AMOR NÃO DEIXA FELIZ E CHEIO DE ENERGIA.O NOME DISSO É AÇAÍ. Por Evaristo de Miranda

A febre do açaí conquistou paladares mundo afora. O mercado do açaí movimenta por ano mais de R$ 6 bilhões só no Pará,Imagem de Pizza Man por Pixabay

Esse mercado movimenta mais de 6 bilhões só no Pará e não para de crescer.  

O açaí é um superalimento, conhecido por suas propriedades antioxidantes e energéticas. Sua fruta de coloração violácea é rica em proteínas, gordura vegetal, vitaminas, minerais e fibras. No passado, o açaí era a comida dos pobres, a base da dieta de ribeirinhos e populações da Amazônia. Hoje, no mundo urbano, o açaí é identificado a uma dieta saudável, consumido por jovens e esportistas. A febre do açaí conquistou paladares mundo afora. O mercado do açaí movimenta por ano mais de R$ 6 bilhões só no Pará, não para de crescer, vive uma extraordinária expansão e intensificação nos sistemas de produção e agregação de valor pela indústria agroalimentar.

Na Amazônia, o açaí (tupi yasa’i, fruta a chorar) segue consumido puro, com farinha de mandioca, e acompanha peixes, camarão e carnes. No Brasil, varejistas, lojas, franquias e marcas especializadas multiplicam-se em praças de alimentação, academias, centros comerciais e oferecem muitas formas de açaí: adoçado, com guaraná, frutas, granola, suco, bebida energética, sorvete, creme, polpa congelada e em pó, liofilizado ou desidratado por RWD (RefractanceWindowDrying Technology), garantia de pureza e fácil conservação. Processos agroindustriais agregam valor a produtos derivados.

A qualidade do açaí começa a ser conhecida e reconhecida. Em 2023, a marca Tropicoolobteve o prêmio Superior Taste Award, um dos mais prestigiados em alimentos e bebidas, do International Taste Institute de Bruxelas, Bélgica. A premiação teve um júri formado por mais de 200 chefs e sommeliers.

Produção

Cada vez mais apreciado no exterior, em 2023, só as exportações de cerca de 80 toneladas do creme de açaí atingiram US$ 315.000. Um crescimento de 41% em relação às 48 toneladas exportadas em 2022.Exportações de produtos derivados têm crescimento exponencial. Em 2023, sóo Pará exportou 8,2 mil toneladas de açaí, num valor de US$ 28 milhões, segundo o Núcleo de Planejamento e Estatísticas da Sedap.

No primeiro quadrimestre de 2024, já exportou 4,2 mil toneladas, 87% a mais comparado ao mesmo período de 2023, num valor de US$ 16 milhões. Os principais importadores são EUA (maior processador e exportador mundial de produtos a base de açaí!),Austrália, Japão, Canadá, Europa,Israel, Chinae países árabes(certificação halal).Foram abertos mercados ao açaí em pó nosEUA e Índia, com grande futuro por ser mais leve e fácil de transportar, sem refrigeração.

Fruta Diversificada

Além do Brasil, palmeiras açaís são encontradas na Venezuela, Guianas, Peru, Panamá, Trinidade e Tobago e até em bacias hidrográficas do Pacífico da Colômbia e Equador. Existem açaís diferentes na Amazônia. O principal é açaí do Pará (Euterpe oleraceaMart.) também conhecido como açaí-do-baixo-amazonas, açaí-de-touceira, açaí-da-várzea e açaí-verdadeiro.

É a espécie mais destacada do gênero Euterpe, dentre as dez registradas no Brasil e as sete amazônicas. Duas outras espécies de açaí são a juçara ou palmiteiro (Euterpe edulisMart.) e o açaí do Amazonas (Euterpe precatória Mart.). Ambas apresentam caule único, enquanto o açaí do Pará cresce em touceira com 4 a 8 estipes. O gênero botânico Euterpe, grupo de elegantes e vistosas palmeiras (Arecaceae), foi descrito a partir do Euterpe oleracea.

Em açaí, a hegemonia produtiva é do Pará. O estado responde por 91% da produção nacional e significativo volume de comercialização interestadual e exportação. Com produtividade média de sete toneladas por hectare, o açaí movimenta mais de R$ 6 bilhões.Os 144 municípios paraenses produzem açaí. Em destaque:Igarapé-Miri a 150 km de Belém, Cametáe Abaetetubano Baixo Tocantins.Mais de 26% do açaí do Pará vem de Igarapé-Miri, capital mundial do açaí,pioneira no plantio e manejodesde dos anos1990.

Brasil, maior produtor

Apesar da repartição panamazônica do açaí, o Brasil segue o maior produtor e consumidor. A área de 234.000 hectares aumenta com novos plantiosnaAmazônia, Centro-Oeste, Nordeste,Espírito Santo e São Paulo. No Amapá, em Calçoene, a Schultz Agroambiental está criando uma enorme f azenda de açaí: 20 mil hectares, 2,7 mil hectares plantados, mais de dois milhões de açaizeiros e produção de 12 toneladas por hectare/ano. Como adubo, usa o passivo das indústrias de peixes, palha de arroz e compostagem. No Pará, em Curralinho,a Palamaz numa ilha arquipélago de Marajó em 960 hectares de várzea, a empresa cultiva açaí orgânico, com rastreabilidade e fertilização natural pelas partículas em suspensão nas águas do Amazonas.

Colhido, o ideal para a qualidade é processar o açaí no mesmo dia. Isso exige proximidade de processadoras ou refrigeração. O crescimento do mercado multiplicou investimentos em processadoras.No Amazonas,em Codajaz, a Bellamazon instalou a maior fábrica de processamento de polpa de açaí do estado. Com a indústria acabou-se ali o tempo do açaí jogado no rio, perdido por falta de processamento. A sustentabilidade do açaí depende de ampliar a rede de indústrias e melhorar a logística de acesso.

Extrativistas, ribeirinhos e produtores expandem e intensificam suas áreas e adotam inovações para atender a demanda. A domesticação efetiva do açaí ainda está em curso. O puro extrativismo representa apenas 10% da produção e deu lugar, a palmeirais adensadose/ou enriquecidos com variedades mais produtivas, ricas em antocianinas (seleção massal, novas cultivares da Embrapa…), com outras espécies de interesse agroflorestal (cacau, cupuaçu, bacuri, castanha, uxi…), mecanização, manejo de touceiras etc.Sistemas mais produtivos, como da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu (PA), são sustentáveis, recuperam terras degradadas, aliviam a pressão predatória em palmeiras nativas ou até por queimadas, como no noroeste do Maranhão.

Bom ganho para o produtor

O cuidado com a qualidade dos frutos na colheita e tratamentos pós-colheita asseguram preços melhores. Um pequeno produtor de açaí consegue renda mensal superior a três salários-mínimos e até mais, em função de melhorias na produção, colheita e negociação da comercialização. No Pará, produtores criaram a Associação Açaí da Amazônia (Amaçaí) e a Cooperativa Central Açaí da Amazônia para incentivar pesquisas, relacionar-se com governos e buscar soluções para incrementar produção, industrialização e comércio.

Um dos maiores desafios do açaí é a alta sazonalidade da produção. Comandada pelo clima, o açaí do Pará é abundante de agosto a dezembro. Durante a entressafra, cerca de sete meses, o produto é escasso. O açaí do Amazonas (Euterpe precatória Mart.) produz no tempo da entressafra do açaí do Pará, no primeiro semestre. Expandir sua exploração e cultivo ajudará a atender parte da demanda local, aumentada durante o verão.

O preço chega a ser três vezes mais alto na entressafra. Esse valor ajuda viabilizar a irrigação, cujos investimentos são altos. Ela garante produção na entressafra e em regiões quentes mais secas (cerrado e caatinga).O açaí irrigado representa 10% da produção, está em expansão na Amazônia e alhures.E é colhido em condições menos inóspitas comparadas às várzeas.

A Açaí Amazonas possui 1.400 hectares irrigados em Óbidos (PA). Ela oferece produtos rastreáveis e com padrão de qualidade, durante todo o ano, graças ao controle da água. Os frutos, colhidos no ideal da maturação, são processados rapidamente, com tecnologia de processo a frio.

No Cerrado, a Codevasf tem um projeto de 3 mil hectares irrigados de açaí em municípios de Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal (DF), com mais de 10% implantados. O açaí fez parte do circuito de fruticultura na AgroBrasília em 2023. A paulista AidaKanakoAshiuchi Cardoso, agricultora e agrônoma, faz parte dos 38% de mulheres produtoras rurais cadastradas do DF, produz e comercializa açaí e afirma: O cerrado também produz açaí. É só cuidar.

No semiárido, a Fazenda SpecialFruit,de SuemiKoshiyama, produz e exporta de frutas no Vale do São Francisco, e agora investe no açaí irrigado em Juazeiro (BA). De um experimento de 10 hectares, planeja uma expansão para 100 hectares. A aplicação controlada de nutrientes, o manejo da água e uma luminosidade superior à da Amazônia, garantem alta produtividade. E ajudam a cobrir os custos da irrigação, como já ocorre na manga e a uva.

O mercado de consumo do açaí cresce de 15 a 20% ao ano. Em 2023, a Polpanorte, do Paraná, capaz de processar 160 toneladas de açaí por dia, se tornou a maior produtora de açaí do Brasil. Fornece uma dúzia de produtos e, em 2023, faturou cerca de R$ 420 milhões, 30% a mais em relação a 2022. Como ela, outras empresas primeiro processam o açaí na Amazônia e depois transportam em caminhões refrigerados para industrializar no Sul e Sudeste.

O nome botânico Euterpe,do gênero do açaí,evoca a Grécia antiga e lhe é adequado. Na mitologia, o prolífico Zeus teve nove filhas com Mnemósine, deusa da memória e da lembrança. Sim. Todes mulheres. Dentre elas, Euterpe(Eὐτέρπη – εὖ, bem + τέρπειν, agradar), Aprazível. Seu atributo iconográfico era o aulo, instrumento de sopro. O aprazível atira a atenção. Essa faculdade é indispensável à experiência estética. Sem a atenção prazerosa, não há como apreciar cor, forma, som, sabor…Na Grécia antiga, Euterpe e suas irmãs eram as padroeiras da Paidéia, a formação (educação) plena do Humano para a vida na Polis. E para isso estão aprazível e rutilante açaí.

Na Polis amazônica, o açaí é um antídoto de mercado para manter e recuperar a cobertura florestal, com geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população local. O açaí avança, por muitos caminhos, longe de interesses escusos e do nhenhenhém de ongs ambientalistas, governos estrangeiros, artistas e entendidos de Amazônia. Pode ser freio à devastação. Como se diz no Maranhão: Tigela de açaí e charque assado, vai encostando o machado.

Artigo dedicado ao pesquisador e escritor Alfredo Kingo Hoyama Homma

Evaristo de Miranda é ex pesquisador da Embrapa, doutor em Ecologia e Membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA.
Artigo originalmente publicado na revista Oeste e gentilmente cedido ao Portal da SNA pelo autor.
https://evaristodemiranda.com.br/
Edição de texto e imagem para o Portal da SNA – Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb 13.9290)
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