Aposta no etanol

A transição para fontes de energias renováveis não deve ficar apenas no discurso da gigante petroleira britânica BP, que ficou marcada no início da década pela explosão de uma plataforma no golfo do México. Embora o lucro da multinacional, que atingiu o recorde de US$ 12.8 bilhões no ano passado, ainda seja impulsionado pela produção de óleo de xisto nos EUA, a companhia quer ser uma referência em eficiência energética, frente na qual a produção de etanol no Brasil tende a ser cada vez mais importante.

Em entrevista ao Valor, o principal executivo da BP no Brasil, Mario Lindenhayn, afirmou que a empresa está se preparando para sair em primeira posição quando for dada a largada da Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio. O programa, que entra em vigor em 2020, poderá ser uma relevante fonte de renda para as usinas sucroalcooleiras do país, com a venda de créditos de carbono às distribuidoras de combustíveis.

“Estamos preparando nossas três usinas para participar do programa”, disse Lindenhayn. A BP possui três usinas, duas em Goiás e uma em Minas Gerais, com potencial de processar 10 milhões de toneladas de cana por safra, o que a coloca em uma posição mediana no setor.

O maior grupo sucroalcooleiro do Brasil é a Raízen Energia, joint venture entre Cosan e Shell, que possui capacidade para moer 73 milhões de toneladas por safra. A BP não divulga o faturamento do negócio de etanol no Brasil, mas a área é pequena. Em 2018, petróleo e derivados responderam por mais de 90% do faturamento global de US$ 299 bilhões da companhia.

As usinas da BP em Itumbiara (GO) e Ituiutaba (MG) têm, junto ao Conselho de Recursos do Ar da Califórnia (CARB), a menor intensidade de carbono registrada dentre todas as usinas brasileiras cadastradas no programa californiano. “Nossa expectativa é também ter uma das menores intensidades de carbono no RenovaBio”, afirmou Lindenhayn.

Segundo ele, a BP quer obter a certificação de intensidade de carbono de suas três unidades até o fim deste ano, para que, em janeiro de 2020 – o primeiro ano de validade do RenovaBio, já comece a vender os créditos de descarbonização (CBios).

De acordo com Lindenhayn, a companhia ainda não tem investimentos em curso para buscar uma melhora da intensidade de carbono porque ainda precisa avaliar quais medidas podem ter maior impacto na redução da “pegada de carbono” da produção. “Mas certamente vamos buscar mais eficiência”, disse ele.

Alguns passos para aumentar a eficiência já estão sendo realizados, mas concentrados nas atividades cotidianas. Nos canaviais, a BP começou a adotar, nos últimos dois anos, tecnologias digitais que incluem o controle e gestão em tempo real por satélite de todas as atividades agrícolas, além de automação das máquinas. Em cinco meses, a companhia reduziu sua necessidade de colhedoras em 20%. O investimento na área agrícola ainda deve se estender por mais três anos.

No momento, porém, o foco da operação sucroalcooleira da BP no Brasil é o crescimento “vertical”, indicou Lindenhayn. Na prática, as usinas ainda estão operando abaixo da capacidade. Para o executivo, a empresa ainda precisa avançar em produtividade nas lavouras de cana. Ele afirmou ter ainda “um longo caminho a percorrer” para melhorar “custeio e performance”.

Diante dessas necessidades mais básicas para melhorar a rentabilidade do negócio sucroalcooleiro, a BP ainda não vislumbra investimentos de grande porte para reduzir a intensidade de carbono de suas usinas. “Existem muitas ideias e desenvolvimentos acontecendo, por exemplo, com cana e energia, mas que ainda não estão com rentabilidade adequada provada”, observou Lindenhayn.

“No momento certo, se (essas ideias) se provarem rentáveis, podemos fazer o investimento”. Porém, se iniciativas como essa tiverem impacto significativo no aumento da capacidade de emissão de CBios, “podem passar na frente da fila”, admitiu o executivo.

O impulso que o RenovaBio pode dar ao mercado doméstico de etanol também é visto pela BP como oportunidade para atuar em outra frente: na logística do combustível.

Depois de fechar parceria com a Coopersucar em 2017 para operar o Terminal de Comercialização de Etanol, em Paulínia (SP), a companhia está “atenta a outras oportunidades” na área, sobretudo na região Sudeste, maior polo consumidor, e na ligação com os portos. “Se conseguirmos combinar grandes centros de consumo com logística e conectividade com os portos, é um espaço onde queremos estar presentes”, afirmou Lindenhayn.

Segundo o executivo, o objetivo da BP em logística não é ter uma atuação isolada, mas “a serviço do braço comercial de etanol” da companhia.

Atualmente, a empresa vende não apenas o etanol que produz em suas três usinas como também comercializa volumes de terceiros que superam sua fabricação própria em 30%. Para isso, a BP transforma o etanol hidratado comprado de outras usinas no país em etanol anidro (usado para ser adicionado à gasolina), e revende o biocombustível tanto no exterior como internamente.

Em relação às perspectivas para a próxima safra brasileira de cana-de-açúcar, que começa oficialmente em 1º de abril, Lindenhayn acredita em recuperação.

No atual ciclo (2018/19), o clima adverso afetou a produção de cana, o que também ajuda a explicar o fato de as unidades da BP terem processado menos matéria-prima que a capacidade total. Para a temporada 2019/20, o executivo acredita que a moagem pode atingir a capacidade máxima da BP, o que deve representar uma produção de 750 milhões de litros de etanol, 400 mil toneladas de açúcar e a geração de 950 megawatts-hora (MWh) a partir do bagaço de cana.

BR, Raízen e Ipiranga concentram demanda

Cerca de dois terços da meta nacional de redução de emissão de gases do efeito estufa prevista na Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que entra oficialmente em vigor em 2020, deverá ser cumprida pelas três maiores distribuidoras de combustíveis do país: BR (Petrobras), Raízen (Cosan e Shell) e Ipiranga (Grupo Ultra).

Na prática, as três distribuidoras deverão concentrar a demanda pelos créditos de carbono que serão vendidos pelos produtores de biocombustíveis como etanol e biodiesel.

Se a meta de redução de emissões do RenovaBio já estivesse em vigor, BR, Raízen e Ipiranga seriam, juntas, responsáveis por 65% da meta de redução para 2019 de 16.8 milhões de toneladas de gás carbônico. Em volume, isso significa que essas empresas teriam de reduzir as emissões em 10.9 milhões de toneladas.

Os volumes foram estimados, a pedido do Valor, pela consultoria Green Domus, uma das empresas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para realizar a atribuição da nota de eficiência dos produtores de biocombustíveis que quiserem participar do RenovaBio.

O cálculo da consultoria foi feito com base na participação de mercado das distribuidoras nas vendas de combustíveis fósseis (gasolina e diesel) em 2018, a partir de dados divulgados em fevereiro pela ANP.

Pela estimativa da Green Domus, a BR ficaria responsável por 25,2% da meta do país de 2019, o equivalente a uma redução de emissões de 4.2 milhões de toneladas de carbono. Em segundo lugar ficaria a Raízen, respondendo por 20,3% da meta nacional, com 3.4 milhões de toneladas de carbono evitadas. O terceiro lugar seria ocupado pela Ipiranga, que seria responsável pela redução de 19,9% da meta ou 3.3 milhões de toneladas de carbono.

Procurada pela reportagem, a Raízen informou que “estará preparada para atender aos requisitos” do RenovaBio. As demais distribuidoras não responderam.

A determinação das metas individuais é uma atribuição da ANP e terá de ser realizada até 1º de julho deste ano, como prevê resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de 2018.

Ainda que seja pro forma, já que não há obrigatoriedade de redução das emissões em 2019, a meta deste ano é passível de ajustes, já que ainda estão sendo feitos cálculos para avaliar se a intensidade de carbono da matriz de combustíveis de 2018 foi a projetada. Segundo Miguel Ivan Lacerda, diretor do departamento de biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), os cálculos ainda estão em andamento.

Na resolução, o CNPE estimava que os combustíveis teriam uma “pegada de carbono” de 73,55 gramas de gás carbônico por megajoule de energia gerada em 2018. Para 2019, a meta é reduzir essa intensidade de carbono em 1%. Segundo Lacerda, o MME terá até o fim deste ano para definir a meta de 2029 (o programa RenovaBio prevê metas decenais). “Todo ano teremos de incluir meta para daqui a dez anos”, disse.

 

Valor Econômico

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