Privatização x Parceria

Autor: Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da FGV

Foto: Raul Moreira

Nas últimas semanas algumas matérias sobre a EMBRAPA foram veiculadas pela mídia, colocando em discussão a modernização de nossa grande e respeitada instituição de pesquisa, e tratando de um projeto de lei do Senado para a abertura do capital da empresa, a exemplo da Petrobras e do Banco do Brasil.

Também veio à baila a questão da pesquisa pública x pesquisa privada: qual das duas é mais eficiente? Vamos por partes:

Em primeiro lugar, Banco do Brasil e Petrobras são empresas que devem ter lucro: seus acionistas precisam ser remunerados por investirem nelas.

Uma empresa privada de pesquisa pode ter o mesmo desiderato, o que está certo. No entanto, é possível que, em razão disto, a pesquisa da empresa privada privilegie os cultivos mais importantes para o mercado. Faz todo o sentido colocar atenção em produtos como a soja, o milho, e o algodão, cuja força mercadológica é grande, e nem tanto em produtos sem expressão comercial. É claro que o país todo lucrará com ganhos de produtividade nas grandes culturas, uma vez que estas ficam mais competitivas, avançam sobre mercados externos, geram emprego, renda, riqueza e excedentes exportáveis

Tudo isso é desejável, mas a empresa pública de pesquisa tem outros objetivos. Entre estes, a conservação da biodiversidade, de bancos de germoplasma, a avaliação do potencial de recursos genéticos, estudos sobre pragas e doenças ainda não existentes no país e que podem vir a ocorrer, etc. A pesquisa pública trata de temas de longo prazo, serve para aumentar o estoque do conhecimento, o que ajuda a aprimorar teorias e parâmetros científicos no país. Não há preocupação de lucro com a pesquisa, mas sim lucro para seus usuários. Com isso, quando o risco de fracasso é alto, só a pesquisa pública pode investir.

Portanto, é fundamental que existam empresas públicas na área da pesquisa agrícola. O que seria do agro brasileiro sem o Instituto Agronômico de Campinas, o Biológico, o Pesca, o Florestal, o Instituto de Zootecnia, as Universidades e a EMBRAPA? Afinal, nem café, nem cana, nem laranja, soja, milho, algodão, boi, suíno ou frango são nativos. Vieram de fora e foram aqui aclimatados por nossos órgãos de pesquisa.

Em segundo lugar, há um tema extremamente complexo: em geral, as empresas de tecnologia agrícola estão ligadas a companhias que vendem outros insumos, como fertilizantes, defensivos, máquinas, e que também oferecem crédito ao produtor rural. Com isso, a semente desenvolvida pela pesquisa privada faz parte de um pacote tecnológico e o produtor, de certa forma, compra tudo junto. E muitas vezes já contrata a venda de sua produção à mesma empresa ou a parceiras dela.

E isso a empresa pública não pode fazer: o papel dela é produzir a tecnologia que gera a semente. E, por conseguinte, ele perde mercado de sementes porque não tem o pacote todo.

E ainda tem outro problema: a empresa pública é muito mais burocratizada. Se quebra uma colhedeira na hora de colher um experimento, por exemplo, o mesmo pode ser perdido.

Mas nada disso justificaria plenamente a privatização da EMBRAPA, do IAC ou do Biológico.

O que é necessário, isto sim, é flexibilizar sua gestão, agilizar as ações, e, naturalmente, melhorar seus orçamentos, uma vez que todos têm excelentes recursos humanos treinados e capazes, alem de boas estruturas.

E um dos melhores caminhos para isso é a parceria.

No caso da EMBRAPA, uma parceria perfeita seria com o cooperativismo. As cooperativas entregam o pacote tecnológico e compram, processam e comercializam a produção dos cooperados.

Com um mecanismo desses, a EMBRAPA, ou o IAC, ganham capacidade de competir com as empresas privadas, aliás, muito necessárias para o agro brasileiro.

Há por fim, uma outra alternativa: são as Empresas de Propósito Específico, as EPEs, previstas pela lei de Inovação Tecnológica, mas, para funcionarem é preciso aperfeiçoar a lei.

Em suma: privatizações não, parcerias sim.

Fonte: Folha de S. Paulo, 21/04/2012

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp