LCA ganha peso na estratégia de crédito do governo federal

Com a situação fiscal ainda crítica, uma taxa básica de juros elevada e margem de manobra cada vez menor para arcar com subsídios, o governo aposta todas as fichas nas Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) como fonte de recursos complementares para financiar o agronegócio. Sem alternativas capazes de gerar resultados no curto prazo, a ideia é facilitar e ampliar o uso desses títulos e tirar um pouco do peso das tradicionais fontes que alimentam o crédito rural no País – depósitos à vista e poupança rural, que já dão mostras de estrangulamento.

Num mundo ideal, diz uma autoridade graduada da equipe econômica, a Selic seria baixa o suficiente para desidratar de vez a dependência dos agropecuaristas do crédito rural com juros subsidiados – fixados, em média, em 9,5% nesta safra 2016/17, que começou em 1º de julho. Mas com a taxa básica ainda a 14,25% e distante de um nível mais palatável até onde a vista alcança, não restam muitas opções a não ser perseguir mudanças nas regras de direcionamento das LCAs e torná-las logo mais populares e acessíveis não só entre os grandes produtores.

De acordo com dados do BC, o saldo da poupança rural em junho caiu 1,6% em relação à posição de dezembro, para R$ 145 bilhões. Já os depósitos à vista diminuíram 16%, na comparação, para R$ 24 bilhões. “Corremos o risco de, em algum momento, a agricultura ficar muito maior que essas duas fontes”, alerta a fonte da equipe econômica do presidente interino Michel Temer.

No ano-safra 2015/16, que terminou em 30 de junho, as LCAs, mesmo tendo rendido para o crédito rural bem menos que os R$ 30 bilhões projetados, já chamaram bem mais atenção no mercado. Os desembolsos atrelados à emissão desses títulos alcançaram R$ 15.1 bilhões, acima dos R$ 15 bilhões com juros controlados do BNDES. Assim, passarem a ocupar a terceira posição no ranking de “funding” rural, atrás dos depósitos à vista e da poupança (ver infográfico).

Para isso, o governo promoveu alterações nas regras de direcionamento dos recursos provenientes das letras. Determinou, por exemplo, que 50% do valor das emissões pelos bancos com lastro em outras operações de crédito a juros controlados fosse destinado a financiamentos agrícolas. A ideia era elevar o percentual para 100% em 2016/17, mas nem tudo correu como o governo gostaria e houve problemas de operacionalização que prejudicaram a demanda pelos recursos.

Assim, ficou definido que para a safra 2016/17 35% das captações dos bancos com esses títulos teriam que alimentar o crédito rural, e que 14% desses 35% seriam ofertados com juros de 12,75% ao ano. Com as mudanças, o BC estima que as emissões de LCAs resultarão em cerca de R$ 10 bilhões ao setor do agronegócio. Um passo atrás para que dois passos adiante possam ser dados, lembrando que o título foi criado em 2004 justamente com a pretensão de torná-lo a principal fonte de financiamento da produção agropecuária brasileira no longo prazo.

Na carteira do Banco do Brasil, que lidera os desembolsos de crédito rural no País, as LCAs emitidas nos últimos anos representam R$ 135 bilhões, e o título já é, desde 2012, a segunda maior fonte de recursos para o campo. O BB avalia que os financiamentos a partir das LCAs com taxas de 12,75% deverão atingir R$ 6 bilhões em 2016/17 e que a base de produtores atendidos vai se pulverizar e crescer. “Temos grandes expectativas de alocar um volume bem significativo, e o governo também está de olho em novas regulamentações”, afirma o diretor de Agronegócios do banco, José Carlos Reis.

Mas há ressalvas. “A ideia de direcionar as LCAs faz sentido, mas a capacidade de oferecer crédito a juros controlados a partir dessa fonte é pequena”, adverte André Nassar, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura na gestão de Kátia Abreu, que entregou o cargo quando a presidente Dilma foi afastada. Mas ele concorda que o governo não tem margem para incrementar o crédito disponível, até porque os percentuais de exigibilidade dos depósitos à vista (34%) e da poupança rural (74%), origens dos recursos para o crédito rural, já são muito altos. Por outro lado, a pressão fiscal é intensa e o governo não tem espaço para aumentar as subvenções.

Nesse contexto, a Câmara Setorial do Crédito Rural do Ministério da Agricultura já traçou um plano para cobrar do governo regulamentações e políticas de fomento a novas fontes de financiamento ao setor, inclusive subsídios aos prêmios de contratos de opção. Ivan Wedekin, que também já foi secretário de Política Agrícola da Pasta e preside a câmara, afirma que, apesar de o Plano Safra continuar cumprindo seu papel, os desembolsos de crédito rural já “bateram no teto” e não conseguem superar a barreira dos R$ 166 bilhões registrados na safra 2015/16.

Além da ampliação das apostas nas LCAs, Wedekin defende a desburocratização de títulos como o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócios (CDCA), que pode ser emitido por empresas e cooperativas e que atualmente gera apenas R$ 2 bilhões. Outra ideia que já amadureceu, segundo ele, é permitir que investidores estrangeiros apliquem seus recursos em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) referenciados em dólar.

As discussões estão sendo acompanhadas pelo ministro Blairo Maggi – que, no entanto, tem outras prioridades no momento. “A diversificação de fontes está no meu radar, mas acho que se tivermos uma saída pelo seguro rural de renda primeiro, vamos resolver o problema do financiamento”, disse ele antes de viajar aos EUA para acertar a liberação do bilateral de carne bovina in natura.

Fonte: Valor

 

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