Brasil e aliança de países atacam plano da UE de barrar commodities ligadas a desmatamento

O Brasil e outros 13 países da América Latina, Ásia e África acusam a União Europeia (UE) de unilateralismo com seu plano de exigir “desmatamento zero” na importação de seis commodities – carne bovina, soja, café, madeira, cacau e óleo de palma, boa parte produzidas no Brasil, portanto.

Esse grupo de países responsáveis por uma parte substancial da produção global desses produtos pede à UE para abrir consultas com eles, a fim de evitar um ambiente de maiores fricções diplomáticas que poderá conduzir à retaliação comercial.

O tema é altamente sensível em nível global. O bloco europeu está na fase final de negociação interna de uma lei para frear a entrada de seis commodities se não puderem ter a comprovação de “livres de desmatamento”. Alega que desmatamento e degradação florestal estão no centro de duas crises planetárias: perda da biodiversidade e mudança climática.

Os europeus vão estabelecer um sistema de “benchmarking” de países. A Comissão Europeia propõe a implementação de um sistema de diligência obrigatória para o conjunto dos operadores e comerciantes que colocam no mercado da UE os produtos listados. Também haverá um ranking sobre o risco do país de origem ou da produção da commodity.

Preocupações

Em carta enviada às principais autoridades europeias, à qual o Valor teve acesso, as representações diplomáticas de Brasil, Argentina, Colômbia, Gana, Guatemala, Indonésia, Costa do Marfim, Nigéria, Paraguai, Peru, Honduras, Malásia, Equador e Bolívia manifestam “sérias preocupações” sobre a proposta de Bruxelas.

Indicam concordar que a luta contra a mudança climática e a conservação e o manejo sustentável das florestas são tarefas urgentes, mas lamentam “que a UE tenha escolhido a opção por uma legislação unilateral em vez de um compromisso internacional para lidar com esses objetivos compartilhados”, como o Acordo do Clima de Paris, ao qual assinaram.

Além disso, pedem para a UE abrir novas negociações com países terceiros antes da aprovação final da legislação proposta. E mencionam mais uma vez algumas preocupações às quais dizem que foi dada pouca consideração.

Críticas

As representações também reclamam que a proposta em discussão entre os 27 países-membros, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu “desconsidera as condições locais e legislações nacionais dos países em desenvolvimento, seus esforços para combater o desmatamento e, lembrando o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, também o papel histórico dos estados-membros da UE nas atividades de desmatamento e na mudança climática”.

O Brasil e os outros 13 grandes produtores agrícolas em desenvolvimento acusam a UE de delinear critérios de avaliação do País e o sistema de “benchmarking” que “são inerentemente discriminatórios e punitivos por natureza”.

Alertam que “seu efeito mais provável será gerar distorções comerciais e tensões diplomáticas, sem beneficiar o meio ambiente”, numa sinalização clara de que poderá haver retaliação se seus produtos forem bloqueados no mercado europeu.

Reclamam também que a proposta em discussão impõe “controles adicionais, implica em riscos de reputação para as empresas e é provável que penalize os produtores de países em desenvolvimento, especialmente os pequenos agricultores e as pequenas e médias empresas”.

Abordagem

“Estamos igualmente preocupados com a abordagem da UE em relação a vários elementos da regulamentação proposta, tais como a natureza incerta e discriminatória do escopo dos produtos; definições que não são acordadas multilateralmente; data-limite retroativa (para aplicação das medidas), mecanismo oneroso de “due diligence” e critérios subjetivos de avaliação de risco; período de rastreabilidade dispendioso, que poderia aumentar os custos e ter consequências sociais e econômicas negativas para os países em desenvolvimento.”

Medidas inadequadas

Mais uma vez num duro alerta aos europeus, o Brasil e os outros produtores insistem que “restrições comerciais e as ameaças de tais restrições não podem ser um meio preferencial para atingir fins ambientais”.

Indicam que as medidas são inadequadas para lidar com as preocupações ambientais e só irão resultar numa “espiral descendente de distorções comerciais, redução de oportunidades comerciais e aumento da pobreza, com efeitos limitados, se não negativos, para a conservação das florestas”.

Esses países indicam estar participando da construção de uma nova ordem internacional ambiental e acreditam que isso passa pelo livre comércio em vez de dificultar a promoção de objetivos de desenvolvimento sustentáveis.

Na carta, os produtores agrícolas da aliança de países em desenvolvimento pedem para que, mais uma vez, sejam  realmente ouvidos pela UE.

Cenário

Já em Bruxelas o sentimento é de que as autoridades europeias não têm muita margem de manobra diante da pressão da opinião pública para proteger as florestas. E governos como o do Brasil com Jair Bolsonaro perderam a credibilidade com anúncios de proteção ambiental que não se concretizarão.

Além de seis commodities (carne bovina, soja, café, madeira, cacau e óleo de palma), alguns produtos derivados como couro, chocolate e móveis estão no alvo europeu.

Recentemente, o Brasil já tinha acusado a UE de ter plano de “estabelecer um obstáculo ilegítimo ao comércio internacional, de natureza fortemente discriminatória, com pouco ou nenhum impacto sobre seu suposto objetivo de reduzir o desmatamento e a degradação florestal”.

Fonte: Valor
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