Quando se discute sobre insegurança alimentar no mundo é normal pensar, de imediato, somente na quantidade dos itens que chegam à mesa das famílias. O que poucos sabem é que uma das soluções pode estar nos biofortificados. É o que defende a pesquisadora Marília Regini Nutti, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Agroindústria Alimentos, por meio da Rede BioFORT.
De acordo com Marília, a “biofortificação de alimentos vem combatendo significativamente a fome oculta, mal esse responsável por debilitar mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo”.
“Segundo os últimos dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 48% das crianças no mundo com menos de cinco anos de idade apresentam anemia (deficiência de ferro) e 30% possuem deficiência em vitamina A. No Brasil, os números também são altos, tendo 55% das crianças com menos de cinco anos de idade apresentando deficiência de ferro e 13% com deficiência em vitamina A.”
A pesquisadora explica que a biofortificação praticada pela Rede BioFORT se configura em uma técnica de melhoramento convencional, que eleva o teor de micronutrientes, como pró vitamina A, ferro e zinco dos alimentos.
“Uma planta é cruzada com outra da mesma espécie, não ocorrendo incorporação de genes de outro organismo ao genoma da planta, sendo necessária a realização de repetidos cruzamentos até atingir o cultivar melhorado desejado.”
Marília informa que a deficiência de micronutrientes – como ferro e zinco e de vitamina A – traz sérios problemas de saúde pública nos países em desenvolvimento.
“Dietas com escassez de ferro e zinco podem ocasionar anemia, redução da capacidade de trabalho, problemas no sistema imunológico, retardo no desenvolvimento e até a morte. A anemia ferropriva é, provavelmente, o mais importante problema nutricional no Brasil.” Este tipo de anemia é uma condição na qual o organismo não possui glóbulos vermelhos saudáveis em quantidade suficiente
Conforme a pesquisadora, as fontes mais importantes de ferro para a população brasileira são feijão e carnes vermelhas. Destaca ainda que, embora a deficiência de zinco não seja tão estudada como a de ferro, considerando-se que os alimentos-fontes destes dois nutrientes são os mesmos (sabe-se que fontes ricas em ferro biodisponível também são ricas em zinco biodisponível), “é de se esperar uma alta incidência também para esta deficiência”.
Marília ressalta que a vitamina A é um micronutriente essencial para o bom funcionamento da visão e do sistema imunológico do organismo humano, sendo que sua deficiência tem provocado a cegueira em milhares de crianças no mundo. Depois das crianças, as mães, as lactantes e os idosos são as principais vítimas da desnutrição.
“É importante lembrar que o processo de biofortificação nunca esteve sendo apresentado como a única solução para se melhorar a nutrição. Ela se configura como um complemento para reforçar alternativas de alimentação rica e saudável, como a fortificação e a suplementação.”
Sobre os custos dos bioforticados, Marília assegura que os preços ao consumidor não se diferenciam. “Os sistemas de produção de cultivares biofortificadas são os mesmos utilizados em cultivares convencionais, conferindo portanto o mesmo custo para ambos.”
Em janeiro de 2013, a Embrapa Agroindústria apresentou alguns biofortificados, como o feijão com o dobro de ferro, a batata-doce alaranjada com muita vitamina A e o arroz polido com altos teores de zinco. Conforme o órgão, o feijão teve os teores elevados de 50 gramas para 90 gramas de ferro por quilo. A mandioca, que praticamente não tem betacaroteno, passou para nove microgramas por grama. A batata-doce teve o betacaroteno elevado de dez microgramas por grama para 115 microgramas por grama. O arroz teve o teor de zinco acrescido de 12 para 18 microgramas por quilo.
CONSUMO
De acordo com a pesquisadora, cerca de 2 mil famílias já consomem alimentos biofortificados pelo Brasil e a expectativa é de que a Embrapa continue priorizando os Estados do Maranhão e Sergipe, que vêm recebendo sementes, ramas e manivas de cultivares com maiores teores nutricionais.
“Esta seleção não foi aleatória, uma vez que estes Estados apresentam os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. Em Sergipe, por exemplo, um diagnóstico para a intervenção na merenda escolar, realizado em duas escolas selecionadas, revelou que o consumo energético de crianças e adolescentes era insuficiente, 73% e 64%, respectivamente, de suas necessidades diárias, e que o consumo médio de ferro, zinco e vitamina A apresentavam-se, para todos os indivíduos, abaixo do recomendado.”
Marília salienta ainda que o mesmo estudo revelou que 10% da população estudada apresentavam déficit ponderal/estrutural (relação peso/altura) e que os alimentos mais consumidos ficavam restritos à farinha de mandioca, cuscuz (bolo de milho salgado), pão e feijão, que são justamente preparados a partir de algumas culturas (mandioca, milho, trigo e feijão), itens abordados pela Rede BioFORT.
A especialista informa que outro Estado que vem crescendo com a biofortificação é Piauí, região com maior número de parcerias formadas e que desenvolve ações em conjunto com as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), empresas de assistência técnica e prefeituras.
Atualmente a Rede BioFORT está presente com os cultivares biofortificados nos seguintes municípios: Pedro II; Teresina; São Miguel do Tapuio; José de Freitas; São João da Varjota; Santo Inácio; Oeiras; Cajazeiras do Piauí; Paes Landim; Cristino Castro; São Francisco; Pimenteiras. Hoje esses alimentos já beneficiam cerca de 3 mil jovens e espera-se que esse número cresça nos próximos anos.
“Em Sergipe, na cidade de Aracaju, vem ocorrendo testes sensoriais e ações educativas em três creches filantrópicas que participam como parceiras. Ao todo já foram beneficiadas 300 crianças com as ações de educação nutricional.”
No que diz respeito ao trabalho internacional da biofortificação, Marília diz que não há uma fonte confiável que determine quem foi o precursor da biofortificação. “No entanto, é de conhecimento que já se realizam ações com alimentos biofortificados nos seguintes países: República Democrática do Congo, Bangladesh, Índia, Nigéria, Paquistão, Ruanda, Uganda, Zâmbia, Panamá, Nicarágua, Guatemala, Colômbia, Haiti e Brasil.”
Sobre o rendimento dos biofortificados, a especialista destaca que as pesquisas demonstram que altos níveis de minerais em sementes também contribuem para a nutrição da própria planta, o que têm alimentado as expectativas quanto ao aumento da produtividade de linhagens biofortificadas.
“Além desse potencial genético, a assistência técnica provinda da Embrapa e de instituições parceiras tem garantido um aumento na produção de agricultores familiares. No estado do Piauí, produtores rurais com produções biofortificadas de batata-doce têm registrado colheitas de aproximadamente 25 toneladas por hectare desse cultivar. Lembrando que a média de colheita da batata-doce convencional é de 8 toneladas por hectare.”
REDE BioFORT
A Rede BioFORT engloba todos os projetos de biofortificação do País coordenados pelo órgão desde 2003. Ao todo são 150 pessoas atuantes, de diferentes áreas de conhecimento, em 11 Estados brasileiros. O programa interage com universidades, centros de pesquisa nacionais e internacionais, associações de produtores, governo, prefeituras e organizações não-governamentais.
A rede tem apoio do programa HarvestPlus, uma aliança de instituições de pesquisa que atuam na América Latina, África e Ásia com recursos financeiros da Fundação Bill e Melinda Gates, Banco Mundial e agências internacionais de desenvolvimento. Conta ainda com projetos financiados pela Embrapa, CNPq, e diversas fundações estaduais de suporte a pesquisa (Faperj, Fapesp e Fapemig).
A pesquisa e o desenvolvimento de alimentos biofortificados no País evidenciam um aspecto diferenciado dos demais países – o Brasil é o único onde são conduzidos, ao mesmo tempo, trabalhos com oito culturas diferentes: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo.
“Atualmente a Rede BioFORT possui parcerias com prefeituras, que repassam os cultivares biofortificados para escolas e para agricultores familiares que sejam potenciais multiplicadores de sementes e ramas”, informa Marília.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária vai apresentar, ao Conselho do Center for Integrated Modeling of Sustainable Agriculture & Nutrition Security(Cimsans), pesquisas que a Embrapa Agroindústria de Alimentos vem fazendo no Brasil, Guatemala, Nicarágua e está começando no Haiti, na área da própria biofortificação por meio do desenvolvimento de alimentos mais nutritivos do que os convencionais.
Por equipe SNA/RJ