Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), divulgado na semana do Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, afirma que há água suficiente no planeta para suprir as necessidades de crescimento do consumo, “mas não sem uma mudança dramática no uso, gerenciamento e compartilhamento”.
Para o organismo internacional, a crise global de água é de governança, que ultrapassa a questão da disponibilidade deste recurso natural, até porque “um padrão de consumo mundial sustentável ainda está distante”.
Segundo a Unesco, nas últimas décadas, o consumo de água aumentou 200% mais do que a população e a estimativa é que a demanda cresça ainda 55% até 2050. Se forem mantidos os mesmos padrões atuais de consumo, o mundo enfrentará um déficit no abastecimento de água de 40%, em 2030. As informações constam no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 – Água para um Mundo Sustentável.
Diferentemente da visão equivocada que diversos setores da sociedade, principalmente os ambientalistas, têm em relação à agricultura brasileira, apontando-a como a maior vilã do consumo de água no País, o relatório da Unesco mostra que vários fatores contribuem para a falta de água, além das práticas agrícolas inadequadas, entre eles, a intensa urbanização e a poluição.
Para o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Pará (Faepa), Carlos Fernandes Xavier, “somos possuidores de uma floresta de dimensões continentais (com quase 76% de preservação), de 3,2% das reservas de água doce do planeta e das maiores reservas de recursos minerais do mundo”.
“Entendo que as afirmações, que apontam a agropecuária como sendo a grande vilã do consumo de água, são frutos do desconhecimento de algumas pessoas, pois ao lidar com a natureza, o produtor rural valoriza a maior forma de utilização da terra, tanto na água quanto no solo. Hoje, as soluções tecnológicas permitem, ao setor produtivo, inovar, melhorar, modernizar e trabalhar o campo para garantir a manutenção, conservação e perpetuação dos recursos naturais”, ressalta Xavier.
Coordenadora de Meio Ambiente da Federação de Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), Ana Paula Mello destaca que a produção rural é 100% dependente de água, seja ela da chuva ou captada em um corpo hídrico superficial ou subterrâneo.
“Em momentos de crise, o mais fácil é um apontar o dedo para o outro. O difícil é buscar convergências, assumir que existe a necessidade de mudanças e abraçá-las como oportunidades de melhorias, em todos os setores. A grande questão é que a água disponível para captação precisa servir a usos múltiplos, inclusive ecológicos, e a pressão sobre esse recurso natural vem aumentando”.
Para Ana Paula, “é preciso produzir alimentos, bens e energia com eficiência para atender às necessidades e anseios da população, que não só cresce, mas altera seu modo de consumo, e também é preciso ter água para abastecimento humano, que por lei é um dos usos prioritários”.
“Existem práticas e tecnologias disponíveis, cuja disseminação e correta aplicação permitem grandes ganhos ambientais, especialmente se for considerada a bacia hidrográfica como unidade de planejamento.”
LIMITAÇÕES
A coordenadora da Faemg ressalta que há uma limitação física para o uso da água, que é a bacia hidrográfica ou os aquíferos, no caso da água subterrânea, o que implica em determinada quantidade de água disponível.
“Essa água é requisitada pelo ser humano e suas atividades com uma qualidade e quantidade específica, em período e local determinados, ou seja, a gestão da água vai muito além deapenas quantidade. Nas cidades, por exemplo, onde há grande concentração de população dentro de bacias limitadas, há ainda grande produção de esgoto, a ser diluído nessas mesmas bacias”.
De acordo com ela, o esgoto precisa ser coletado, tratado e lançado de forma a não alterar a qualidade do rio. “Mas a realidade é que a coleta ocorre em alto percentual, mas o tratamento não é feito, de forma que o esgoto é concentrado em grande quantidade e lançado no rio. Disso decorrem também problemas de saúde pública, por causa de doenças de veiculação hídrica”.
Já no meio rural, ressalta Ana Paula, é preciso ampliar as práticas conservacionistas do solo e da água, e seu uso racional, “ou seja, há o que ser feito, sim”. “Mas não é só pelo produtor rural. A cidade tem grande responsabilidade, afinal 80% da população vive lá e depende da água produzida no meio rural, às custas do produtor. As cidades também têm grande potencial para captação de água da chuva, mas não se vê discussões ou ações nesse sentido. É preciso estudar os fatos e os diferentes contextos, e não cair na tentação de replicar acusações sem o devido conhecimento.”
FALTA DE INFRAESTRUTURA
“A água é um elemento primordial para a produção agropecuária, por isso o produtor rural tem uma preocupação muito grande com a água e busca constantemente novas tecnologias para sua utilização de forma equilibrada e sustentável. Sem água não existe agricultura e nem pecuária”, afirma o diretor de Relações Institucionais da Federação de Agricultura do Estado de Mato Grosso (Famato), Rogério Romanini.
Ele lembra que a crise hídrica no Brasil foi evidenciada com o exemplo de São Paulo, que no ano passado e no início de 2015 passou por uma crise acentuada de falta de água.
“O Brasil se familiarizou com o Sistema Cantareira, que abastece aquele município e que esteve na mídia nos últimos meses. Mas, segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), não houve falta de chuva em São Paulo nos últimos anos. Recentemente, uma matéria circulou na mídia mostrando que a chuva de Verão em São Paulo, em 2014/2015, foi 24% maior do que os últimos 15 anos.”
Segundo Romanini, os dados mostram que o maior problema do Sistema Cantareira não é a falta de chuva, mas sim a falta de infraestrutura de armazenamento e tratamento da água. “O consumo de água na cidade de São Paulo vem crescendo ano a ano, pois a população aumenta e, consequentemente, o consumo de produtos alimentícios e industrializados também. Em todos estes produtos existe água no processo de fabricação, produção e industrialização”.
Para o diretor da Famato, diante dos pontos expostos, o que tem de ser esclarecido é que não existe vilão nesta situação. “Na realidade, o que está ocorrendo é que, como consumidores, estamos cada vez mais consumindo água nos produtos que utilizamos. Segundo a própria FAO/ONU, os consumidores ingerem água em produtos da alimentação, nos produtos da indústria e como consumidores domésticos. Este é o pilar de sustentação da crise hídrica: o aumento no consumo. Se diminuirmos o consumo, diminuiremos a utilização da água, quer seja na agricultura, na indústria ou no uso doméstico.”
Na opinião de Romanini, “neste momento o que se faz necessário é melhorar a utilização da água disponível no planeta, sem desperdícios, com reaproveitamento e com um trabalho muito intenso de descontaminação dos rios, que recebem grandes descargas de esgotos e resíduos nos principais centros urbanos do País”.
TECNOLOGIA DE PONTA
“Em tempos de crise hídrica, todos devemos repensar a forma que estamos utilizando esse recurso tão valioso. O setor agropecuário utiliza esse recurso em seu processo produtivo, sempre da forma mais racional possível. Quando voltamos nossos olhos para a irrigação, temos o exemplo de uma tecnologia de ponta, pela qual o produtor, mais do que ninguém, faz uso consciente da água devido ao elevado valor da energia elétrica, necessária para a aplicação da água sobre as culturas”, salienta Jordana Sara, consultora técnica do Senar Goiás (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) para a área de Meio Ambiente.
De acordo com ela, estudos apontam que a melhor forma de reabastecer os lençóis freáticos é promovendo a infiltração da água no solo, assim como é feito na irrigação, pois muitas técnicas de conservação de solo são velhas conhecidas do setor agropecuário.
“São técnicas essas como o terraceamento, plantio em curva de nível, plantio direto, barraginhas para retirada de água das estradas rurais, entre diversas outras técnicas adotadas no campo. Diversos estudos já mostram que a retenção de água das chuvas para utilização nas épocas de escassez é a melhor alternativa, dessa forma precisamos de regulamentação para que isso possa ser feito no campo de forma adequada e justa para todos.”
Na opinião da consultora do Senar Goiás, o setor agropecuário é visto como grande vilão por uma falta de análise críticas das informações que são apresentadas. “Quando falamos em consumo já nos deparamos com o primeiro erro, porque o nosso setor utiliza a água no processo produtivo e devolve esse recurso para o ciclo dos recursos hídricos na forma mais pura. A água que aplicamos na irrigação, por exemplo, a maior parte infiltra no solo, reabastecendo os lençóis freáticos e nascentes.”
Ela continua: “Outra porção (de água) evapora e retorna na forma de chuva e uma pequena parte é absorvida pela planta. Ou seja, nosso setor (agropecuário) é o único capaz de ofertar água para todos os outros usos, inclusive o nosso, e também é o único que devolve a água filtrada e pura para os cursos d’água, enquanto as cidade captam essa água pura e devolvem esgoto aos nossos cursos d’água”.
Por equipe SNA/RJ
