Irrigação que cabe no bolso

Com tubulação de esgoto e garrafa pet é possível fazer um sistema de irrigação? Se depender do professor Edmar Scaloppi, do Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Unesp, a resposta é “sim”. Foto: Edmar Scaloppi
Com tubulação de esgoto e garrafa pet é possível fazer um sistema de irrigação? Se depender do professor Edmar Scaloppi, a resposta é “sim”. Foto: Edmar Scaloppi

A partir do desejo de democratizar a irrigação, o professor desenvolveu os Sistemas de Irrigação Alternativos de Baixo Custo. “A irrigação no Brasil ainda é muito incipiente, limitada, e uma das razões para esta limitação é que se trata de uma atividade elitista, uma tecnologia de alto custo”, afirma Scaloppi. “Se a consideramos como um insumo, certamente é o mais caro, deixando um contingente de agricultores sem acesso a esta tecnologia”, conclui.

 

BAIXO CUSTO E EFICIÊNCIA

Para tentar reverter este cenário, o professor resolveu demonstrar a eficiência econômica e prática do seu projeto. Em uma área da Fazenda Experimental Lageado, em Botucatu, interior de São Paulo, foram instalados os sistemas de irrigação alternativos. E, lá, estão a tubulação de esgoto e a garrafa pet.

A eficiência do projeto é demonstrada também pela sua versatilidade. O sistema pode ser utilizado em qualquer tipo de solo e adaptado a diversas técnicas de irrigação, entre elas, irrigação por sulcos, aspersão e gotejamento. Scaloppi explica que o preço médio para utilização deste sistema alternativo pode chegar a R$ 300 por hectare.

“Temos demonstrado no campus universitário da Unesp, em Botucatu, um sistema em operação com sulcos de 120 metros de comprimento a um custo de R$ 500/ha. Aumentando-se o comprimento dos sulcos, em solos e topografias mais favoráveis, o custo será proporcionalmente reduzido”. Para se ter uma ideia, o pesquisador calcula que o sistema convencional possa custar quatro ou cinco vezes mais.

 

INDEPENDÊNCIA DO PRODUTOR

Além do custo menor, outra vantagem na utilização deste sistema é a autonomia do agricultor, no que se refere ao manejo da irrigação. “Propositalmente utilizamos elementos descartáveis, para que o irrigante se identificasse e pudesse estabelecer uma relação de autonomia com o sistema”, diz o inventor do projeto, lembrando que o produtor acaba tornando-se “um gestor habilitado”. “Esse é o diferencial do projeto, o agricultor passa a ter iniciativa e não mais depender da assistência técnica de uma empresa, que cobra caro por isso”.

Quanto à manutenção, o produtor também pode ficar aliviado. O sistema funciona com baixa pressão da água, o que afasta possíveis problemas de vazamento ou rompimento da tubulação. “Um dos primeiros experimentos, que completou oito anos de funcionamento, nunca apresentou nenhum ocorrência”, diz Scaloppi.

 

RECONHECIMENTO

O projeto do professor Edmar Scaloppi vem alcançando grande reconhecimento. Em outubro de 2013, seu sistema recebeu a certificação de Tecnologia Social, da Fundação Banco do Brasil. Agora, o projeto está disponibilizado no site da fundação, podendo ser acessado por qualquer pessoa que esteja interessada em conhecer mais sobre a nova técnica de irrigação. (http://www.fbb.org.br). A Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais também deu destaque ao trabalho do professor, transformando-o em um Boletim Técnico.

Scaloppi lembra que 2014, declarado o Ano da Agricultura Familiar pela FAO, é um momento especial para que ideias como essa sejam difundidas e apoiadas. “É importante para que o produtor possa ter uma qualidade de vida melhor, para ser competitivo e conseguir assegurar seu lugar no mercado”.

 

PRÓXIMOS PASSOS

O inventor dos sistemas lembra ainda a existência de um projeto de agroecologia, já aprovado pelo CNPQ, que possibilitará a capacitação e treinamento de agricultores para a implementação do sistema, que vai ocorrer ainda este ano. “O agricultor precisa ver a tecnologia, através da demonstração, saber que o sistema funciona de verdade. É muito interessante ver a resposta imediata e sincera do produtor”, conta Scaloppi.

E as expectativas não param por aí. Com o apoio da Fundação Banco do Brasil, Scaloppi espera os próximos passos. “Há pessoas trabalhando para a redução na alíquota de tubos de esgoto, quando comprados por produtores rurais, já que se trata de interesse social. Assim, poderemos reduzir ainda mais o custo final do sistema”.

 

COMO FAZER

Irrigação de baixo custo envolve um conceito básico de redução de custos de investimento e operacionais dos principais sistemas de irrigação, sem comprometer seu desempenho técnico e a qualidade ambiental.

  • Irrigação por sulcos

Resgatando a técnica “cablegation”, desenvolvida nos Estados Unidos, empregando-se tubulação de esgoto sanitário para derivação de água aos sulcos. A possibilidade de trocar as perdas de água no final das parcelas por acréscimos de área irrigada, mesmo com alguma deficiência hídrica intencional, favorece a economia dos projetos e incorpora conceitos modernos de “irrigação deficiente” e “efeitos compensatórios de déficits hídricos moderados nas culturas” contribuindo para assegurar a sustentabilidade da agricultura irrigada. Com essa estratégia, sempre haverá espaço para armazenar água de chuva e resgatar a uniformidade de aplicação, reduzindo o escoamento superficial, que poderia acelerar processos erosivos com degradação do solo e da água e agravar o assoreamento de reservatórios.

Sendo adequadamente dimensionados e operados podem revelar desempenhos comparáveis aos mais sofisticados sistemas de irrigação pressurizada, utilizando águas superficiais, que mesmo estando altamente contaminadas por substâncias orgânicas e minerais, inclusive coliformes fecais, contribuem para mitigar esse prejuízo ambiental, enriquecer o solo com nutrientes, além de assegurar a qualidade da produção, até mesmo para o consumo in natura, uma vez que a água não entra em contato com a parte da planta a ser consumida.

Além disso, utilizam a gravidade terrestre para distribuir a água na área irrigada e, portanto, podem dispensar estações de bombeamento ou reduzir drasticamente as dimensões dessas estações e o consumo de energia. Operação simples, sendo facilmente integrados às expectativas dos irrigantes que, quando adequadamente orientados, tornam-se competentes gestores em seus projetos.

Temos demonstrado no campus universitário da Unesp em Botucatu, um sistema em operação, com sulcos de 120 m de comprimento, a um custo de investimento avaliado em R$ 500,00 por hectare. Aumentando-se o comprimento dos sulcos, em solos e topografias mais favoráveis, o custo será proporcionalmente reduzido.

A facilidade operacional e a possibilidade de incorporar fertirrigação, também de baixo custo, utilizando fertilizantes comuns, e até mesmo orgânicos, tornam o sistema bastante ajustado às expectativas de agricultores descapitalizados, praticantes de agricultura orgânica ou tradicional, e satisfazendo as principais exigências que a sociedade requer de projetos agropecuários que incorporam uma reconhecida interferência ambiental.

  • Aspersão convencional fixa

A seleção adequada dos aspersores representa uma oportunidade decisiva para racionalizar o consumo de água e energia. Aspersores pequenos, dotados de bocal único com diâmetros em torno de 3 mm, podem operar satisfatoriamente quando espaçados de 12 m, acionados por cargas hidráulicas próximas a 20 m, com significativa redução no consumo de energia e nas dimensões das instalações de bombeamento.

Nessas condições, tubulações de PVC para aplicações sanitárias, portanto, sem especificações de resistência à pressão, poderiam integrar a rede de distribuição de água e, se enterradas a 30 cm de profundidade, contemplam uma estimativa de vida útil superior a 20 anos.

A intensidade média de precipitação, inferior a 4 mm/h, praticamente elimina a possibilidade de ocorrência de escoamento superficial em qualquer condição topográfica ou tipo de solo. O maior período de aplicação de água pode transformar as variações na velocidade e direção dos ventos em maior uniformidade de distribuição espacial da água aplicada e facilitar uma conveniente operação noturna, usufruindo tarifas diferenciadas de energia elétrica.

  • Irrigação por gotejamento

Neste método, são utilizados microtubos “spaghetti” com 1,5 mm de diâmetro com carga manométrica inferior a 2m. A derivação de água aos microtubos é realizada com mangueiras comuns ou tubulações de PVC para aplicações sanitárias e o conjunto pode ser enterrado para se evitar riscos acidentais.

Os diâmetros dos microtubos, muito superiores aos gotejadores comerciais, reduzem a possibilidade de obstruções e permitem maior flexibilidade.

A reduzida pressão operacional pode eliminar a necessidade de pressurização por bombeamento ou reduzir bastante o consumo de energia. O sistema torna-se particularmente vantajoso em culturas perenes com razoáveis espaçamentos entre as plantas cultivadas, em geral, acima de 3 m.

Para aumentar a uniformidade de emissão, recomenda-se adotar tubulações com diâmetros suficientes para minimizar as perdas de carga por atrito nas tubulações que abastecem os microtubos spaghetti.

 

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Fonte: Revista A Lavoura – Edição nº 702/2014

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