Publicado em 13/06/2023 – atualizado em 30/10/2023
A SNA conversou com Aldo Rebelo, político de longa e relevante trajetória, com seis mandatos consecutivos como deputado federal por São Paulo, tendo presidido a Câmara entre 2005 e 2007. Foi ministro das Relações Institucionais (2004 a 2005), com Luiz Inácio Lula da Silva, e do Esporte (2011 a 2015) Ciência, Tecnologia e Inovação (2015) e Defesa (2015 a 2016), com Dilma Rousseff.
Alagoano de nascimento e jornalista de ofício, com destacada passagem pelo movimento estudantil e na luta pela redemocratização, Rebelo é um dos nomes de maior destaque na esquerda brasileira. Após deixar os cargos eletivos, seguiu no debate público, sendo ouvido atentamente por correligionários e até por opositores quando os assuntos são a soberania nacional, meio ambiente e questões indígenas, sobre os quais publicou vários livros.
Nesta entrevista, ele discorre também sobre a Amazônia, que conhece a fundo, a necessidade de integrar os índios à sociedade moderna, valorização do agronegócio e importância das Forças Armadas na defesa do País.
SNA: Após longa e exitosa trajetória política, tendo inclusive presidido a Câmara dos Deputados e chefiado Ministérios como o da Defesa, seus posicionamentos públicos mais recentes destoam da atual gestão federal, composta por alguns de seus ex-colegas de Parlamento e Esplanada. Isso tem inclusive lhe rendido elogios de conservadores. Como enxerga essa dinâmica e que balanço faz dessa improvável convergência de opiniões, em tempos de tantas divisões?
Aldo Rebelo: Minhas posições atuais guardam total coerência com minha trajetória de brasileiro comprometido com a defesa da soberania nacional, com os direitos sociais da população mais pobre e com a causa da democracia, convicções que carrego desde os bancos escolares e que mantive independentemente das relações partidárias no curso de minha vida política. Fui relator do Código Florestal brasileiro e defendi a agricultura e as Forças Armadas quando integrava os quadros do PCdoB, sem que vislumbrasse nessa atitude qualquer conflito de natureza política ou ideológica. É claro que os tempos mudaram e a esquerda abandonou seu viés nacionalista para incorporar a agenda identitária do comportamento, dos costumes e da divisão racial do País, enquanto muitos conservadores sacrificam o nacionalismo no altar de uma aliança unilateral com a agenda dos Estados Unidos em nome da proteção de uma pretensa civilização ocidental.
SNA: Seu livro sobre a Reserva Raposa Serra do Sol é uma leitura seminal sobre a questão da demarcação de terras indígenas no Brasil. Os povos nativos e as unidades de conservação ambiental representam hoje praticamente 30% do território nacional. Como conciliar crescimento econômico, expansão do agronegócio e preservação, renunciando a uma parcela tão grande do país?
Aldo Rebelo: As populações indígenas do Brasil convivem com os piores indicadores sociais de nossa Pátria. Os índios lidam com a mais elevada taxa de mortalidade infantil, de analfabetismo, de doenças infecciosas, de subnutrição, e com os mais baixos índices de serviço de saneamento básico, de água tratada e de energia elétrica, mesmo sendo proprietários de 13% do território nacional e, no caso dos Ianomâmi, de uma área maior que o estado de Santa Catarina, o que prova não ser propriamente a imensidão de territórios a resolução da pobreza de nossos irmãos indígenas. Quando ministro do presidente Lula, apontei o erro da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol em área contínua. Fui vencido dentro do governo e por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que resolveu a questão sem ouvir um índio sequer e sem visitar Roraima uma única vez. No Mato Grosso, por exemplo, a área que produz a economia que respondeu por 45% do saldo da Balança Comercial do Brasil esse ano destina para a agricultura um espaço menor que o ocupado pelas populações indígenas. É preciso proteger as terras necessárias aos nossos irmãos indígenas, mas a pressão internacional na verdade se faz é para imobilizar solo e subsolo, ricos em minério e próprios para a agricultura em prejuízo do interesse nacional.
SNA: O senhor tem manifestado preocupação com os interesses de entes estrangeiros com a Amazônia, sendo que a pressão da comunidade internacional com frequência ignora a realidade mais básica do bioma e sua população. Como conhecedor das necessidades de quem vive lá, que benefícios poderiam usufruir do aproveitamento responsável das riquezas, como fazem as outras nações que tanto criticam o Brasil?
Aldo Rebelo: Quem conhece a história sabe que a Amazônia começou a ser cobiçada antes de ser conhecida, como prova o Tratado de Tordesilhas, de 1494. Geólogos estudiosos da Amazônia sabem que ali estão todos os elementos químicos conhecidos na Tabela Periódica. A Amazônia é a maior fronteira mineral do mundo, a maior reserva de biodiversidade do mundo, tem o maior aquífero do mundo e reservas de água doce e seus rios constituem verdadeiras fábricas de energia hidrelétrica ainda não aproveitada. A agenda do meio ambiente é muito importante, mas na verdade é o congelamento do poder mundial que mobiliza os países ricos e suas ONGs na região.
SNA: Na recente e dramática crise dos ianomâmis, o senhor alertou que a situação é antiga. Até que ponto a preocupação em proteger e resguardar os povos indígenas pode, na verdade, prejudicá-los, privando-os de uma integração necessária com a sociedade, participando da vida nacional e até mesmo usufruindo de suas terras?
Aldo Rebelo: Visitei várias vezes as áreas Ianomâmi e alertei para a tutela exercida pelas ONGs e para o estado de subnutrição em que eles viviam. Eu defendo o modelo do Marechal Rondon, ele próprio filho de uma índia Bororo do Mato Grosso, e que dizia que o caminho era integrar o índio à sociedade nacional e não a política de Apartheid indígena acolhida pelas ONGs e pela antropologia colonial.
SNA: A perspectiva de mudança no marco temporal de terras passíveis de demarcação traz insegurança jurídica e pode acentuar conflitos que já existem. Houve também um posicionamento contrário, por parte do Ibama, à possibilidade de a Petrobras explorar petróleo na foz do Amazonas. Esses dois casos, a seu ver, ilustram a dificuldade do país em estabelecer suas prioridades longe das paixões ideológicas e interesses privados pouco transparentes?
Aldo Rebelo: Em 24 anos no Congresso, nunca tinha testemunhado outra interpretação sobre o Marco Temporal que não a oferecida em 1988. Outra interpretação causará conflitos sociais graves e insegurança jurídica no campo, principalmente para pequenos agricultores que ocupam áreas que podem vir a ser reivindicadas por indígenas com base em ocupações pretéritas. Quanto ao caso do petróleo na foz do Amazonas, está provado que houve uso de informações falsas na posição adotada pelo Ibama para negar a autorização pretendida pela Petrobras.
SNA: Num país tão rico em recursos naturais e terras férteis para quase todos os cultivos, o agronegócio ainda ocupa poucas áreas, se compararmos à receita gerada e sua participação no PIB. Não seria natural que um segmento tão pujante fosse orgulho nacional, em vez de sofrer com as diatribes de quem pouco ou nada conhece a respeito?
Aldo Rebelo: A agricultura e a pecuária são responsáveis por proteger a economia brasileira de um revés mais grave, pois seu crescimento evita riscos à nossa balança comercial e ajuda a proteger inclusive a atividade industrial e o emprego urbano com a produção de máquinas e equipamentos. Mais do que uma injustiça é um erro de setores do governo criar conflitos com a agropecuária, pois ela já enfrenta a dura campanha da concorrência internacional e deveria receber o reconhecimento e o apoio do governo brasileiro.
SNA: O senhor foi Ministro da Defesa numa época menos polarizada do que atualmente. As Forças Armadas ainda precisam encontrar sua vocação 38 anos após o fim do regime? A agressão à soberania nacional mudou seus métodos a ponto de não mais poder ser respondida militarmente?
Aldo Rebelo: A defesa nacional é um tema cada vez mais atual e relevante para qualquer país que valorize a agenda da soberania nacional. O Brasil tem como desafio proteger 17 mil quilômetros de fronteiras, 4,5 milhões de quilômetros quadrados de águas jurisdicionais no mar e 20 mil milhas de águas interiores nos rios, além de 13 milhões de quilômetros quadrados de espaço aéreo em terra e mar. Não é pouco. Precisamos de Forças Armadas compatíveis com essas necessidades, sob pena de não sermos levados a sério nesta matéria. As Forças Armadas do Brasil são instituições formadoras da nacionalidade, do Estado nacional, ajudaram e ajudam a construir o Brasil com a missão de defesa, e a outra missão, subsidiária, nas áreas social, científica, tecnológica, diplomática, entre outras.
Marcelo Sá, jornalista/editor
Equipe SNA