Reginaldo Minaré*
No dia 31 de outubro, os produtores rurais foram surpreendidos com a divulgação de um “estudo” realizado pelo Greenpeace. A ONG informou que adquiriu produtos agrícolas em Brasília – DF e São Paulo – SP e enviou para exame laboratorial. O resultado foi divulgado com uma linguagem sensacionalista, afirmando que os brasileiros têm uma dieta rica em agrotóxicos.
A primeira dúvida sobre o trabalho do Greenpeace diz respeito à metodologia utilizada, inclusive para atestar a idoneidade do “estudo” feito. Quem comprou os produtos agrícolas? Quem acompanhou o procedimento entre a compra e a análise laboratorial para garantir que nada foi adulterado nessa trajetória?
Afinal, uma ONG não é órgão oficial. Por mais que seja uma conhecida multinacional do ativismo, não dá para pretender conferir credibilidade a um “estudo” por meio do jargão popular “la garantía soy yo”. Especialmente quando o resultado do estudo é absolutamente simpático à causa da campanha que a própria ONG coordena.
Superada essa dúvida que é crucial para o reconhecimento da validade do “estudo”, resta ainda uma série de inconsistências no material de propaganda de divulgação do resultado.
O Greenpeace informou que os alimentos adquiridos foram divididos em 50 amostras diferentes, e dessas 18 continham alguma irregularidade. A ONG, na divulgação do “estudo”, extrapola os 36% de irregularidades que afirmou ter encontrado nas 50 amostras e deixa entender que 36% dos alimentos brasileiros estão contaminados. Esse “estudo” não tem escala que suporte esse tipo de indução.
Nesse pequeno trabalho que o Greenpeace realizou, em nenhum momento é encontrada uma análise qualitativa dos resultados. Por exemplo: essas irregularidades que dizem ter sido encontradas são irregularidades formais ou representam de fato algum risco para o consumidor? Para fins de segurança alimentar, é fundamental que se responda essa questão antes de destruir a imagem da produção agrícola de um país. A irresponsabilidade na divulgação de informações com conotações catastróficas é admirável.
Outro ponto sensacionalista que está no material de propaganda da ONG, é o mito de que a agricultura brasileira é a que mais utiliza agrotóxicos no mundo. O Greenpeace fala de uso de 16 quilos de agrotóxicos por hectare no Brasil. Todavia, de acordo com dados da agência ambiental dos EUA, que inclusive são utilizados pelo sindicato das indústrias de agrotóxicos, o uso no Brasil é de 4,2 quilos por hectare. Na Holanda, são 20,8 quilos por hectare; no Japão 17,5; na Bélgica 12,0; na França 6,0 e na Inglaterra 7,8; Alemanha 4,0 e nos USA 3,4.
Cabe ainda observar que os países utilizados acima na comparação não praticam agricultura tropical, estão localizados no hemisfério norte e contam com inverno rigoroso que ajuda no controle das pragas.
Pode até ser que o Brasil seja o maior mercado de agrotóxicos em valor, mas não em uso por hectare. Aqui esses produtos são caros e representam um grande impacto na planilha de custo de produção dos agricultores, um motivo determinante para a utilização com economia, com moderação.
Outro argumento fanfarrão é o de que cada brasileiro consome seis quilos de agrotóxicos por ano. Agrotóxico é um produto feito para ser utilizado em campos de golfe, jardins, matar mosquitos e baratas nas residências, em lavouras que produzem alimentos e em outras que não, como as florestas de eucaliptos, pinus, algodão e cana destinada à produção de álcool. Dizer que cada brasileiro consome seis litros de agrotóxicos por ano é uma mentira, um embuste.
A produção agropecuária brasileira é robusta e de excelente qualidade. Os agricultores brasileiros utilizam defensivos agrícolas com parcimônia como aos demais agricultores do mundo. Evidente que, como em qualquer outro país, alguma irregularidade no processo produtivo pode ocorrer, e os responsáveis devem ser sim identificados e penalizados. Todavia, pretender generalizar o resultado negativo colhido em 36% de 50 amostras em um país com produção que alimenta mais de 200 milhões de pessoas diariamente e ainda exporta, flerta com o terrorismo comercial.
A agricultura já é um patrimônio nacional, e é um dos poucos itens que podemos colocar na cesta de soft power brasileiro. Por isso, muito admira o fato do governo federal ser excessivamente tolerante com a atuação de ONG que mantém campanha permanente contra o uso de agrotóxico, utilizando métodos rasteiros como o que foi utilizado para divulgar resultados de um “estudo” que tem, na origem, credibilidade duvidosa.
Considerando o bilionário mercado de alimentos mundial, e a capacidade que o Brasil tem para produzir e competir, não dá para consentir de forma ingênua uma ação dessa natureza, que tem como maior objetivo prejudicar a imagem da agricultura brasileira.
Esperamos que a Anvisa e o Ministério da Agricultura pronunciem a respeito e façam uma auditoria criteriosa na metodologia utilizada na pesquisa levada a cabo pelo Greenpeace, bem como uma análise qualitativa dos resultados obtidos pelo “estudo”.
O Brasil é um país de tradição agrícola, e até que a ciência desenvolva método que permita o cultivo seguro sem defensivos agrícolas, os agricultores continuarão utilizando com responsabilidade os insumos necessários à produção agropecuária.
*Reginaldo Minaré é consultor da área de tecnologia da CNA
Fonte: Notícias Agrícolas