Em tempos de crise hídrica, qualquer alternativa é bem vinda para o homem que vive e trabalha no campo, que integra a cadeia do agronegócio brasileiro. Muitas vezes, não é preciso muito dinheiro para garantir o abastecimento de água na zona rural. É que produtores rurais mineiros estão fazendo com o auxílio da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Milho e Sorgo (MG).
Agricultores do interior do Estado, eles construíram barraginhas e/ou pequenos lagos, que são pequenas bacias para captar a enxurrada. Algumas comunidades rurais de Minas, acostumadas a utilizar cisternas de um metro e meio de água viram o volume saltar para 11 metros.
Coordenador do projeto “Integração das Tecnologias Sociais Lago de Múltiplo Uso e Barraginhas”, da Embrapa Milho e Sorgo, o engenheiro agrônomo Luciano Cordoval explica que as barraginhas retêm as enxurradas, permitindo que a água da chuva se infiltre no solo. Desta forma, ela recarrega o lençol freático, deixando-o em nível mais elevado.
“Além de elevar a disponibilidade de água em determinada, esta chamada ‘tecnologia social’ preserva a terra já que, ao conter as enxurradas, evita erosões. Com o aumento de água nas propriedades, foi possível construir e abastecer pequenos lagos lonados, conhecidos como lagos de múltiplo uso, que também podem ser usados como criatórios de peixes, reservatórios para irrigação ou abastecimento”, informa.
De acordo com a Embrapa Milho e Sorgo, mais de 150 mil barraginhas já foram instaladas no Distrito Federal e em 11 Estados brasileiros: Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Diferentemente das barraginhas, os pequenos lagos são impermeabilizados com a utilização de uma lona de plástico, coberta por uma camada de terra. Conforme Cordoval, Abastecidos pelas águas com volume mais elevado nas cisternas (ou cacimbões), os lagos também podem captar águas das chuvas que caem nos telhados e são direcionadas para os reservatórios.
“Na região do Cerrado, o foco principal é controlar a erosão provocada pelas enxurradas. Como consequência disso temos o umedecimento das baixadas, que auxilia as lavouras, e a revitalização dos cursos d’água assim que o lençol freático é recarregado. Já no Semiárido, é preciso aproveitar a irregularidade da chuva, os momentos de chuva intensa, pois, se não for captada, a água vai embora. Como os solos são rasos, a umidade se alastra e beneficia a agricultura”, garante o engenheiro agrônomo.
Cordoval informa que o sistema de integração entre barraginhas e lagos abastecidos por cisternas pode ser replicado em toda e qualquer região de latossolo vermelho e amarelo, que é poroso, e predominante no Brasil Central.
“O modelo pode ser adotado com um pequeno investimento. Os mini lagos de 14 metros de diâmetro, por 1,2 metro de profundidade gastam quatro horas de máquina do tipo pá carregadeira e 30 metros de lona de oito metros de largura.”
Segundo Cordoval, os ganhos mais importantes são as transformações de paisagens e a elevação da qualidade de vida de milhares de pequenos produtores rurais.
COMO TUDO COMEÇOU
Conforme a Embrapa Milho e Sorgo, a barraginha é uma tecnologia muito simples e surgiu da observação de um barramento natural ocorrido após uma forte chuva no início da década de 1980.
“Foi em um ano seco e não chovia há mais de dez meses no semiárido norte-mineiro. Aí aconteceu um temporal rápido, caindo 40 mm de uma chuva intensa, correndo muita enxurrada. Depois, andando a cavalo por uma fazenda, um lugar chamou minha atenção. Esse ponto parecia um minioásis no formato de um lago. Estava verde, com uma relva densa. Nas outras áreas, a chuva não tinha sido suficiente para estimular a brotação das pastagens, estava tudo ainda aparentemente desertificado”, relataa o engenheiro agrônomo.
A Embrapa explica que Cordoval observou o fenômeno e percebeu que a água da chuva, por estar sobre um terreno frágil, sujeito à erosão, abriu uma fissura, escavando e carreando terra, que se depositou mais abaixo, formando um barramento natural. “Essa lama depositada foi suficiente para parar a enxurrada, encheu uma bacia rasa. E creio que se infiltrou logo, e as sementes misturadas na lama germinaram, formando esse tapete verde, com o formato do lago criado.”
Durante a observação, segundo a Embrapa, Cordoval se lembrou de experiências que havia conhecido em Israel. “Em 1976, durante um curso, eu fazia uma viagem e, numa parada, vimos pontos verdes ao longe no deserto do Neguev. O guia explicou que nos pequenos vales, grotas suaves, eles fazem barramentos e deixam à espera de chuvas. Vindo as chuvas, os pequenos açudes enchem parcialmente e, assim que a água infiltra, forma-se uma lama. Ali, plantam mudas de eucaliptos, fazendo covas nesses barramentos umedecidos. À medida que o local vai secando, as raízes vão se aprofundando atrás da umidade e resistem até o próximo evento de chuvas.”
Por fim, de acordo com a Embrapa, Cordoval conta que decidiu aproveitar as duas experiências como inspiração para a criação da tecnologia. “A partir daí, comecei a rascunhar desenhos. Começavam ali as barraginhas”, lembra.
PREMIAÇÃO
No ano de 2005, o projeto “Integração das Tecnologias Sociais Lago de Múltiplo Uso e Barraginhas” venceu o prêmio Fundação Banco do Brasil, na categoria recursos hídricos. A partir daí se espalhou por quase todo o País com o apoio de associações, prefeituras e da Petrobras. Além de serem instaladas mais de 150 mil barraginhas em 12 regiões brasileiras, a divulgação da tecnologia já incentivou a implantação de outras milhares de pequenas barragens por todo o Brasil.
Por equipe SNA/RJ com informações da Embrapa Milho e Sorgo