Em poucas décadas, o agronegócio brasileiro conseguiu modificar a economia do País, mas ainda não se desvencilhou das amarras de uma legislação arcaica e burocrática. Identificar, debater e apresentar propostas cabíveis para a solução de pontos cruciais para o setor é um exercício de longo prazo. Hoje, a questão mais controvertida é a ambiental, que em muitos momentos contrapõe desenvolvimento à proteção da natureza, como se fossem aspectos distintos da realidade.
Mas não é apenas a preocupação com o meio ambiente que impacta na competitividade do campo. Há questões trabalhistas, fundiárias e até biotecnológicas que precisam ser solucionadas para que o setor possa prosperar ainda mais. Uma boa notícia nesse cenário é a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ele pretende atualizar dados sobre 5,2 milhões de propriedades rurais em todo o País até maio de 2016.
Mesmo que seja concluído com êxito, o CAR não irá sanar a falta de padrão das normas de licenciamento e planejamento estratégico que definem ocupação e finalidade do solo. Especialista em Direito Ambiental e consultora jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária, Samanta Pineda acredita que foi criado um falso conflito que ao longo dos anos burocratizou a concessão de licenças e autorizações, modificando a legislação ambiental sem consultar o setor produtivo. “O resultado foram normas desconectadas da realidade que tornaram mais de 90% das propriedades produtivas ilegais”, diz.
O novo Código Florestal pode aliviar esse nó, porém, ainda é necessária a criação de legislações para os programas de regularização ambiental estaduais para que a lei federal funcione de verdade. Pior ainda é o passivo da ultrapassada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, que serviu de base para o Estatuto do Trabalhador Rural, criado pelo governo João Goulart em 1963. Em vigor desde um tempo em que apenas 30% dos brasileiros viviam em cidades, perdeu o sentido com a mecanização do campo.
A lei atual é tão vaga que há dificuldade em definir se um motorista de colheitadeira (uma atividade sazonal) pode ser enquadrado como trabalhador do campo ou urbano, já que a regulamentação da atividade é dada pelo Conselho Nacional de Trânsito. O jurista Almir Pazzianotto, ex-ministro do Trabalho e ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho (TST), defende uma adaptação à nova realidade do campo – e da cidade também. “Ser veterinário ou piloto agrícola não torna ninguém trabalhador rural. Do mesmo jeito, um extrativista do Pará não pode ser comparado com um empregado nos Pampas”, diz.
Segundo Pazzianotto, essa zona cinzenta gera uma enxurrada de processos trabalhistas que impedem o empresário de entender o que a lei permite. “Não existe um estatuto para a agroindústria. O trabalhador desse segmento está na mesma vala que o trabalhador rural”, diz Pazzianotto.
Há também muita insegurança jurídica na questão fundiária, com problemas de demarcação de terras indígenas e sobreposição de propriedades, que podem se confundir com os direitos de posse e usucapião. “Não temos juízes especializados em questões agrárias, e os advogados costumam desconhecer os princípios da legislação”, diz Antonio Alvarenga, presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
Fonte: Lide Agronegócios, ano 4, nº 4, outubro/2015