A forte demanda da indústria de aves e suínos por trigo para uso na ração dos animais este ano enxugou a oferta doméstica do cereal e complicou o abastecimento dos moinhos brasileiros, que se veem às voltas com preços elevados, apesar das recentes quedas do dólar e das cotações do trigo na bolsa de Chicago.
“Os moinhos estão em condição muito delicada, nunca entraram num 2º semestre com estoques tão curtos e muito disso se deve ao milho”, disse Christian Saigh, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo (Sindustrigo). Com a redução da oferta e os elevados preços do milho no Brasil, inflados pela seca que derrubou a produtividade do grão no País este ano, os granjeiros recorreram ao trigo como substituto na alimentação dos animais.
Conforme Saigh, a saída para muitos moinhos será buscar ainda mais trigo nos EUA, que tem chegado a cerca de US$ 270,00 a tonelada no porto de Santos (SP). Ele calcula que pelo menos 1.5 milhão de toneladas do cereal americano serão trazidas nos próximos 90 dias. O volume é bem superior as 295.680 toneladas que vieram daquele país entre julho e dezembro de 2015.
“Esse trigo vem com TEC [Tarifa Externa Comum de 10%, cobrada do produto de fora do Mercosul] e a logística dos EUA leva em média 60 dias, entre fechar o contrato e receber em Santos. E os preços dos negócios realizados há 60 dias eram outros”, disse Saigh.
De fato, a desvalorização do trigo ganhou mais força apenas nas últimas semanas, com a melhora das perspectivas para a safra 2016/17 dos EUA. Somente em julho, os preços dos contratos com entrega em setembro na bolsa de Chicago recuaram 8,5%, encerrando o mês a US$ 4,07 ¾ o bushel. No mercado interno, porém, as cotações acumularam ligeira alta de 0,24% no período, para R$ 902,98 a tonelada no Paraná, embora tenham cedido um pouco nos últimos dias, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/ESALQ). O fato é que o valor atual é 35% mais alto do que há um ano, quando o trigo estava na casa de R$ 650,00.
“Boa parcela dos moinhos está cautelosa com os estoques porque a reposição não está sendo feita no momento necessário. Quem não acreditou em fazer estoques está reduzindo a moagem”, disse Saigh. De acordo com Marcelo Vosnika, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), houve diminuição da moagem nos últimos 90 dias, mas ainda não há dados fechados sobre essa redução.
“No ano passado, tivemos uma queda de 8% na moagem, mas por crise de consumo, não por falta de trigo e preços altos como agora”, disse Vosnika. Segundo ele, as indústrias de aves e suínos adquiriram praticamente todo o estoque de trigo do Paraná, maior Estado produtor do cereal.
“Os volumes movimentados pelo pessoal do milho são muito maiores. Um pouco de compra para eles é muito para nós”, afirma. Com estoques também já enxutos, a Argentina tem potencial restrito para suprir a demanda dos moinhos paranaenses, e a atenção do mercado está voltada à nova safra brasileira, que começa a chegar em outubro.
Nos cálculos do Departamento de Economia Rural do Paraná (DERAL), o Estado deverá colher 3.35 milhões de toneladas na recém-plantada safra 2015/16, alta de 2% em relação ao ciclo anterior. A produção total do País está estimada em 6.28 milhões pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Apesar do momento de aperto e do menor processamento nos últimos 90 dias, Vosnika acredita ser possível encerrar o ano com uma moagem perto da estabilidade. “A perspectiva é de manter a moagem perto das 10.5 milhões de toneladas. Acreditamos que o consumo esteja retornando ao normal”, afirma.
Fonte: Valor