Pressão de países parceiros, como o Brasil, pesou na decisão
Numa reviravolta que beneficia o agronegócio brasileiro, a Comissão Europeia postergou a entrada em vigor da Nova Lei Antidesmatamento, ou EUDR, como ficou conhecido o projeto. A nova data, por ora, será 30 de dezembro de 2025, considerando-se as grandes empresas, e 30 de junho de 2026 para as de pequeno e médio porte. Objeto de descontentamento e protestos dentro e fora do continente, a lei exige que uma série de culturas comprove sua procedência de áreas não desmatadas após 2020, independentemente da autorização de órgãos públicos. O novo prazo ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu.
Conforme o Portal SNA abordou em matérias e entrevistas sobre o assunto, a nova gama de exigências afetaria sensivelmente as exportações brasileiras aos países do bloco, acima dos 30%, conforme estudo feito pelo Ministério da Agricultura. Isso equivaleria a quase 15 bilhões de dólares. Por ocasião da Assembleia Geral da ONU, no mês passado, o ministro Fávaro encaminhou carta formal à União Europeia pedindo o adiamento da lei, argumentando que as diretrizes eram desproporcionais quando comparadas às que seriam impostas aos produtores europeus, além de não levarem em conta a legislação brasileira sobre o tema. O chanceler Mauro Vieira endossou o pedido.
De fato, o EUDR era muito criticado também dentro do velho continente, piorando o emaranhado burocrático que as empresas teriam de seguir para comprovar suas boas práticas, além de onerar a cadeia produtiva de pequenos e médios agricultores, que poderiam ver seu sustento ameaçado. As grandes companhias, que inicialmente apoiaram o projeto, ao poucos se deram conta do risco que ele traria, encarecendo alimentos e estimulando uma espécie de mercado paralelo. Alemanha e Itália foram dois dos países mais veementes em seus protestos.
Para o Brasil, o maior impacto se daria nos embarques da soja, que poderiam até ser inviabilizados. Isso porque eventuais não conformidades ou contaminações, ainda que mínimas, resultariam em navios mandados de volta ou multas de até 4% da receita líquida anual das empresas do setor, que em determinados segmentos operam com margem de lucro pequena, apostando no volume vendido para manterem a rentabilidade.
Ironicamente, ONGs ambientais lamentaram o adiamento e exigiram sua implementação imediata, se comportando como porta – vozes de todo um setor produtivo, com pouca ou nenhuma preocupação referente ao impacto no sustento dos milhões de pessoas cujos direitos alegam proteger. Acabam, na prática, fazendo o jogo das autoridades de Bruxelas, que desejam disfarçar seu ímpeto protecionista com verniz de preocupação ecológica.
Alguns setores estão em posição privilegiada quando se trata de embarques para a Europa, como o cafeeiro, que envia quase metade do volume exportado para países do bloco. Mesmo assim, seus representantes também criticam as propostas da EUDR, por entender que a leitura seletiva das leis brasileiras de preservação é um risco desnecessário de se correr. Além disso, países produtores mais vulneráveis podem ser excluídos da cadeia mundial do café, o que é ruim para o segmento, que precisa também cumprir sua função social.
Embora não admita, a Comissão Europeia cedeu à pressão de países parceiros, entre eles o Brasil, onde seus membros buscam insumos das mais variadas finalidades, com destaque para o farelo de soja, essencial na alimentação de rebanhos e produção de proteína animal. O Brasil, com alguns solavancos, poderia sobreviver sem as compras europeias, mas eles não seguiriam adiante sem as commodities nacionais. Isso talvez tenha pesado na hora de voltar atrás, para que a lei seja assimilada tranquilamente, mitigando o risco de quebradeira, disparada de preços e guerras tarifárias.
Um contexto mais amplo do desafio
O episódio envolvendo a nova lei do bloco europeu reflete uma realidade frequentemente abordada pelo Portal SNA, que é a necessária transição para uma economia verde, com baixa emissão de carbono, uso de fontes renováveis de energia e preservação de biomas; no entanto, o setor produtivo agropecuário não pode deixar que grupos militantes sequestrem essa importante pauta e a usem para minar a pujança do setor no Brasil, muitas vezes alinhadas ideologicamente a autoridades que deveriam zelar pela prosperidade econômica do Agro.
Outra preocupação é a adoção de metas irreais e incompatíveis com as práticas dos produtores brasileiros, a exemplo do Plano Clima. Trata-se de uma iniciativa do governo que estabelece estratégias para combater o desmatamento e reduzir emissões, entre outras medidas. Especialistas alertam, no entanto, que antes de tudo, é necessário atualizar o Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa. A versão atual do documento não leva em consideração as comprovadas remoções de carbono feitas por boas práticas como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), Sistema de Plantio Direto, recuperação de pastagens e cultivo de florestas plantadas.
O inventário também falha, segundo os críticos, ao tratar o setor agropecuário exclusivamente como emissor de gases poluentes, como se fosse uma petroleira, quando na verdade o bom trabalho na terra pode sequestrar carbono, compensando assim as medidas e chegando-se a um patamar justo que possa servir de meta para o futuro. Por isso, o empresariado vem buscando ampliar o diálogo com autoridades, sobretudo para que o país aproveite a chance que terá, como anfitrião da COP 30 em 2025, de equilibrar as demandas de sustentabilidade entre todos os países e buscar uma forma padronizada de aferir emissões e outros dados.
Para que isso prospere, é necessário uma atuação em sintonia de setor produtivo, governo e grandes empresas, para que as nuances da agricultura tropical brasileira sejam respeitadas, ao mesmo tempo em que se atualizem os instrumentos formais pelos quais o país se comprometa com metas justas e realizáveis. Nesse debate, todos têm a ganhar.
Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário – (MTb 13.9290) marcelosa@sna.agr.br