Reduzir confinamento pode ajudar a combater crise na pecuária brasileira

Queda de rebanho confinado, no Brasil, pode reduzir a oferta de carne no mercado, assim como um possível aumento na exportação de animais também provocaria uma diminuição na oferta interna de carne. Foto: Divulgação

A redução do confinamento bovino deve “enxugar”  a oferta de carne no mercado, assim como um possível aumento na exportação de animais também provocaria uma redução na oferta interna de carne. Essa é a opinião do presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional da Pecuária Intensiva (Assocon), Alberto Pessina, a respeito dos benefícios primários relacionados à diminuição do confinamento como solução paliativa para a atual crise no setor pecuário brasileiro.

Com o cenário desgastado nos últimos 18 meses, que vão desde a fragilidade da demanda interna, a desvalorização do real no final de 2016, o encarecimento dos insumos, ao aumento da oferta, à Operação Carne Fraca, à volta da cobrança do Funrural, à delação dos executivos da JBS, até a recente suspensão das importações de carne in natura pelos Estados Unidos, a pecuária nacional se viu “atolada em uma avalanche de problemas”, enumera o executivo, em entrevista à equipe SNA/SP.

Segundo Pessina, além disso, com escalas de abate relativamente longas em todo o país, especialmente considerando os frigoríficos de menor porte, não há no horizonte uma perspectiva de redução na oferta, que possa aliviar a pressão nos preços.

De acordo com ele, é preciso entender que a demanda tem um peso maior na formação de preços do que a oferta: “Se considerarmos o cenário atual, também estamos tendo uma pressão de queda na demanda (por carne bovina), principalmente no mercado interno. Por este motivo, uma redução de oferta em um cenário de retração de demanda, possibilita uma menor reação nos preços do que um cenário com forte demanda”.

 

PRESSÃO DOS PREÇOS DO BOI GORDO

Para Pessina, a pressão dos preços do boi gordo impacta diretamente na margem de lucro do pecuarista, pois representa 100% da receita da engorda. Isso é diferente de uma redução nos custos da ração, que impactam apenas 25% da margem, ou de uma redução dos preços no boi margo, que tem um impacto de 60%.

“Por esse motivo, a queda nos preços das vendas é muito mais impactante na margem de lucro do produtor do que uma queda no preço dos insumos”, enfatiza o executivo, acrescentando que o governo federal precisa, urgentemente, tomar medidas para socorrer a produção e aliviar as pressões nos produtores, “que há dois anos já vêm sofrendo os efeitos da queda na demanda e do aumento nos custos”.

“Cerceado no mercado internacional por barreiras não alfandegárias, com dificuldades de credibilidade do elo industrial, acrescido da redução do poder de compra da população, a cadeia produtiva da carne entrou em desequilíbrio, com oferta maior do que a demanda”, afirma o diretor técnico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) Alberto Werneck de Figueiredo, secretário Municipal de Agricultura de Resende (RJ).

Segundo ele, como o boi não é uma mercadoria que possa ser deixada na prateleira indefinidamente, porque é um ser vivo que tem momento certo para o abate econômico, há uma retração nos valores de comercialização do boi gordo. Isso faz com que os criadores precisem parar de repor os respectivos estoques de bezerros, provocando nos produtores dos respectivos bezerros também um represamento, cuja solução única é o abate de matrizes.

“Esse abate amplia a oferta de animais no mercado já combalido, agravando ainda mais a crise”, diz Figueiredo.

Diretor da Federação de Agricultura do Mato Grosso (Famato) e presidente do Sindicato Rural de Juína, em Mato Grosso, José Lino Rodrigues destaca que, na categoria dos machos, cerca de 60% dos animais estão represados na região, mas nas fêmeas, esse percentual é superior.

“Não temos para quem vender. Em Mato Grosso do Sul, há uma grande concentração da JBS e poucos têm coragem de entregar no prazo. Os animais estão passando de 22 arrobas e começamos a ser remunerados com preço de vaca. Alguns produtores estão vendendo animais de 17 arrobas para terminar no confinamento, mas as opções são restritas”, relata Rodrigues.

 

OUTRAS SOLUÇÕES

O presidente do Conselho de Administração da Assocon acredita que o problema de concentração de plantas frigoríficas pode ser aliviado com a facilitação das negociações entre os Estados brasileiros, tendendo a melhorar a utilização da capacidade instalada no país, e ainda aliviaria as regiões produtoras com altas concentrações.

Na opinião de Pessina, o problema da demanda fraca por carne é uma questão mais complicada, no entanto, algumas medidas podem ser tomadas para aliviar esse problema, como facilitar e incentivar as exportações.

“O mercado externo está se recuperando e, provavelmente, demandará mais carnes e alimentos. Assim, o governo (brasileiro) poderia gerar incentivos para que as agroindústrias de médio e pequeno porte pudessem voltar a exportar e recuperar uma parte desse mercado”, sugere o executivo, acrescentando que as linhas de crédito para exportação poderiam ser facilitadas às empresas, voltando a incentivar a entrada delas no mercado internacional.

Outra medida, conforme Pessina, seria a redução de impostos, aliviando as margens “para que o produtor volte a ter resultado positivo, ou a melhora dos preços ao consumidor final, principalmente no mercado interno”.

 

“O governo (brasileiro) poderia gerar incentivos para que as agroindústrias de médio e pequeno porte pudessem voltar a exportar e recuperar uma parte desse mercado”, sugere Alberto Pessina, presidente do Conselho de Administracao da Assocon. Foto: Divulgação

INFLUÊNCIA EXTERNA

O diretor da SNA Alberto Figueiredo lembra que o comércio internacional é regido por acordos comerciais, que são firmados em locais próprios, em função dos países envolvidos: “No entanto, o aumento de oferta de qualquer produto, por parte de qualquer país, implica na ocupação de uma fatia nova de mercado que, originalmente, era ocupada por outro país. É natural que os prejudicados lutem para não perder suas conquistas”.

Segundo o executivo, quando isso ocorre, “abre-se uma verdadeira guerra entre os envolvidos, muitas delas decididas anos depois em tribunais internacionais”. “Os países que se sentem prejudicados, cientes dos limites legais de interposição de barreiras, normalmente alfandegárias, por meio da instituição de impostos de importação, acabam se valendo de artifícios para inibir a concorrência”, avalia.

“Criam-se, assim, as barreiras não alfandegárias, que são normalmente baseadas em padrões de qualidade, uma vez que esses são sujeitos a interpretações, e, assim, com critérios subjetivos”, ressalta Figueiredo.

 

RECUPERAÇÃO DO SETOR

Na avaliação do presidente do Conselho de Administração da Assocon, a recuperação da pecuária pode acontecer em médio prazo associada à recuperação da economia brasileira. “O que precisamos entender é que a demanda é o principal fator que influencia a formação dos preços e margens. Como hoje nossas vendas estão 80% atreladas ao mercado interno, não há como não sentir uma crise econômica dessa magnitude”, reforça Pessina.

Segundo o executivo, isso deve servir de lição para que a cadeia passe a se preocupar com a criação de novos mercados e com a ampliação da venda nos mercados já existentes.

“Para isso, será necessário um amadurecimento tanto do produtor quanto da indústria, pois a entrada em novos mercados exigirá maiores controles e protocolos visando atender as maiores exigências desses mercados”, analisa.

Na visão de Pessina, “temos de entender que somente o trabalho em conjunto da cadeia permitirá a resposta rápida a essas exigências”.

“Problemas como o de abcessos nos Estados Unidos (relacionados a vestígios de vacina contra febre aftosa encontrados na carne exportada pelo Brasil para o mercado norte-americano) serão cada vez mais comuns. E eles não serão resolvidos nos frigoríficos e, sim, por meio de um trabalho conjunto entre os fornecedores de insumos e os produtores”, observa.

 

“O setor industrial de carnes sempre foi o ponto fraco da cadeia produtiva no Brasil, inibindo, por décadas, o desenvolvimento da nossa pecuária”, critica o diretor da SNA Alberto Figueiredo. Foto: Arquivo SNA

IMAGEM DO BRASIL LÁ FORA

Na opinião do diretor da SNA, o escândalo da Operação Carne Fraca, deflagrada em 17 de março passado pela Polícia Federal, pode ter sido “plantado e propositalmente exacerbado”, para prejudicar a imagem do Brasil no mercado internacional de carnes, “uma vez que nosso país começou a conquistar mercados que, até então, eram cativos de outros grandes países”.

Para Figueiredo, “o governo brasileiro reagiu de forma infantil a essa provocação e acabou confessando que os problemas existiram efetivamente, quando, na realidade, os poucos desvios de conduta, que não são privilégios nossos, não representavam quaisquer riscos ao processo de exportação, pelo tipo de eventuais infrações e pelo número de estabelecimentos envolvidos”.

“Por outro lado, o setor industrial de carnes sempre foi o ponto fraco da cadeia produtiva no Brasil, inibindo, por décadas, o desenvolvimento da nossa pecuária”, critica o diretor da SNA.

 

Por equipe SNA/SP

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