Segundo maior polo produtor de etanol do mundo, o Centro-Sul do Brasil novamente começou a importar o produto dos Estados Unidos no mês de outubro e as compras tendem a aumentar ao longo da entressafra, após um ciclo em que as usinas deram ênfase à fabricação de açúcar em detrimento do biocombustível.
Analistas consultados pelo Valor acreditam que os Estados da região poderão importar até 400 milhões de litros de anidro (próprio para ser misturado à gasolina) entre este mês de novembro e março do ano que vem, quando termina oficialmente a atual safra brasileira de cana (2016/17). Embora seja mais que a média, o volume é pequeno frente ao consumo doméstico, que em 2015 foi de 17 bilhões de litros. E o segmento garante que o avanço não se dará pela falta do produto, mas em razão da maior competitividade americana no momento.
Considerando apenas a movimentação das usinas do Centro-Sul até agora para garantir a aquisição de etanol do exterior até março, alguns cálculos dão conta que já está prevista a importação de 350 milhões a 400 milhões de litros, o que custaria o equivalente a cerca de R$ 750 milhões, segundo um trader que preferiu não se identificar. Em outubro, um navio trazido por Raízen e Mitsubishi atracou no porto de Paranaguá, onde descarregou 26.2 milhões de litros de etanol.
Essa projeção está acima do que sinalizam as empresas associadas à União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (UNICA), que representa 90% da moagem de cana do Centro-Sul. Ao governo, elas indicaram que devem importar 160 milhões de litros entre novembro e março, disse ao Valor Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da entidade, em intervalo do Fórum Nacional de Direito do Consumidor do Mercado de Combustíveis, ontem em São Paulo.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) também avalia que a importação ficará estável na entressafra em relação à da última temporada, conforme Aurélio Amaral, diretor da agência, que participou do fórum. “Como o consumo de gasolina está um pouco mais alto [neste ano], a importação deverá acontecer nos mesmos níveis”.
Em geral, o Centro-Sul importa volumes marginais de etanol na entressafra. Conforme dados do Ministério da Agricultura, o Brasil importou, entre novembro de 2015 e março de 2016, 160 milhões de litros, 43% menos que no mesmo período do ciclo anterior, mas a maior parte foi para abastecer as regiões Norte e Nordeste.
Apenas as usinas do Centro-Sul importaram 50 milhões de litros no intervalo, com o objetivo de atender a uma regra da ANP, que exige que elas tenham em seus estoques no dia 30 de março de cada ano 8% do volume comercializado na safra anterior – o equivalente a um mês de consumo.
Para Alessandra Rosete, analista da consultoria S&P Global Platts, “deixar de importar é um risco, e as usinas não vão querer demonstrar esse risco ao governo”. Ela calcula que o Centro-Sul deverá importar entre 250 milhões e 350 milhões de litros de etanol. Tarcilo Rodrigues, presidente da Bioagência, faz um cálculo mais conservador, mas disse que acha “difícil não importar no mínimo 100 milhões de litros e, no máximo, 300 milhões”.
Os analistas observam, porém, que esse aumento de importação se dará porque o etanol americano, produzido a partir do milho está relativamente barato por causa da queda das cotações do grão. Um litro do biocombustível dos EUA chega aos portos brasileiros por cerca de R$ 1,85 a R$ 1,90, calcula Martinho Ono, presidente da SCA Trading. Já um litro do etanol anidro saía na semana passada das usinas paulistas por R$ 2,0567, conforme o indicador Cepea/Esalq.
Com quase 90% da safra de cana processada até o fim de outubro, a produção de etanol hidratado (que abastece diretamente no tanque dos veículos) ainda não chega a 80% da estimativa inicial mais conservadora da UNICA. A menor produção reflete a prioridade que as usinas deram à produção de açúcar, que está oferecendo uma remuneração muito mais atraente com a disparada dos preços internacionais.
Já a produção de etanol anidro (misturado à gasolina) está em linha com o avanço da moagem – pouco abaixo de 90% do volume esperado, e 7% acima do produzido no mesmo período da última safra. A baixa oferta do hidratado levou à valorização do produto nos postos e facilitou a migração dos motoristas à gasolina. Com isso, as distribuidoras aumentaram suas compras de etanol anidro para realizar a mistura obrigatória.
Embora o açúcar esteja oferecendo uma remuneração maior, Rodrigues, da Bioagência, observa, ainda, que “as usinas estão garantido a produção de anidro para cumprir os contratos” acertados no início da atual safra.
Já Pádua, da UNICA, avalia que a importação não será atípica porque o Norte e o Nordeste também passaram a importar o etanol barato dos Estados Unidos, reduzindo o volume que o Centro-Sul envia a essas regiões por cabotagem.
Além disso, o diretor da entidade afirmou que parte do biocombustível que vem entrando no Centro-Sul tem sido transformado em etanol hidratado, já que seu preço “está mais remunerador”.
Fonte: Valor