Lavoura mais produtiva e sustentável

Com o monitoramento contínuo das culturas, do sistema produtivo e da utilização de diferentes métodos de manejo no campo, é possível manter sob controle a atuação das pragas nas lavouras, em longo prazo, sem comprometer a produção agrícola e o meio ambiente. Foto: Divulgação
Com o monitoramento contínuo das culturas, do sistema produtivo e da utilização de diferentes métodos de manejo no campo, é possível manter sob controle a atuação das pragas nas lavouras, em longo prazo, sem comprometer a produção agrícola e o meio ambiente. Foto: Divulgação

Lidar com a infestação de pragas e doenças nas lavouras nem sempre foi tarefa fácil, daí os produtores rurais utilizarem, como recurso imediato, a aplicação de agroquímicos no campo, por vezes de forma indiscriminada, sem as informações corretas sobre seus efeitos ao trabalhador, à lavoura e ao consumidor final. Com o trabalho e aperfeiçoamento das pesquisas do setor agrícola, as inovações tecnológicas começaram a surgir, dentre elas novas práticas que podem ser sustentáveis e, ao mesmo tempo, garantir a lucratividade do produtor rural. Uma das mais bem sucedidas dos últimos tempos, certamente, é o Manejo Integrado de Pragas (MIP).

 

INSETO-PRAGA

Antes de explicar este sistema, é importante conceituar o que envolve tais infestações nas lavouras. Segundo a doutora Cinei T. Riffel, engenheira agrônoma e professora do curso de Agronomia da Sociedade Educacional Três de Maio (Setrem), o inseto-praga é uma espécie que, em curto espaço de tempo e em condições ambientais favoráveis, pode se multiplicar rapidamente e chegar a um nível populacional a ponto de causador de danos econômicos às plantações.

“A grande maioria das culturas de importância econômica tem determinado inseto-praga, de maior potencial de dano, que, de certa forma, sempre estará presente no cultivo. Eles são denominados de pragas-chave da cultura”, explica a engenheira agrônoma.

Ao encontrar o inseto-praga e identificá-lo, é necessário saber como acontece sua atuação na lavoura. “É fundamental que tenhamos o conhecimento das pragas-chave da cultura que estamos trabalhando, quando e em que momento elas aparecem, e quando efetivamente temos de nos preocupar com seu controle. Assim, é necessário adotarmos alguns critérios”, ressalta.

De acordo com Cinei, estes critérios são os indicativos de que realmente a presença do inseto pode levar a cultura a produzir menos. “Os indícios são a densidade populacional (chamado nível de controle, o dano já visível), nível de desfolha de plantas atacadas ou produtos da muda dos insetos, excrementos, entre outros. Estes indicadores nos levam ao monitoramento, que é a atividade-chave para todo o controle”, ensina.

Na hora de identificar a atuação do inseto-praga segundo a especialista, é importante determinar se o dano é recente e se a praga ainda está na cultura causando o prejuízo; se o estrago está relacionado somente à presença da praga ou se existem outros fatores que possam estar em interação; e se o prejuízo será mais baixo que o valor da cultura ou se está em níveis toleráveis.

 

MONITORAMENTO

O monitoramento do inseto-praga, conforme Cinei Piffel, deve ser feito por amostragens periódicas, uma das atividades fundamentais do Manejo Integrado de Pragas. Elas permitem saber qual o problema (a espécie, a densidade populacional, a desfolha etc.) auxiliando na tomada de decisão, e na adoção do melhor sistema de redução populacional.

“Além das vantagens citadas, o monitoramento ainda possibilita reconhecer os inimigos naturais, acompanhar
sua flutuação populacional, observar a fenologia da cultura, verificar os efeitos do clima e acompanhar e analisar os resultados do método empregado na redução populacional do inseto-praga.”

De acordo com a engenheira agrônoma, uma ferramenta imprescindível no monitoramento são as armadilhas que fazem a atração dos insetos. “Elas podem ser de feromônios sexuais ou ainda de alimentação, como é o caso da armadilha para moscas, em que se utiliza suco de frutas. As armadilhas com feromônios sexuais são as mais difundidas para os adultos, principalmente as mariposas (lepdópteros)”, informa.

 

O QUE PROCURAR

No processo de monitoramento, o técnico especialista ou o produtor deve procurar a presença e evidências de pragas e a existência de inimigos naturais. Também é importante estar atento às evidências de atividades e manejos que possam contribuir com o MIP, como a irrigação e a adubação, além da comprovação de perdas (natureza do dano, local e presença de praga na cultura). Caso o produtor não reconheça a praga em questão, o ideal é coletá-la e enviá-la a um centro especializado, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) ou Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) do seu Estado.

“Como acontece com a maioria dos insetos-praga, a maior ou menor incidência em qualquer cultivo e em determinado local depende de fatores abióticos, como temperatura, principalmente, e fatores bióticos, como os organismos benéficos. Os melhores exemplos são os de insetos parasitoides e predadores e dos microrganismos, como vírus, bactérias, fungos, apesar de existirem outros”, explica o pesquisador Ivan Cruz, da Embrapa Milho e Sorgo (MG).

“Onde há desequilíbrio, portanto, especialmente pelo mau uso de práticas agrícolas com efeito negativo sobre os agentes de controle biológico natural, a presença da praga é sempre maior”, alerta.

 

O QUE É O MIP

Ao entender seu conceito, como atua e como deve ser feito o monitoramento de um inseto-praga no campo, é importante que o produtor rural agora conheça o MIP. O Manejo Integrado de Pragas consiste no monitoramento contínuo da lavoura e do sistema produtivo, a fim de se conhecer e quantificar a incidência de pragas e seus potenciais danos.

De acordo com a incidência, é tomada a decisão sobre a necessidade, ou não, de se adotar o controle, e qual estratégia deverá ser usada para este fim. O importante, segundo pesquisadores, é manter o ecossistema das lavouras o mais próximo possível do equilíbrio.

Em resumo, o MIP é um plano de medidas voltadas para diminuir o uso de agrotóxicos na produção convencional, e até mesmo de transgênicos (plantas Bt), com objetivo de buscar a estabilidade das culturas agrícolas, monitorando as pragas e evitando, ao máximo, o uso de agroquímicos no sistema produtivo.

Com a adoção do Manejo Integrado, a utilização de defensores agrícolas passa a ser apenas quando os insetos-praga, que causam prejuízos às plantações, atacam de forma a causar o dano econômico. Desta maneira, o produtor ainda consegue amenizar a contaminação do meio ambiente causada pelos agrotóxicos.

 

ESTRATÉGIAS

Entre as estratégias usadas no MIP estão o controle varietal, com o emprego de materiais genéticos resistentes ou tolerantes a determinada praga; o controle biológico, com uso de inimigos naturais, como vírus, bactérias e outros insetos; controle comportamental, com a utilização de feromônios; além da utilização, em último caso, dos defensivos agrícolas.

Na fase de monitoramento, o método utiliza ferramentas como as armadilhas luminosas, de solo ou de feromônio, panos de batida, observação nas plantas com equipamentos — como a lupa entomológica —, entre outros recursos.

Pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril (MT), Rafael Pitta destaca que, além de reduzir os custos com aplicações de agroquímicos, o MIP diminui a contaminação do solo e da água, e ainda contribui para garantir a longevidade e a eficiência dos defensivos disponíveis no mercado.

 

AGROECOSISTEMA

O foco do Manejo Integrado de Pragas deve ser o agroecossistema da região infestada, até porque o método de manejo associa o ambiente e a dinâmica populacional do inseto-praga. Por isto, é importante adotar técnicas apropriadas, de forma tão compatível quanto possível, com o intuito de manter a infestação em níveis abaixo daqueles capazes de causar danos econômicos à produção agrícola.

A base do MIP é monitorar constante e eficientemente o inseto-praga — desde os ovos, passando pelas lagartas até chegar aos adultos — em todas as culturas do agroecossistema, de maneira que o técnico ou o produtor rural possa tomar uma decisão, aparentemente, simples: se o controle será biológico ou químico.

Conforme especialistas da Caravana da Embrapa de Alerta para Ameaças Fitossanitárias — grupo que reúne pesquisadores e analistas de transferência de tecnologia e comunicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e de instituições parceiras —, quando o monitoramento indica que a densidade populacional atingiu o nível de dano econômico, a tomada de decisão pelo tipo de gestão deve seguir uma lógica que priorize os controles cultural, biológico, comportamental, genético, varietal e, como última opção, o químico.

 

CONTROLE QUÍMICO

No caso de necessidade de emprego do controle químico, são utilizados produtos seletivos, em favor dos inimigos naturais e polinizadores, além da rotação de produtos por modos de ação e grupo químico, a fim de evitar a resistência do inseto-praga na lavoura. A ocorrência de recentes ameaças fitossanitárias na produção agrícola brasileira, a exemplo da Helicoverpa armigera, e seu controle na sequência, comprovam não apenas a eficácia do MIP, mas a necessidade de sua ampliação para todas as culturas agrícolas.

 

RESISTÊNCIA

A resistência a qualquer inseticida é consequência da intensificação de seu uso no campo. “Quando se faz muitas aplicações, esta seleção de insetos resistentes é acelerada. Ao adotar o MIP, o produtor naturalmente pulveriza menos e ainda faz a rotação de moléculas. Com isto, a intensificação de seleção é bem baixa”, explica Rafael Pitta, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril.

Chefe-adjunta de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agrobiologia (RJ), Ana Cristina Garafolo confirma esta informação e ainda adverte: “A aplicação constante de inseticidas para controle de pragas pode causar sérios problemas à saúde do trabalhador rural, de sua família, do meio ambiente de produção e, finalmente, dos consumidores dos produtos”.

 

CONTROLE BIOLÓGICO

Alternativa para o problema dos insetos-praga que atacam as lavouras, o controle biológico é um processo ecológico de redução destas populações, baseado no fato de que na natureza existe uma série de predadores naturais, como microrganismos (fungos, bactérias, vírus, entre outros), aves, mamíferos (tamanduá, por exemplo), peixes e insetos, que os utiliza como fonte de nutrição”, ensina.

De acordo com Ana Cristina, os insetos benéficos para os cultivos agrícolas não devem ser confundidos com os demais que causam danos às lavouras. “É necessário, portanto, distinguir os inimigos naturais das pragas e entender que, se são inimigos das pragas, são amigos dos produtores. Assim, para o agricultor é aconselhável saber diferenciar os predadores das pragas de sua lavoura, por meio das características morfológicas que eles apresentam”, orienta a técnica da Embrapa.

 

INSETOS BENÉFICOS

Entre os inseticidas biológicos disponíveis no mercado estão aqueles que agem provocando uma doença nos insetos (entomopatógenos): os baculovírus e o Bacillus thuringiensis (Bt) — aplicados em lavouras transgênicas. Também há estudos da Embrapa sobre a utilização de parasitoides no controle de ovos de lagartas e percevejos. Os produtos biológicos têm eficiência comprovada pela pesquisa, mas precisam de cuidados especiais para utilização.

Pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo (MG), Ivan Cruz destaca a importância dos insetos benéficos no controle de lagartas, por exemplo, com o uso de vespinhas Trichogramma. Estes “insetos do bem” têm cerca de meio milímetro e parasitam ovos de pragas, como a lagarta-do-cartucho e a Helicoverpa armigera.

“As vespinhas têm a vantagem de evitar o aparecimento das lagartas, pois parasitam o ovo da praga”, explica
Cruz, ressaltando que o Trichogramma está registrado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para uso em culturas de milho, soja e tomate.

 

CALENDÁRIO DE APLICAÇÃO

O que parece simples nem sempre é adotado no campo. Em muitas lavouras brasileiras, os inseticidas são usados sem que sejam considerados a presença efetiva das pragas e/ou o nível de dano que elas causam. Isto ocorre em função da utilização de um calendário de aplicação de produtos químicos, com inseticidas associados a outros produtos.

“Procedendo desta maneira, o agricultor tende a realizar aplicações de inseticidas muito antes do momento adequado e a gastar mais produto do que o necessário. O maior número de aplicações tem como consequência o aumento do custo da produção, eliminação de agentes de controle biológico e aumento do risco de desenvolvimento de pragas resistentes”, alerta Samuel Roggia, pesquisador da Embrapa Soja (PR).

“O MIP promove o controle racional das pragas, por meio da associação de diferentes táticas, entre elas: o uso de cultivares mais resistentes às pragas, a utilização de controle biológico, a prioridade aos agrotóxicos mais seletivos aos insetos benéficos e mais seguros ao homem e ao meio ambiente e, principalmente, o uso racional dos agroquímicos.”

 

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Fonte: Revista A Lavoura – edição nº 710/2015

 

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