Commodities podem dificultar controle da mosca-branca no tomateiro

Há mais de quatro anos, um grupo de pesquisadores da Embrapa vem realizando um trabalho de monitoramento da mosca-branca em lavouras de tomate, na região do Brasil Central, e os resultados preliminares indicam que commodities como soja e algodão, cujos cultivos estão próximos ao tomateiro, servem como hospedeiras da praga e, possivelmente, como fonte de vírus na entressafra desta hortaliça.

Os danos que o inseto causa nesses cultivos, por meio da sucção da seiva, são secundários diante dos prejuízos da ferrugem e do bicudo, principais pragas da soja e do algodão, respectivamente. Contudo, em relação ao tomateiro, a mosca-branca atua como transmissora de begomovírus, que causa uma doença que compromete o desenvolvimento da planta e, por isso, reduz sobremaneira a produtividade.

“A pesquisa busca responder se as plantas que contribuem para a multiplicação da mosca-branca também são suscetíveis ao vírus. Na cultura da soja, por exemplo, os begomovírus não causam grandes problemas, apesar de estarem presentes”, esclarece a pesquisadora Alice Nagata, especialista em virologia, ao pontuar que o manejo em escala macrorregional é indispensável para eficiência no controle do inseto-vetor e para redução da incidência de viroses.

Assim, o manejo da mosca-branca realizado em uma única cultura ou em apenas algumas lavouras não alcança o efeito necessário para manter a população da praga dentro de níveis toleráveis. Por isso, o desafio da pesquisa, e também das políticas públicas, consiste em integrar as cadeias produtivas afetadas pelo inseto para que os prejuízos ocasionados sejam reduzidos a ponto de trazer ganhos para todas as culturas. Nessa conta, além de algodão e soja, é preciso incluir o feijão que, assim como o tomate, é muito suscetível aos vírus transmitidos pela mosca-branca.

De acordo com a pesquisadora, o manejo da praga visando o controle da virose deve ser feito com base em uma visão macro de toda paisagem agrícola. “O agricultor não pode ficar alheio às propriedades vizinhas. Por isso, seria desejável que, em um futuro próximo, houvesse uma associação das cadeias produtivas em prol da sustentabilidade do agroecossistema”, recomenda.

Para isso, é necessária uma mobilização de todos os elos da cadeia, inclusive dos produtores e indústrias processadoras. O gerente agrícola da Agropecuária Sorgatto, Maurício Bakalarczyk, responsável por mais de 1.200 hectares de tomateiro da empresa, aponta a ampla variedade de hospedeiros como o principal fator limitante para o controle da mosca-branca. “Na região de Cristalina e Luziânia, em Goiás, encontramos diversas culturas que hospedam a praga, inclusive plantas daninhas e, por isso, fica praticamente inviável diminuir a população do inseto”, explica.

Disseminação da praga e vazio sanitário

Acredita-se que a mosca-branca originou-se no Oriente Médio e disseminou-se para regiões da África e da Europa até cruzar o oceano e chegar às Américas no início da década de 1990. A explosão populacional da praga foi praticamente simultânea nos Estados Unidos e no Brasil e, no nosso país, encontrou condições muito favoráveis ao seu desenvolvimento. Os vírus transmitidos pelo inseto para o tomateiro, por exemplo, são oriundos da flora brasileira. “A mosca-branca facilitou a transferência de vírus nativos que antes eram restritos às plantas daninhas ou silvestres. Antes não havia um inseto-vetor que fosse eficiente em adquirir o vírus da planta daninha e transmiti-lo para o tomate”, explica o pesquisador Miguel Michereff Filho, da área de Entomologia.

Por isso, as áreas do entorno do cultivo devem merecer atenção especial quanto ao manejo adequado para retardar a entrada da praga e, consequentemente, do vírus na lavoura. Produzir tomates em áreas distantes de outras plantas hospedeiras, bem como criar barreiras físicas que dificultem a entrada do inseto no campo de produção, são medidas simples que vão permitir que as plantas ultrapassem a fase inicial de desenvolvimento sem serem infectadas. “Sabemos que não é necessário uma alta população do inseto para que 100% das plantas sejam infectadas, e que uma alta taxa de plantas infectadas não condiz necessariamente com grandes perdas. Prejuízos da ordem de 70% podem ocorrer em infecções precoces. Quanto mais cedo a época de infecção, maior será o prejuízo”, relata Nagata.

Foi o que aconteceu com a tomaticultura no polo agrícola de Petrolina (PE). Devido ao manejo inadequado de pragas, em meados da década de 1990, a região foi muito prejudicada pela mosca-branca e, com isso, as indústrias processadoras tiveram que migrar a produção para o Centro-Oeste. Atualmente, Goiás é o maior produtor de tomate do País, com mais de 30% da produção nacional do fruto, e para evitar que a praga comprometa a sustentabilidade do sistema produtivo na região, assim como aconteceu no Nordeste, o órgão de defesa agropecuária estadual acatou a Instrução Normativa SDA nº 024/2003, do Ministério da Agricultura, que prevê a implantação do vazio sanitário do tomateiro, definido como um período mínimo de 60 dias consecutivos livres de cultivo de tomate para processamento industrial.

Segundo o agrônomo Samuel Pereira, responsável pelo Programa de Prevenção e Controle de Pragas em Tomate da Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa), o calendário de plantio para o tomate industrial obriga os produtores a plantarem entre 1º de fevereiro e 30 de junho. Desse modo, existe um vazio sanitário entre os meses de novembro a janeiro.

“Esse período do ano é problemático por causa da presença de outras plantas hospedeiras. Por isso, quanto mais o produtor de tomate atrasar o plantio para não coincidir com o período de colheita da soja, por exemplo, quando a praga se desloca em busca de outras plantas, menores serão as chances de haver uma alta população de insetos no início da lavoura de tomateiro. As plantas mais novas são mais vulneráveis à doença”, analisa o pesquisador Michereff que recomenda os meses de março e abril para início do plantio.

Na opinião de Bakalarczyk, se Goiás não tivesse regulamentado o vazio sanitário, os próprios agricultores teriam que implantar para garantir a viabilidade do cultivo de tomate. “O cenário é tão alarmante que eu arrisco dizer que o plantio em fevereiro de tomate para processamento industrial está com os dias contados. Quem plantar antes de março vai correr o risco de não colher nada”, sinaliza.

Para garantir a efetividade do vazio sanitário, os órgãos de defesa supervisionam os viveiros de produção de mudas, que devem apresentar relatórios com informações sobre os compradores, volume comercializado e época da venda. Outro aspecto da fiscalização é a amostragem de polos de produção para verificar se, na entressafra, há cultivo de tomate no campo ou tigueras, ou seja, novas plantas provenientes de sementes de frutos não colhidos. A presença dessas plantas preocupa porque elas podem servir como fonte de vírus e prejudicar a quebra no ciclo da doença, que é o principal objetivo do vazio sanitário.

“Após a implantação do vazio sanitário, a incidência de viroses no tomateiro diminuiu significativamente, haja vista as perdas de até 100% nas áreas do município de Morrinhos, em 2004, época em que surgiu o programa no estado de Goiás”, exemplifica Pereira, que complementa: “apesar da prática não causar reduções elevadas na população do inseto, que é atraído por outras culturas hospedeiras, a eficiência na transmissão de vírus entre as plantas dessas espécies é menor do que entre plantas de tomate”.

Os benefícios do manejo integrado

Durante os meses de plantio, o método utilizado pelos agricultores para manter baixo o nível da população da praga é o controle químico que, se feito de forma equivocada e sem outros controles simultâneos, perde eficiência com o tempo. Os erros mais comuns são misturas de produtos e dosagens exageradas, que causam uma pressão muito grande nas pragas, resultando na seleção de populações resistentes aos produtos. “Há uma linha de pesquisa com objetivo de detectar quais são os focos de resistência a inseticidas e também estabelecer a relação da eficiência entre o controle da praga e a redução da incidência de viroses na lavoura, que são fatores diretamente proporcionais”, esclarece Michereff.

Outra opção para reduzir os danos ocasionados pelas viroses é utilizar cultivares com algum grau de resistência ao vírus para que, assim, a necessidade de utilizar produtos químicos seja reduzida e, por consequência, o custo de produção e a contaminação ambiental. Com isso, mesmo infectadas, as cultivares tolerantes conseguem se desenvolver e permitir um nível de produção satisfatório.

O monitoramento da praga dentro da lavoura ao longo do ano também é ponto-chave para obtenção de bons resultados no controle, visto que vai gerar informações que vão subsidiar as decisões do agricultor. “O monitoramento vai permitir que o produtor organize o calendário de plantio de modo que o início da lavoura não coincida com os períodos críticos de maior infestação por mosca-branca”, pontua o pesquisador, ao explicar que a inspeção periódica permite identificar a fase de desenvolvimento da praga predominante naquele momento e, assim, otimizar o uso de inseticidas específicos voltados para ovos, ninfas ou adultos.

Com enfoque diferente, a pesquisa utiliza o monitoramento para gerar informações que aperfeiçoem o Manejo Integrado da Praga (MIP), mas há também o propósito de refinar as técnicas de monitoramento para que elas possam ser utilizadas em grande escala pelos produtores que cultivam em vastas áreas. Estima-se que um monitoramento bem feito pode reduzir em até 40% a frequência de aplicação de inseticidas, o que tem impacto positivo no custo de produção e na preservação ambiental. “Se, por um lado, os agricultores reduzem os gastos com insumos, por outro, os consumidores são beneficiados com frutos de menor preço e melhor qualidade”, esclarece Michereff.

Quanto maior a área de adoção do manejo integrado da mosca-branca, melhor o retorno quanto à redução da incidência do inseto-vetor e dos vírus. Para isso, pesquisa, extensão rural, órgãos públicos, indústrias processadoras e agricultores têm que estar sensibilizados para o problema que, em situações extremas, pode ocasionar quebra de safra e desabastecimento. “Há necessidade de mobilização de todos os elos da cadeia produtiva para que a atuação conjunta resulte em seleção de produtos mais efetivos, desenvolvimento de cultivares resistentes às viroses, detecção e manejo da resistência aos inseticidas e controle eficiente dos insetos e doenças. Assim, desta forma, poderemos vencer o desafio que a mosca-branca impõe à tomaticultura nacional e às grandes commodities”, conclui o pesquisador.

Os estudos de monitoramento da mosca-branca conduzidos pelos pesquisadores fazem parte do edital REPENSA (Redes Nacionais de Pesquisa em Agrobiodiversidade e Sustentabilidade Agropecuária) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em parceria com outras instituições de pesquisa.

 

Fonte: Emprapa

 

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