A revolução tecnológica chegou ao campo brasileiro, mas está longe de ser para todos. Enquanto nas zonas urbanas do país 91,50% da área total tem cobertura para conexão de celulares à rede 4G, nas rurais o índice é de 10,72%, o que pressiona a média nacional para 11,70%, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Ligados ao mundo somente com dispositivos móveis, e ainda com dificuldade de sinal nas fazendas, boa parte dos produtores pouco consegue aproveitar a onda de inovações criadas para melhorar sua atividade.
Eles reivindicam um ambiente em que pessoas, máquinas e “coisas” estejam 100% conectadas para permitir a tomada de decisões em tempo real.
No Censo Agropecuário de 2017, 1.43 milhão de produtores declararam ter acesso à internet, 909.000 via internet móvel e 659.000 por meio de banda larga fixa. Considerando que há no País 5.073 milhões de estabelecimentos rurais, significa que apenas 28 em cada 100 propriedades podem estar conectadas.
Mas o número tende a ser menor, segundo Cléber Soares dos Santos, diretor de Inovação do Ministério da Agricultura. Isso porque pode haver superávit de conexões em uma fazenda em relação a outra, além de sinal de celular débil fora do perímetro das cidades.
Considerando também a internet via satélite e a rádio, Santos prefere considerar como “área iluminada por algum tipo de conexão” no país 23% da zona rural, percentual estimado em estudo realizado em conjunto com a Esalq/USP.
A minoria de estabelecimentos rurais conectados atualmente é formada sobretudo por grandes grupos, com capacidade de realizar investimentos elevados. Um exemplo é a Citrosuco, maior exportadora de suco de laranja do mundo. Com sede em Matão (SP) e receita líquida de R$ 3 bilhões por safra, a empresa planeja conectar, em até dois anos, 25 fazendas e 1.9 milhão de hectares com tecnologia 4G por meio do programa “4G TIM no Campo”.
O contrato com a operadora de telefonia foi firmado no 1º trimestre. O projeto, orçado em US$ 50 milhões, contempla aporte em infraestrutura, softwares e parcerias com startups. Num segundo momento, a ideia é conectar as fazendas de laranja do grupo a quatro unidades de produção de suco e cinco terminais marítimos, afora caminhões e navios dedicados à exportação, como já informou o Valor.
Já o Grupo São Martinho, cuja receita líquida totalizou R$ 3.7 bilhões na safra 2019/20, começará a testar o 5G já em abril de 2021 em sua unidade de Pradópolis (SP). A companhia fez acordo com a Ericsson para aumentar a velocidade de conexão das máquinas da usina e sua transmissão de dados.
Agenor Pavan, vice-presidente e COO da São Martinho, explica que enquanto o 4G lhes permitiu olhar para a operação em tempo real, e abandonar os pen drives descarregados com “delay” na sede da fazenda, o 5G virá para dar autonomia a algumas atividades e corrigir desvios de rota remotamente.
“Com o 5G, estamos falando da possibilidade de usar máquinas autônomas, de mudar a direção da câmera de um drone para identificar um problema no campo e de comunicar nossa empresa com outras para gerenciar estoques. Esse é nosso novo sonho”, diz Pavan.
A São Martinho já investiu R$ 60 milhões para operacionalizar sua rede de banda larga privada, arquitetada pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), a mesma que deverá servir de base para suportar o 5G, quando ele for regulamentado. A rede própria fez da São Martinho “operadora de si mesma”, brinca Pavan, que não encontrou operadoras interessadas no projeto de conectividade da companhia nos idos 2014.
Hoje com 18 antenas, 33 estações de rádio que propagam o sinal de internet e quatro centrais de monitoramento das operações, a São Martinho acompanha 2.100 máquinas em 330.000 hectares de suas quatro unidades produtivas. Para cuidar somente da rede, tem quatro profissionais que se revezam em turnos.
Com esse aparato, a empresa projeta que seu custo de produção poderá cair de R$ 2,00 a R$ 3,00 por tonelada de cana colhida, o que, dentro da capacidade de moagem do grupo, de 24 milhões de toneladas, representaria uma economia de até R$ 72 milhões por safra.
Em Pradópolis, por onde começou a implantação do Centro de Operações Agrícolas (COA), o desempenho das 52 colheitadeiras avançou 11% nesta safra, para 1.100 toneladas de cana colhida por dia por máquina, mais que o dobro da média do mercado.
Governo busca soluções para cobrir 196 milhões de hectares
Governo e setor produtivo continuam em busca de alternativas para conectar os 195.7 milhões de hectares que permanecem “off line” no Brasil (área equivalente a sete países da Europa), grande parte nas mãos de produtores familiares que não têm acesso nem à conexão básica, muito menos a ferramentas de agricultura de precisão e internet das coisas.
Nos cálculos do Ministério da Agricultura, é necessário instalar 4.400 antenas país afora para conectar 50% da área rural usando as torres já existentes e o modelo de telefonia móvel por meio de sinal de 4G, 3G e 2G. Para chegar a 75% das propriedades, seria preciso construir 15.100 conjuntos de torres e antenas.
Nesse último cenário, o impacto positivo projetado no Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária em três anos é de quase R$ 80 bilhões, a um custo pouco superior a R$ 7 bilhões.
Para tornar o plano viável, a principal aposta ainda é na aprovação do projeto de lei que permitiria o uso dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para a criação de linhas de crédito para a compra de kits de conectividade no campo.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) diz que a intenção é integrar as pequenas empresas de internet que atuam no interior, com capilaridade para atender os produtores. “São cerca de 13 mil empresas que já estão no negócio. Elas trabalham com dinheiro próprio, imagine com impulso da política pública”.
Segundo Leonardo Euler de Morais, presidente da Anatel, a agência é favorável ao projeto, que depende de aprovação no Senado. O Fust, fruto de 1% da receita operacional bruta das empresas do setor, tem hoje R$ 22.8 bilhões contingenciados. “Na espera pela mudança, a palavra de ordem tem sido transformar contencioso em serviço produtivo”, diz Morais.
Em 2020, a Anatel firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a TIM, no valor de R$ 650 milhões, que levará conexão 4G a mais de 350 municípios do Norte, Nordeste e Norte de Minas Gerais. Com a Vivo, será assinado um TAC de valor semelhante cuja prioridade é a infraestrutura de transporte.
“Porque não adianta também chegar com a torneira, ou seja, a antena, sem o encanamento, que é o “backhaul””, afirma Morais (“backhaul” é a parte de uma rede de telecomunicações que liga o núcleo da rede – “backbone” – e as sub-redes periféricas).
Também sem aval do Congresso para receber o dinheiro que pode bancar um programa nacional de conectividade rural, o Ministério da Agricultura tenta estimular parcerias e desenvolver projetos em quatro “camadas” diferentes para aumentar o nível da conexão no campo, usando estrutura de telefonia, satélite, expansão da fibra óptica e até os chamados espaços brancos das frequências das TVs analógicas, que utilizam antenas de alumínio e repetição do sinal via roteador das casas para levar internet a mais pontos, no caso, da fazenda.
Cléber Soares, diretor de Inovação da Pasta, disse que, embora aparentemente obsoleta, essa tecnologia é ampla e capaz de chegar aos rincões mais afastados.
Joaci Medeiros, coordenador técnico do Instituto CNA, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), reforça que a conectividade tem de ser disponibilizada de diferentes formas. A entidade vai lançar a Plataforma Multi Soluções em Conectividade Rural. A ideia é ter um portfólio nacional com os serviços das principais operadoras e de provedores locais, com preços adequados à realidade dos diferentes produtores.
Fonte: Valor Econômico