O aprendizado da agricultura no combate ao Aedes aegypti, segundo Maurício Lopes

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Maurício Lopes é presidente da Embrapa. Foto: Divulgação

O clima tropical permitiu ao Brasil intensificar sua agricultura em níveis inéditos: graças ao avanço tecnológico alcançado é possível chegar a três safras ao ano em muitas partes do território brasileiro. No entanto, a abundância de sol, calor e umidade, que favorece o desenvolvimento das lavouras, também acolhe e multiplica grande diversidade de doenças e pragas.

Para lidar com a multiplicação dessas pestes da agricultura, a pesquisa agropecuária formulou, há décadas, o Manejo Integrado de Pragas (MIP). O MIP preconiza períodos sem cultivo – chamados de “vazios sanitários” –, épocas diferenciadas de plantio, rotação de culturas, uso de materiais genéticos tolerantes ou resistentes, controle biológico de insetos-praga com o uso de vírus, bactérias, predadores e parasitas, além do controle químico. A combinação dessas soluções amplia substancialmente a capacidade dos agricultores de controlar as pragas das suas lavouras.

Experiências de sucesso no controle de inúmeros insetos-praga da agricultura podem complementar o conhecimento já desenvolvido pelos órgãos de saúde pública e auxiliar na busca de alternativas para o controle de insetos vetores de doenças. A prática de manejo integrado é uma delas e pode auxiliar na contenção da preocupante expansão populacional do mosquito Aedes aegypti, e de suas consequências graves para a população brasileira, como a transmissão de vírus causadores da dengue, chikungunya e zika.

O Aedes aegypti é um mosquito doméstico. As fêmeas se alimentam de sangue humano, e por isso vivem dentro ou ao redor de domicílios e outras construções frequentadas por pessoas. É fundamental concentrar a ação para seu monitoramento e controle em áreas com alta densidade populacional. Sobretudo onde ocorre ocupação desordenada, porque aí as fêmeas do mosquito dispõem de mais alimentos e mais locais para desovar.

Os mecanismos de adaptação e de dispersão do inseto são muito eficientes, à semelhança de diversas pragas agrícolas. Isso exige a combinação de diversos métodos e técnicas para inibir o crescimento da sua população. Cada fêmea vive de 30 a 35 dias. Nesse período, faz de quatro a seis posturas, podendo dar origem a até 1.500 mosquitos. Os ovos são distribuídos por inúmeros criadouros. Isso garante a dispersão da espécie e sua preservação, porque dificulta o seu combate. Além disso, os ovos resistem em ambientes secos por até 450 dias, permitindo que aguardem o retorno da umidade e do calor para que eclodam.

Estamos, portanto, tratando com situação inusitada, protagonizada por um organismo extremamente sofisticado e versátil. O controle químico, por meio da nebulização de inseticidas líquidos (fumacê), que matam apenas os insetos adultos em voo, tem eficiência limitada. Seu uso continuado provoca o surgimento de insetos resistentes aos principais inseticidas utilizados, além do que, não atinge o interior das residências, onde número significativo de mosquitos fica protegido.

Por tudo isso, a redução efetiva da população de Aedes aegypti requer práticas de manejo integrado, que combinem diferentes ações de controle. Além de intensificar ações de limpeza e eliminação dos locais de reprodução do mosquito, e de aplicação planejada de inseticidas químicos, de baixo impacto ambiental, onde há concentração muito alta de adultos, é necessário preparar a população para atuar diretamente na eliminação das fontes de risco no interior e ao redor das residências.

Aí, o combate às larvas dos mosquitos pode ser realizado com sucesso por meio da aplicação de biolarvicidas à base da bactéria Bacillus thuringiensis israelensis (Bti). A Embrapa e empresas parceiras já desenvolveram dois desses bioinseticidas, que são eficazes no controle das larvas, sem causar danos a humanos e animais. Assim, podem ser usados diretamente pelas pessoas, sem riscos.

Outras tecnologias, baseadas em macho-esterilidade e transgenia – que interferem na capacidade reprodutiva do inseto – e no uso da bactéria do gênero Wolbachia – que impede que o mosquito transmita o vírus da dengue ao picar alguém -, já estão em teste no país e poderão ter sua aplicação intensificada no futuro.

Do mesmo modo, estão sendo entregues para a sociedade ferramentas para monitoramento e gestão da crise e das ações de controle, na escala territorial. A Embrapa está testando, em Campinas, um sistema que integra imagens de satélites, mapas de precisão, levantamentos de campo e fotos aéreas para monitorar a luta contra o mosquito, mostrando a distribuição espacial dos casos de dengue e dos focos de mosquito, num mapa municipal com até 2 metros de detalhe.

Assim, usando o melhor conhecimento disponível, que já temos na agricultura e na saúde pública, integrando diferentes ferramentas e estratégias de controle, e mobilizando a cidadania, devidamente orientada e instrumentalizada, teremos mais sucesso no controle dessa terrível praga.

 

Artigo escrito por Maurício Lopes, presidente da Embrapa, foi publicado na edição do dia 13 de março de 2016 do jornal Correio Braziliense. 

 

Fonte: Embrapa

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