Esperada como o grande avanço na relação Brasil-Estados Unidos, a viagem presidencial deixou um gosto de frustração para os negociadores brasileiros, que saíram de Washington com poucos avanços nas áreas comercial e agrícola, de acordo com duas fontes ouvidas pela Reuters.
“Se é para avançar desse jeito, melhor até que fique como está”, disse à Reuters uma das fontes envolvida diretamente na tentativa de abrir o mercado americano para novos produtos agrícolas brasileiros.
O Brasil levou para casa o acordo de salvaguardas para uso da base de Alcântara pelos Estados Unidos e outros na área de segurança pública e inteligência.
No entanto, não conseguiu nada além de promessas vagas nas áreas que demandavam uma solução para a questão da exportação de carne in natura e um apoio sem condições à entrada do país na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo.
Ao final da visita, ao lado de Bolsonaro, Trump manifestou apoio ao pleito brasileiro, mas, na declaração conjunta, o apoio ficou condicionado à saída do Brasil da lista de países com tratamento especial e diferenciado da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mais cedo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia afirmado que o apoio à entrada na OCDE não podia depender de uma troca. “Quem está preocupado com uma parceria estratégica somos nós, não eles. Eles estão preocupados com o varejo”, reclamou um dos negociadores brasileiros.
De acordo com a fonte, a reunião entre Guedes e o representante de comércio norte-americano, Robert Lighthizer, não foi boa e incomodou o ministro brasileiro. O duro discurso feito por Guedes na Câmara de Comércio, na tarde de segunda, foi um reflexo disso.
“Eles pedem tudo, mas não estão dispostos a ceder em nada”, reclamou a fonte. “A questão dessa viagem é a aproximação, que funciona em algumas áreas, mas em outras não.”
No lado agrícola, o Brasil pretendia avançar com mais rapidez na solução para a suspensão da venda de carne in natura do País, que se arrasta há dois anos, na questão da abertura maior para o açúcar brasileiro, no setor de autopeças, entre outros pontos.
“Eles não querem nada que a gente quer. Querem (vender) etanol, mas não querem dar espaço para o nosso açúcar. Nós já entregamos toda a documentação da carne in natura, fizemos tudo que eles pediram. Precisa de um pouco de boa vontade. Mas toda a conversa está muito difícil”, disse a primeira fonte.
A declaração conjunta dos presidentes mostra mais benefícios aos norte-americanos do que ao Brasil, quando se fala de comércio.
O Brasil cedeu, unilateralmente, e vai implementar a cota de importação de trigo sem tarifas de 750.000 toneladas por ano. Apesar de não ser restrita aos EUA, a medida beneficia diretamente o país, que seria hoje um dos únicos a conseguir exportar o suficiente para preenchê-la.
Em troca, o governo Trump faz promessas vagas de acelerar o envio de uma missão ao Brasil para verificar as condições de produção de carne in natura, mas sem uma data nem uma solução em vista.
O governo norte-americano queria ainda uma outra exigência: a promessa do Brasil de abrir para estrangeiros a possibilidade de terras no País, segundo informação de uma fonte. O projeto, que já existe, está parado no Congresso há alguns anos e não tem a simpatia da ala militar do governo.
China
Uma das maiores cobranças do governo norte-americano foi sobre o tamanho do espaço que a China tem no comércio com o Brasil. A resposta, dada por Guedes no discurso na Câmara de Comércio, foi de que o Brasil irá negociar com quem oferecer o melhor negócio, o que incomodou os norte-americanos.
“Eles têm uma visão diferente em relação à China. Acham que estão entrando demais na América do Sul. Mas cabe a eles ajudar a mudar isso”, disse uma das fontes.
Reuters