Plano de armazenagem da Conab fica no papel

Tratado como prioridade quando foi anunciado pela presidente Dilma, há pouco mais de dois anos, o plano de modernização e ampliação da rede de armazenagem da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) não só não saiu do papel até agora como perdeu importância para o governo. Em tempos de ajuste fiscal, passou a correr o risco de ser esvaziado e virar apenas um breve rascunho daquilo que foi desenhado.

A promessa era investir R$ 500 milhões na construção de dez armazéns e na reforma de outros 80. O valor já está até defasado, devido ao encarecimento dos custos de serviços e obras – daí porque a Conab já solicitou à Casa Civil um aumento do orçamento para até R$ 712 milhões -, mas o problema principal é que, até agora, nenhuma obra foi feita.

O governo admite que o programa padece de atrasos crônicos e cogita ao menos reduzir a meta de construção de novas unidades. Até hoje, o Banco do Brasil, responsável por contratar as empresas para tocar os projetos e erguer os armazéns, não licitou uma obra sequer. Procurado, a instituição respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não há atrasos em procedimentos a seu cargo”.

Conforme o cronograma inicial, as obras deveriam ser contratadas entre outubro do ano passado e abril deste ano, mas por enquanto houve licitação apenas para as empresas que vão desenvolver os projetos executivos. Uma planilha com a estimativa dos gastos com o plano, divulgada pela Conab, projeta que, na hipótese de o Executivo realmente acatar o custo de mais de R$ 700 milhões, os últimos armazéns serão entregues somente no mês de fevereiro de 2019 – e não mais em março de 2018.

“Sem dúvidas houve atrasos e já contamos com a ideia de cortar obras. A primeira fase de contratação dos estudos durou um ano, ao invés de seis meses”, disse uma fonte do governo que acompanha todo o processo. “Obra, de fato, só no ano que vem”, disse.

No mês passado, o presidente da Conab, Rubens Rodrigues, disse que “o BB teve alguns problemas nas licitações, porque as empresas contratadas não conseguiram executar o trabalho”. Mas, segundo ele, “a sorte é que tudo está sendo refeito e em breve estamos entregando as primeiras unidades”.

A estratégia do governo com o plano é ampliar a rede de estoques públicos da Conab e elevar a capacidade total em 800.000 toneladas, voltada basicamente para milho, arroz, trigo e feijão. Hoje, a capacidade é de aproximadamente 2 milhões de toneladas. A prioridade do plano é atender à região Nordeste, onde pequenos produtores rurais frequentemente sofrem com secas e problemas de abastecimento. Entretanto, segundo levantamento da ONG Contas Abertas a pedido da reportagem, de janeiro a agosto deste ano somente R$ 8 milhões foram empenhados, dos R$ 222 milhões previstos.

Para Alysson Paolinelli, ex-ministro da Agricultura e atual presidente-executivo da Abramilho, entidade que representa produtores do cereal, o governo não pode se descuidar nessa frente. Pelo contrário, os armazéns da Conab deveriam ser estratégicos, sobretudo em regiões onde não há interesse privado. “Precisamos de armazéns da Conab onde a expansão agrícola é recente, como no norte de Mato Grosso ou no Pará. Mas vemos armazéns públicos desleixados que não estão sendo usados. Se o governo não tem dinheiro, que venda esse patrimônio para empresas ou cooperativas”, afirmou.

Como não bastasse os atrasos e o provável esvaziamento, o programa ainda teve mais uma baixa recente: em 21 de agosto último, um decreto assinado pela presidente Dilma tirou R$ 19 milhões reservados em um primeiro momento para o plano de armazenagem. Os recursos foram remanejados dentro do orçamento do Ministério da Agricultura e destinados para outro programa, o “Fomento ao Setor Agropecuário”.

Segundo o Valor apurou, como a Conab reconheceu que não conseguiria executar todas as verbas do plano de armazéns neste ano, esse montante significou, na prática, repasses para a compra de maquinário agrícola para prefeituras do “Matopiba” (confluência entre os Estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A aposta na região integra uma das bandeiras de Kátia Abreu à frente do ministério. Procurados, o Ministério da Agricultura e a Conab não concederam entrevista sobre o assunto.

Subvenção a preços perderá R$ 1.1 bilhão

Não é só nos gastos com a ampliação de sua capacidade de armazenagem que a Conab será prejudicada. Como parte do mais recente pacote de cortes em despesas obrigatórias que pretende fazer em 2016, ministros da equipe econômica do governo anunciaram há dois dias que a estatal também perderá R$ 1.1 bilhão de seu orçamento para subvencionar o programa de garantia de preços agrícolas.

Com essa decisão, a Conab deixará de contar com esses recursos para aplicar em dois dos mecanismos de intervenção nos preços mínimos de diversas culturas, estipulados pelo próprio governo. E terá à disposição, no ano que vem, apenas R$ 600 milhões para essa finalidade.

Por lei, a União é obrigada a realizar leilões ou operações de compra e venda de um produto agrícola ou alimento sempre quando o preço praticado no mercado estiver em patamar inferior ao preço mínimo. Porém, na tesoura do governo entraram o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (Pepro) e o Prêmio para Escoamento de Produto (PEP), dois programas para controle do preço mínimo. Ambos têm demandado R$ 500 milhões por ano, em média, e por isso o governo resolveu desidratá-los.

Uma fonte do governo explica que essa redução no orçamento da autarquia não impedirá o Ministério da Agricultura de executar a Política Geral de Preços Mínimos (PGPM) e não afetará outros instrumentos que fazem parte dessa política, como as Aquisições do Governo Federal (AGF) e os contratos de opção.

Adolfo Petry, dirigente da Aprosoja-MT, avalia por exemplo, que os produtores de milho do Estado não têm precisado de leilões por conta da valorização do dólar. Mas ele pondera que, “se o dólar cair de uma vez”, poderá haver problemas.

Fonte: Valor Econômico

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp