Após sucessivos recordes nas vendas domésticas de etanol hidratado (usado diretamente nos tanques dos veículos), houve dúvidas no mercado sobre se a produção da safra 2019/20, mesmo recorde, seria suficiente para garantir o abastecimento nesta entressafra. Desde janeiro, porém, “novas” ofertas, para além dos volumes já produzidos nas usinas de cana, afastam esse risco.
As usinas de etanol de milho produziram 177.8 milhões de litros do biocombustível em janeiro. Além disso, foram importados 177.7 milhões de litros de etanol (também de milho, vindo dos EUA) no mês, contra 153 milhões de litros em janeiro do ano passado, segundo dados da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica).
Somados, esses volumes equivalem a mais que todo o consumo de etanol hidratado de Minas Gerais de dezembro, de 304 milhões de litros, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O mercado mineiro é o segundo maior do País, atrás de São Paulo, onde as vendas do biocombustível têm superado um bilhão de litros mensais.
É certo que essa oferta “extra” de janeiro ainda é relativamente pequena frente ao volume nos estoques no início do mês. Em 31 de dezembro, o estoque físico nas usinas do País era de 8.4 bilhões de litros, dos quais 5.2 bilhões eram de hidratado, segundo levantamento realizado pelo Ministério da Agricultura.
Caso o ritmo de vendas de hidratado nesta entressafra repetisse a média dos meses anteriores, de cerca de 1.9 bilhão de litros, alguns analistas avaliam que, de fato, poderia haver um forte aperto na oferta. Mas as vendas do centro-sul em janeiro colocaram uma interrogação na equação.
A venda de hidratado no mês recuou 4,30% em relação a janeiro de 2019, para 1.752 bilhão de litros, enquanto a do anidro cedeu 6,30%, para 735.5 milhões de litros.
Em nota, a Unica demonstrou cautela com o significado dessas variações. A entidade considerou que “é preciso avaliar o movimento de estoque no elo de distribuição ou mesmo de outros comercializadores ao longo da cadeia do etanol” e que o movimento real do consumo só será verificado nos dados da ANP sobre as vendas de janeiro, que serão divulgados no próximo dia 28.
Martinho Ono, sócio da SCA Trading, disse que já está prevista alguma redução da demanda por etanol neste momento, sobretudo quando o preço da gasolina nas bombas começar a refletir as reduções promovidas pela Petrobras nas refinarias.
Desde janeiro, o preço médio da gasolina A (sem anidro), foi reduzido em 11%, mas os motoristas ainda não viram essa queda. Em São Paulo, o preço médio só caiu 0,66% em quatro semanas. Como o hidratado também recuou, o etanol seguiu competitivo.
No fim de janeiro, os estoques de hidratado no País eram de 3.6 bilhões de litros e os de etanol anidro de 2.6 bilhões de litros.
Até sexta-feira, a perspectiva aventada pela ANP de que poderia ocorrer um desabastecimento de gasolina por causa da greve dos petroleiros não preocupava as usinas. Para um trader, em caso de necessidade, haveria importação do combustível fóssil ou, no limite, conversão de etanol anidro em hidratado.
Ono avaliou que, se o ritmo de vendas de etanol de janeiro se repetir em fevereiro e março, o mercado não terá problema de oferta. Além disso, caso se repita o ritmo de produção de etanol de milho de janeiro, haverá 500 milhões de litros de etanol adicionais neste trimestre, além do etanol de cana.
E ainda há mais etanol chegando dos EUA. De acordo com dados de line-up compilados pela SCA Trading, até meados da semana passada estavam previstos para chegar ao país quase 100 milhões de litros em fevereiro.
Para Tarcilo Rodrigues, diretor da Bioagência, a importação de etanol deve ficar entre 100 milhões e 150 milhões de litros ao mês até março, diante do atual custo para importar etanol e da demanda interna. Em fevereiro e março de 2019, sem a nova cota de importação, o país importou 130 milhões e 110 milhões de litros, respectivamente.
Fora isso, há usinas que declararam à Unica a intenção de antecipar a retomada da moagem de cana para março, o que poderia acrescentar, com o processamento de dez milhões de toneladas, mais 800 milhões de litros de etanol, calcula Ono. Isso se as chuvas derem alguma trégua.
Valor Econômico