A nova proposta agrícola da União Europeia ao Mercosul, que inclui cotas para acesso ao mercado comunitário sem a cobrança de tarifas de importação, foi tão delicada do ponto de vista político que envolveu consultas diretas a duas das mais importantes lideranças do bloco.
Os negociadores de Bruxelas só colocaram a oferta na mesa por volta do meio-dia de ontem, após consultas diretas ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e da França, Emmanuel Macron, conforme apurou o Valor com fontes bastante próximas às discussões.
A formalização da proposta evita um impasse maior na rodada de negociações que ocorre em Brasília, até sexta-feira, mas ainda não parece suficiente para garantir um desfecho positivo. Representantes do Mercosul evitam fazer uma análise sobre a oferta e ainda ressaltam a baixa ambição dos europeus com o acordo.
Por ano, as cotas sugeridas são de 600 mil toneladas para etanol e 70 mil toneladas para carne bovina provenientes de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Trata-se de volumes inferiores aos apresentados pela UE em 2004, quando os dois blocos estiveram perto de um tratado de livre comércio.
Agora, um dilema começa a surgir nas entidades empresariais e já reverbera no governo: levar adiante uma negociação que dificilmente contemplará grandes níveis de liberalização comercial ou encerrar o diálogo.
Apesar das dificuldades levantadas pela UE, que entregou uma oferta muito abaixo das pretensões do Mercosul, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) acredita que a continuidade das negociações é a atitude mais recomendável. Para o diretor de desenvolvimento industrial da entidade, Carlos Abijaodi, ainda é factível obter melhorias na oferta europeia na reta final das discussões. “O acordo é muito importante de sair”, disse.
Em um almoço na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), com negociadores do Mercosul e da UE, vários representantes do setor privado chegaram a uma avaliação parecida: se as tentativas de um acordo forem sepultadas neste momento, os europeus dificilmente voltarão à mesa de negociações nos próximos anos.
Enquanto isso, o temor é de perda de mercado e do avanço de outros parceiros na UE, que tem diversas frentes de discussões. Bruxelas anunciou recentemente o fechamento de acordos com o Canadá e com o Japão. Além disso, negocia a revisão do tratado de livre comércio com o México e mantém diálogo com a Austrália e a Nova Zelândia. Um acordo transatlântico, com os Estados Unidos, foi engavetado após a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Mas pode voltar à cena em uma eventual volta dos democratas ao poder nos EUA.
Uma possibilidade a ser apreciada pelos negociadores sul-americanos é “desidratar” também a oferta do Mercosul. A UE tem inúmeros pleitos de abertura, que vão do setor de serviços (advocacia e construção), até compras públicas. Também são demandantes em propriedade intelectual e indicações geográficas.
Enquanto isso, a oferta agrícola da UE é crucial para algum sucesso das negociações com o Mercosul, cujas autoridades não aceitam conversar em outros termos a não ser em cotas anuais de 150 mil toneladas para a carne bovina, 600 mil toneladas apenas para o etanol usado como combustível, e livre comércio para o etanol industrial, segundo explica fonte ligada às negociações.
Ontem, no segundo dia da nova rodada em Brasília, entidades de classe do agronegócio brasileiro consideraram que as cotas divulgadas informalmente até agora para os dois produtos produzidos pelos sul americanos são “pífias”. E pretendem cobrar um avanço nesses valores, em almoço hoje com negociadores dos dois blocos, oferecido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
“A oferta agrícola da UE tem de melhorar. Não faz sentido ter um acordo que está sendo negociado há 17 anos com uma oferta agrícola pífia”, disse Lígia Dutra, superintendente de Relações Internacionais da CNA.
Fonte: Valor Econômico