Crise do metanol: agronegócio faz parte da solução

O Ministério da Saúde montou uma sala de situação para monitorar os desdobramentos. O titular da Pasta, Alexandre Padilha, anunciou medidas em meio à crise do metanol, como a importação emergencial do antídoto fomepizol. Foto: Walterson Rosa/MS

Adulteração de bebidas alcoólicas gera mobilização

O metanol é o epicentro de uma crise nas últimas semanas, desde que mais de duzentos casos suspeitos  de intoxicação levaram à descoberta de bebidas alcoólicas falsificadas com a substância. O alerta começou em São Paulo, mas já há investigações em outros estados. Pelo menos duas mortes já foram confirmadas, com outras sendo analisadas. A questão envolve segurança pública, rigor sanitário e também a colaboração do setor agrícola.

Isso porque, de acordo com a Polícia federal, as amostras coletadas serão submetidas à análise técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e também de laboratórios especializados. As verificações vão permitir avaliar a conformidade dos insumos químicos, a existência de componentes proibidos ou em níveis superiores aos permitidos e identificar a autoria, as circunstâncias e a extensão das irregularidades. O objetivo é fazer o percurso inverso dos criminosos, chegando aos falsificadores.

A principal razão para a utilização do álcool metílico nas bebidas falsificadas é o custo, já que o composto é mais barato do que o etílico. Pela mesma razão, o metanol também tem sido usado para substituir o etanol na adulteração de combustíveis, como revelou investigação recente da Polícia Federal.

Diferenças de composição, uso e risco à saúde humana

Embora popularmente se utilize “álcool” quase sempre para se referir ao álcool etílico, o metanol, ou álcool metílico, pertence à mesma classe de substâncias. O metanol é tradicionalmente produzido a partir de combustíveis fósseis, como o gás natural (metano) ou carvão.

O etanol é um produto do agronegócio, pois é produzido a partir da fermentação de açúcares. No Brasil, principalmente da cana-de-açúcar, mas cada vez mais também do milho, e em outros países ainda da beterraba. É considerado uma fonte renovável de energia, uma vez que tem um ciclo de carbono quase neutro: durante seu crescimento, as plantas a partir das quais o etanol é produzido absorvem dióxido de carbono (CO2), compensando as emissões geradas com sua queima.

Quando ingerido, o metanol (CH3OH) é metabolizado pelo fígado em substâncias extremamente venenosas: primeiro em formaldeído e, em seguida, em ácido fórmico. As consequências da intoxicação por metanol podem ser devastadoras, incluindo cegueira permanente, danos cerebrais irreversíveis, insuficiência renal e hepática e, em casos graves, morte.

O etanol (C2H5OH), embora provoque embriaguez, é considerado seguro para consumo, exceto se ingerido em doses excessivas. No organismo, é absorvido sem alteração pelo estômago e pelo intestino delgado. Cerca de 10% do volume é eliminado sem alteração pela urina, suor e respiração, enquanto o restante é metabolizado pelo fígado.

Agronegócio dá garantia de procedência e sustentabilidade

O etanol é o álcool mais presente no cotidiano, utilizado em bebidas alcoólicas fermentadas, como cerveja e vinho, e destiladas, como cachaça e vodca, entre outros, assim como para limpeza de superfícies, desinfecção de mãos e como combustível para automóveis. O metanol é utilizado principalmente como um intermediário na fabricação de outros produtos químicos, como o formaldeído, presente em adesivos e colas, isolantes térmicos e elétricos, tecidos e plásticos; o ácido acético, usado na produção de acetato de vinila (para tintas, por exemplo) e em produtos químicos e farmacêuticos.

Nesse contexto, sendo o Brasil o maior produtor de etanol a partir da cana de açúcar, o setor desempenha papel determinante na identificação de procedência do produto e combate a fraudes. Até mesmo no caso do metanol, que possui seu uso adequado, já existem métodos mais sustentáveis e seguros. O chamado metanol verde pode vir da gaseificação de biomassa, como dejetos de gados, resíduos agrícolas e florestais e aterros sanitários; ou a partir do hidrogênio produzido com eletricidade renovável e do dióxido de carbono capturado.

Em abril, quase seis meses antes das intoxicações por metanol serem confirmadas, a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) divulgou os dados de uma pesquisa interna com seus associados e já fazia um alerta grave, que passou despercebido da opinião pública e da imprensa: até 36% de todas as bebidas alcoólicas vendidas e consumidas no Brasil eram alvo de fraudes, incluindo nesse montante as falsificadas, adulteradas ou contrabandeadas. O fato foi noticiado pelo jornal paranaense Gazeta do Povo.

Desafio num problema antigo e que vem crescendo

Ainda de acordo com o relatório do Núcleo de Pesquisa e Estatística da Fhoresp, os produtos mais afetados com a prática criminosa são vinhos e destilados. A pesquisa trouxe ainda outro alerta importante: uma a cada cinco garrafas de vodca vendidas no Brasil é falsificada. Para a entidade, que representa 500 mil empresas paulistas entre hotéis, bares, restaurantes, lanchonetes e padarias, e mais de 20 sindicatos patronais, é preciso que as autoridades coloquem em prática ação articulada que desmantele o esquema das falsificações.

Para a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), o problema não é novidade. A crise do metanol estaria ligada ao crime organizado e à falta de controle da produção e distribuição das bebidas alcoólicas por parte do poder público. A entidade vincula o aumento de casos ao fim das operações do Sicobe, sistema de controle de produção de bebidas que era operado pela Receita Federal e pela Casa da Moeda.

Para a Fhoresp e ABCF, cabe ao Ministério da Agricultura e Agropecuária regular e fiscalizar a produção e a comercialização das bebidas destiladas no Brasil. Bebidas importadas são fiscalizadas pela Receita Federal e também devem ter registro no MAPA. Nesse contexto, o setor agrícola nacional tem muito a colaborar para a elucidação da crise e tranquilizar consumidores, comerciantes e produtores.

Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Com informações complementares da Embrapa, Ministério da Justiça e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
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