós vamos sistematizar as boas práticas de produção do Brasil e dos países envolvidos numa plataforma on line e intercambiar esse conhecimento para que os produtores de outros países possam se inspirar e aplicar em projetos similares, de acordo com a sua realidade”, explicou.
“Se as pessoas estão vindo visitar vocês é porque vocês estão fazendo algo muito importante e nós vamos fazer um documento com o conhecimento de vocês sobre a produção de algodão colorido orgânico, que é referência na Paraíba,”, disse o consultor da FAO no projeto, Aderaldo Trajano.
No final de fevereiro, a equipe da FAO promoveu uma oficina com os agricultores do assentamento para realizar a sistematização do conhecimento local. Foram levantadas informações sobre o histórico da criação da comunidade, desafios da produção, fatores de sucesso e os resultados alcançados. A visita foi acompanhada por técnicos da Embrapa e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e de representante da prefeitura de Juarez Távora.
História do Assentamento
O assentamento Margarida Maria Alves foi criado em 1998, e conta atualmente com 36 famílias, das quais 15 cultivam o algodão colorido. Um ano após a sua criação, foi fundada a associação de produtores e a comunidade foi escolhida para a implantação do projeto piloto Algodão e Cidadania, coordenado pela Rede Nacional de Mobilização Social (COEP), em parceria com a Embrapa Algodão.
Os agricultores cultivam o algodão colorido em sistema de sequeiro, sem nenhum tipo de adubo ou inseticida sintético. O algodão é certificado pela Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD) e receberá o selo de certificação orgânica participativa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o que representará uma redução dos custos de produção, tendo em vista que o produto será avaliado pelos próprios agricultores, com a supervisão da Superintendência Federal da Agricultura no Estado da Paraíba.
O algodão é beneficiado no próprio assentamento na miniusina descaroçadora desenvolvida pela Embrapa para os pequenos produtores de algodão. A máquina separa a semente da fibra; a semente fica no assentamento para o próximo plantio e para alimentação animal; e a fibra segue para a indústria de fiação em Campina Grande e João Pessoa.
No ano passado, foram colhidos cerca de cinco mil quilos de fibra, negociada antecipadamente com a Associação da Indústria do Vestuário da Paraíba (AIVEST-PB) a cerca de R$ 12,00 o quilo. Praticamente toda a produção de algodão colorido orgânico do assentamento é vendida à Natural Cotton Color e ao Casulo Arte Natural, empresas ligadas à AIVEST-PB, que produzem peças de vestuário, bolsas e acessórios exportados para a França, Itália, Espanha, Alemanha, Japão, Estados Unidos e países escandinavos.
Desafios da produção
Além da escassez de água, o algodão colorido precisa sobreviver ao bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), uma das principais pragas da cultura. O inseto contribuiu para a diminuição gradativa das plantações de algodão branco na região Semiárida, que já foi a maior área de produção algodoeira do País. O bicudo ataca o botão floral do algodoeiro e deposita o ovo dentro dele. Depois de furado pelo bicudo, o botão cai e em aproximadamente 25 dias surge um novo inseto adulto. Cada fêmea pode perfurar até 200 botões e se não for realizada nenhum tipo de controle o produtor pode perder toda a safra.
Fatores de sucesso
Para conviver com o bicudo, o grupo de produtores apanha e destrói os botões infestados pela larva do inseto. “Antigamente, ninguém catava os botões que o bicudo furava e nascia cada vez mais bicudo. Com a orientação da Embrapa, a gente começou a apanhar e o bicudo foi acabando”, contou seu Betinho.
Depois da colheita os animais são soltos no campo. A criação de gado bovino e caprino é outra fonte de renda para os produtores do assentamento. “Os bichos comem os restos das plantas e a gente arranca o que sobra”, disse.
O presidente da associação de produtores do assentamento, Luiz Rodrigues da Silva, conhecido como seu Betinho, destaca que outra medida importante para o controle do bicudo na área é concentrar o plantio numa mesma época para que a praga não migre de uma plantação para outra e tenha sempre alimento disponível. “Se alguém plantar fora da época atrapalha os outros”, enfatizou.
A união dos agricultores do assentamento em torno do cultivo do algodão e nas atividades da associação também foi apontada como um fator de sucesso para o desenvolvimento da comunidade. “Se não fosse o cultivo do algodão, nós teríamos criado a associação e não estaríamos aqui reunidos”, destacou o agricultor.
Anualmente, são cultivados cinco hectares com algodão, em regime de mutirão, na área comunitária do assentamento. Os recursos para manutenção das atividades de cooperativa são oriundos da lavoura comunitária.
Resultados
Entre os resultados alcançados pelo grupo estão a aquisição da miniusina beneficiadora do algodão, instalação de energia elétrica trifásica, construção de um novo galpão para o armazenamento da fibra, aquisição de um trator e um automóvel, que são utilizados de forma comunitária. Também foram apontadas como conquistas importantes para a comunidade as capacitações para o manejo da lavoura de forma agroecológica, o banco de sementes, barragens subterrâneas, um telecentro e o fortalecimento do associativismo. Entre os projetos para o futuro está a criação de uma fábrica de doces comunitária.
Algodão colorido
A Embrapa Algodão desenvolveu o algodão naturalmente colorido como um produto diferenciado para a região Nordeste, com foco no fortalecimento da agricultura familiar e na sustentabilidade ambiental. Para conseguir uma pluma colorida que pudesse ser aproveitada na indústria têxtil, os pesquisadores fizeram o cruzamento de cultivares de fibra branca de boa qualidade com tipos silvestres, existentes na natureza, de qualidade inferior, mas que tinham a fibra colorida.
Como resultado, foram obtidas as seguintes variedades: BRS 200 Marrom, BRS Verde, BRS Safira, BRS Rubi e BRS Topázio. As tonalidades variam do verde aos marrons claro, escuro e avermelhado. Essas variedades são plantadas por pequenos produtores do Semiárido em sistema de cultivo orgânico, em consórcio com outras culturas alimentares, principalmente milho e feijão, que contribuem para a subsistência do agricultor familiar.
Fonte: Embrapa