A Exploração do Pau-Brasil preservou a Mata Atlântica. Por Evaristo de Miranda

O pau-brasil não entrou em extinção pela devastação das matas no período da Coroa portuguesa e do Império, como propalado equivocadamente em manuais, artigos e livros de história. Imagem: Pixabay – sierramurray

Em 3 de maio comemora-se o dia do pau-brasil (Paubrasilia echinata), árvore símbolo nacional. Sua exploração pelos portugueses foi um exemplo de gestão sustentável das florestas e não de desmatamento. Na maioria dos países europeus, africanos e asiáticos, a defesa efetiva das florestas e da natureza é recente. Preservação florestal no Brasil vem de longa data.

Desde o início do povoamento português, as Ordenações Manuelinas e Filipinas criaram regras e limites para explorar terra, água e vegetação. Em 1550, havia uma lista de árvores reais, protegidas por lei. Isso deu origem à expressão madeira-de-lei.

Em 1530, o pau-brasil representava 90% das exportações brasileiras e 5% da receita total do tesouro português. Ao contrário de falsas narrativas sobre sua “exploração predatória, desde o início da colonização” ou seu desaparecimento “devido à exploração predatória, desde o Descobrimento”, a extração do pau-brasil por Portugal foi muito racional. Graças a ela, se manteve grande parte da floresta atlântica até o final do século XIX. O pau-brasil não foi causa do desmatamento da mata atlântica, fato bem posterior.

Exploração do pau-brasil. Cosmografia Universal de André Thevet, 1575

Exploração do pau-brasil. Cosmografia Universal de André Thevet, 1575

Em 1605, o Regimento do Pau Brasil estabeleceu o direito de uso das árvores, e não sobre as terras, consideradas reservas florestais da Coroa. O concessionário podia explorar árvores. Cultivar a terra era proibido. Ao integrar critérios econômicos, políticos e silviculturais, o Regimento do Pau Brasil deu às autoridades os instrumentos essenciais ao planejamento e à gestão dos contratos de concessão florestal. Quem sabe disso?

Estabelecidas nas Capitânias, registradas em livros, passíveis de auditoria, as autorizações definiam o corte somente com licença, cotas de exploração anual e estímulo à regeneração natural das árvores por métodos silviculturais, rotação da exploração e delimitação de áreas reservadas. O Regimento estabeleceu duras penas de prisão, degredo para Angola e até morte a quem cortasse sem licença ou excedesse o limite contratado.

Mando, que nenhuma pessoa possa cortar, nem mandar cortar o dito páo brasil, por si, ou seus escravos ou Feitores seus, sem expressa licença, ou escrito do Provedor mór de Minha Fazenda, de cada uma das Capitanias, em cujo destricto estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o contrário fizer encorrerá em pena de morte e confiscação de toda sua fazenda. Quem ensina na escola sobre o Regimento e essa gestão racional?

Com o Regimento, o planejamento da oferta, o controle da pressão sobre as populações da árvore no tempo e espaço, e os cuidados com a regeneração diminuíram consideravelmente os riscos de esgotamento desse recurso.

Mapa do número das toras de pau-brasil na Capitania de Ilhéus (1780)

O comércio do pau-brasil era exclusividade da Coroa. Dom João VI, ao promover a abertura dos portos às nações amigas, autorizou o comércio de quaisquer gêneros e produções, à exceção do pau-brasil. Em 1808, o Banco do Brasil, recém-criado, passou a ter controle e comissão na venda da madeira-de-tinturaria. Na Independência, o pau-brasil se tornou monopólio nacional e sua venda destinada a saldar a dívida externa com a Inglaterra.

Em 1850, a descoberta do corante anilina na Alemanha e sua fabricação industrial retirou paulatinamente o pau-brasil do mercado. Um produto da química moderna e industrial substituiu a cor natural do pau-brasil. Em 1875, foi registrada a última exportação.

O pau-brasil não entrou em extinção pela devastação das matas no período da Coroa portuguesa e do Império, como propalado equivocadamente em manuais, artigos e livros de história. Por quatro séculos, leis, controle e manejo permitiram sua exploração sustentável. A gestão lusitana do pau-brasil poderia inspirar a exploração racional e o manejo na Amazônia.

O mesmo cuidado ocorreu com os manguezais, explorados por seus taninos pela indústria do couro. Em 10 de julho de 1760, um alvará de D. José I os protegeu e limitou a exploração. Aos infratores impunha pena de três meses de prisão e multa. As Câmaras Municipais foram notificadas a aplicá-lo. Em 1797, cartas régias consolidaram as leis ambientais daquele tempo: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa, com rio desembocando ou capaz de permitir a passagem de jangadas transportadoras de madeiras.

A criação dos cargos de Juízes Conservadores, aos quais coube aplicar as penas previstas na legislação, foi outro marco em favor das florestas. As penas eram de multa, prisão, degredo e até pena capital para os incêndios dolosos. Em 1799, surgiu Regimento de Conservação das Matas do Brasil, da rainha D. Maria I com regras rigorosas para a derrubada de árvores e outras restrições à implantação de roçados.

O desmatamento, do século XVII ao XIX, limitou-se a pontos na costa. Em quatro séculos de Coroa portuguesa e Império foram extraídas 500.000 árvores de pau-brasil. A exploração mais intensa ocorreu no século XVIII: cerca de 322.000 árvores, segundo Yuri Tavares Rocha, da USP, após consultar quase mil livros e documentos aqui e em Portugal. Enquanto isso, floresta amazônica e matas de araucária dormiam em berço esplêndido.

Em 13 de julho de 1808, D. João VI criou o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro. A fazenda incluía a Lagoa Rodrigo de Freitas. Desapropriou e pagou a família Rodrigo de Freitas. Com a República, mais de 90% desse tesouro vegetal foi retalhado, vendido e concedido para residências, prédios, rede de televisão, hipódromo, institutos de pesquisa etc. O Jardim Botânico original, tão bem cuidado por D. Pedro I e II, foi loteado em poucas décadas entre amigos e especuladores imobiliários da ré-pública. De 2.500 hectares, hoje está republicanamente reduzido a menos de 150.

Uma ordem, em 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos quando denunciassem contrabandistas de pau-brasil. No Rio de Janeiro, o decreto de 3 de agosto de 1817 proibiu o corte de árvores em áreas circundantes às nascentes do rio Carioca. Em 1830, em mais de três séculos, o total desmatado era inferior a 30.000 km². Hoje, desfloresta-se algo comparável a cada três anos. E há quem aponte o dedo ao passado e aos portugueses.

Em 1844, após uma grande seca, o Ministro Almeida Torres, propôs desapropriar sítios para plantar árvores e salvar mananciais na Capital. De 1854 a 1856, terras foram desapropriadas com essa finalidade pelo Ministro Couto Ferraz. Em 1861, com o Decreto Imperial 577, D. Pedro II criou, e plantou com o Major Archer, as Florestas Protetoras da Tijuca e Paineiras.

O pensamento e a crítica ambiental brasileira resultam de uma continuidade histórica de séculos, tradição intelectual única. A política florestal das Coroas portuguesa e brasileira logrou, por diversos mecanismos, manter a cobertura vegetal preservada até o final do século XIX. O desmatamento brasileiro é fenômeno dos séculos XX e XXI.

De 1985 e 1995, em 10 anos, a floresta atlântica perdeu mais de um milhão de hectares, superior a toda a área desmatada durante a Coroa portuguesa. Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, a marcha para o Oeste trouxe desmatamentos. Florestas de araucárias foram entregues pela Ré-pública a construtores anglo-americanos de ferrovias, com as terras adjacentes.

Apesar de todo desmatamento, o Brasil ainda é um dos países com a maior cobertura florestal nativa. Dos 100% das florestas originais, a África mantinha 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa – o pior caso – apenas 0,3%. Vale menção o plantio de florestas monoespecíficas para explorar madeira, celulose e uso turístico na Europa. Ninguém ignore: mais de 99% das florestas primárias europeias foram substituídas por cidades e plantações, para tristeza de ursos, linces, lobos, rabalvas e bisões.

O continente com a maior manutenção de florestas originais é a América do Sul (55%). Com invejáveis 70% das florestas primitivas, o Brasil tem autoridade para tratar esse tema frente às críticas dos campeões do desmatamento. Longe de encerrada no passado, a tendência se mantém. Se o desflorestamento mundial prosseguir no ritmo atual, o Brasil – quem menos desmatou – deterá no futuro quase metade das florestas primárias do planeta. Isso não será fonte de elogios e sim de mais cobranças.

O país há de ter responsabilidade para reavivar, por meio de políticas e práticas duradouras, a eficácia das medidas históricas de gestão e exploração florestal. Deve abandonar o desastre da atual política ambiental na Amazônia, promotora de subdesenvolvimento sustentável e miséria glamourizada, e garantir outra gestão da floresta primária e do território.

O grande desmatamento é fruto do século XX e obra da República. A ocupação lusitana desenvolveu exemplos de sistemas sustentáveis de exploração agroflorestal e pastoril, sem desmatar. Respeitou com sabedoria as condições ambientais, como na caatinga, no cerrado e na pampa.

Carlos F. A. Castro, em seu doutorado Gestão Florestal no Brasil Colônia (UNB, 2002), demonstrou: o desmate da mata atlântica ocorreu no século XX. O desmatamento, entre 1945 e 1960, a cada 5 anos, foi superior ao total desflorestado entre 1500 e 1930.

Sob a Coroa portuguesa, a ampliação da área cultivada foi de 9.000 ha/ano. Chegou ao máximo de 16.000 ha/ano no início do Império. O desmatado para produzir açúcar, em mais de 300 anos, no momento da Independência, atingiu 14.000 km². Dada a extensão da mata atlântica, esse desmatamento pela cana foi irrisório (2%).

A política florestal portuguesa e do Império lograram por diversos, invejáveis e complexos mecanismos, manter a cobertura florestal até final do século XIX, com poucos locais significativamente alterados. Como assinala Carlos Castro, “em vez de imputar a Portugal a culpa por ter nos deixado uma ‘herança predatória’, talvez devamos aprender com as práticas conservacionistas que os portugueses preconizaram e tomarmos consciência de que a destruição das florestas brasileiras não é obra de 500 anos, mas principalmente desta geração”.

Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia, pesquisador, escritor e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA
Artigo publicado originalmente na revista Oeste, gentilmente cedido à SNA pelo autor
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