A agricultura regenerativa surge como solução sustentável, mas suas práticas já são adotadas e desenvolvidas no Brasil há anos.

A Agricultura Regenerativa tem ganhado espaço nas discussões sobre sustentabilidade, mas ainda gera debates. Para alguns, o conceito reembala práticas já consolidadas, como a agricultura conservacionista e sustentável, que incluem preservação do solo e manejo eficiente dos recursos naturais. Já os defensores deste termo destacam que esse modelo vai além, priorizando a regeneração dos ecossistemas produtivos por meio da recuperação do solo, aumento da biodiversidade, captura de carbono e otimização do uso da água, sem comprometer a viabilidade econômica das propriedades. No Brasil, sua adoção cresce, mas a falta de uma definição única dificulta a implementação e mensuração de seus impactos.
Segundo Gheler-Costa et al. (2023), há duas abordagens para a definição de Agricultura Regenerativa: baseada em processos e orientada por resultados. A primeira enfatiza técnicas agrícolas específicas, como rotação de culturas e manejo integrado do solo, enquanto a segunda foca nos impactos gerados, como sequestro de carbono e aumento da biodiversidade. Ambas se complementam e ajudam a superar os desafios de definição e aplicação desse conceito.
A abordagem de processos foca em práticas agrícolas sustentáveis, como rotação de culturas, cobertura vegetal, manejo de nutrientes e conservação do solo, fundamentais para a regeneração dos ecossistemas. No entanto, por se basear em técnicas já existentes, pode limitar a adoção de novas tecnologias ou adaptações regionais. Por isso, o monitoramento contínuo é essencial para incorporar inovações e aprimorar os resultados da agricultura regenerativa.
As práticas da Agricultura Regenerativa estruturam-se em quatro eixos principais (Imagem 1): (i) Agricultura de Conservação, que protege o solo por meio de técnicas como plantio direto, rotação de culturas e manejo integrado de nutrientes, entre outras estratégias de conservação; (ii) Integração de culturas e árvores com a pecuária, que otimiza o uso da terra ao combinar diferentes sistemas produtivos, como manejo de pastagens, agrossilvicultura e sistemas silvipastoris; (iii) Restauração da saúde do solo, voltada à recuperação ambiental, com práticas como neutralidade da degradação do solo (LDN), arborização de áreas degradadas e restauração de zonas úmidas, essenciais para a regeneração dos ecossistemas; e (iv) Absorção de carbono da biosfera terrestre, que reduz emissões por meio do sequestro de carbono no solo (orgânico e inorgânico) e pela biomassa, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
Figura 1 – Práticas agropecuárias previstas na agricultura regenerativa
Fonte: GHELER-COSTA et al., (2023) apud Lal (2020)
O Brasil já adota diversas práticas associadas à agricultura regenerativa, como plantio direto, controle biológico e cultura de cobertura, amplamente utilizadas no setor agropecuário. Segundo a McKinsey (2022), que entrevistou 2.000 produtores rurais, o plantio direto é aplicado por mais de 80% dos agricultores, enquanto cerca de 60% adotam cultura de cobertura e controle biológico. No entanto, práticas que exigem maior investimento, como irrigação, ainda têm baixa adesão. A pesquisa indica também que a redução de custos e o aumento da produtividade são os principais fatores que impulsionam a adoção dessas práticas, reforçando a necessidade de incentivos financeiros e políticas de apoio para expandir a transição para a agricultura regenerativa.
A definição de Agricultura Regenerativa pela abordagem orientada por resultados concentra-se nos impactos obtidos pelas práticas agrícolas, avaliando os benefícios ecossistêmicos e socioeconômicos gerados. Essa perspectiva prioriza métricas mensuráveis, como sequestro de carbono, aumento da biodiversidade, melhoria da qualidade do solo e retenção hídrica. A principal vantagem dessa abordagem é sua flexibilidade, permitindo que novas práticas sejam incluídas conforme evoluem as tecnologias e o conhecimento sobre sustentabilidade agrícola. Contudo, ela depende do desenvolvimento de indicadores robustos e métodos padronizados para monitorar e certificar os impactos desejados, o que exige esforços técnicos e financeiros significativos (GHELER-COSTA et al., 2023).
A diversidade de climas e sistemas produtivos no Brasil dificulta a criação de métricas padronizadas para a agricultura regenerativa, especialmente pela falta de infraestrutura e conhecimento técnico em algumas regiões. Indicadores simples, acessíveis e cientificamente confiáveis são essenciais para medir seus impactos e ampliar o acesso a financiamentos. Além disso, a cooperação entre governo e setor produtivo é fundamental para desenvolver essas métricas e garantir um modelo sustentável e economicamente viável. Investimentos em pesquisa e inovação também são cruciais para fortalecer a transparência do mercado e a competitividade do Brasil em cadeias produtivas que exigem comprovação de sustentabilidade (GHELER-COSTA et al., 2023).
A adoção da agricultura regenerativa deve ser financeiramente atrativa para garantir sua expansão, oferecendo ganhos como aumento da produtividade e acesso a mercados diferenciados. Nesse sentido, programas como o Plano ABC, ABC+ e RenovAgro têm sido fundamentais no financiamento da transição para práticas regenerativas. Entre 2010 e 2020, o Plano ABC superou suas metas, recuperando 26,8 milhões de hectares de pastagens degradadas (179% da meta) e implementando 10,76 milhões de hectares em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (269% da meta), resultando na mitigação de mais de 193 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (BRASIL, 2023).
A experiência brasileira mostra que, além do financiamento público, há espaço para a iniciativa privada ser incentivada por mecanismos como o Blended Finance, que combina recursos públicos e privados para mitigar riscos e ampliar investimentos. Esse modelo permite que capital privado seja direcionado a projetos de maior impacto socioambiental, potencializando os esforços para uma agropecuária mais regenerativa e inclusiva.
Além dos aspectos econômicos e financeiros, um ponto-chave da agricultura regenerativa é a resiliência climática. A capacidade de adaptação dos sistemas produtivos às mudanças no clima deve estar entre os resultados esperados desse modelo. Práticas regenerativas, como a diversificação de culturas, o manejo integrado do solo e a restauração da biodiversidade, não apenas promovem a regeneração dos ecossistemas, mas também aumentam a capacidade das lavouras e pastagens de suportar eventos climáticos extremos, como secas e chuvas intensas. Dessa forma, a adoção dessas práticas se torna um mecanismo essencial para garantir a estabilidade da produção agrícola a longo prazo e minimizar os impactos adversos das mudanças climáticas sobre a segurança alimentar.
A Agricultura Regenerativa tem se consolidado como um modelo essencial para a agropecuária sustentável, unindo produtividade, conservação ambiental e adaptação climática. Embora muitas de suas práticas já sejam adotadas, seu diferencial está na abordagem sistêmica, que busca restaurar ecossistemas produtivos, e não apenas mitigar impactos negativos. No Brasil, esse modelo ganha relevância diante da necessidade de equilibrar expansão agrícola e preservação dos recursos naturais. Para que essa transformação ocorra em larga escala, é fundamental superar desafios como a padronização de definições, desenvolvimento de métricas confiáveis e incentivos financeiros. A viabilidade desse modelo dependerá da integração entre inovação, conhecimento técnico e políticas públicas eficazes, permitindo que a agricultura regenerativa fortaleça a resiliência climática e posicione o Brasil como referência global em produção sustentável.
Referências e leituras recomendadas
BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Plano ABC: dez anos de sucesso e uma nova forma sustentável de produção agropecuária. Brasília: MAPA/SDI, 2023. ISBN 978-85-7991-215-3.
BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES). Circular SUP/ADIG nº 53/2024-BNDES – RenovAgro: Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis – Ano Agrícola 2024/2025. Rio de Janeiro, 2024.
GHELER-COSTA, C.; LOPES, J.; CRUZ, G. M. da. Agricultura regenerativa no Brasil: desafios e oportunidades.
LAL, R. Regenerative agriculture for food and climate. Journal of Soil and Water Conservation, v. 75, n. 5, p. 123A–124A, 2020.
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Fonte: Gabriela Mota da Cruz | Victor Martins Cardoso