Identificado composto benéfico para saúde em soro de leite

Ao analisar pequenas partes de proteína (peptídeos) do soro de leite, pesquisadores da Embrapa, da UFRJ e da UFSC identificam um componente com potencial de minimizar os efeitos adversos da hipertensão, uma doença que atinge mais de um bilhão de pessoas no mundo. Foto: Thomas May/Divulgação Embrapa
Ao analisar pequenas partes de proteína (peptídeos) do soro de leite, pesquisadores da Embrapa, da UFRJ e da UFSC identificam um componente com potencial de minimizar os efeitos adversos da hipertensão, uma doença que atinge mais de um bilhão de pessoas no mundo. Foto: Thomas May/Divulgação Embrapa

Ao analisar pequenas partes de proteína (peptídeos) do soro de leite, pesquisadores da Embrapa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) identificaram um componente com potencial de minimizar os efeitos adversos da hipertensão, uma doença que atinge mais de um bilhão de pessoas no mundo. Testes in vitro indicaram vasodilatação nas artérias das cobaias entre 80% a 100%. O soro de leite é um subproduto agroindustrial resultado da fabricação de queijos e derivados.

“Esse resultado é um indício bastante promissor da capacidade anti-hipertensiva de peptídeos do soro de leite, com efeito bastante similar aquele obtido com medicamentos”, afirma o professor José Eduardo da Silva Santos, do Laboratório de Farmacologia Cardiovascular da UFSC, responsável pela realização das análises de atividade biológica.

Ele explica que o diferencial dessa pesquisa é o processo tecnológico de preparo e fracionamento do soro de leite desenvolvido na Embrapa, que gerou um ingrediente de alto valor agregado a produtos e pode vir a ser utilizado como auxiliar no controle da hipertensão. Seu estudo analisou o efeito em aorta de cobaias, e agora deve avançar para análises in vivo, inclusive com humanos.

“A ideia é conhecer melhor os mecanismos da atividade anti-hipertensiva para validar o modelo em doentes com um grau de segurança no uso de substância”, revela.

RESULTADOS

Para alcançar esse índice de relaxamento das artérias, os pesquisadores testaram mais de dez amostras até chegar a uma composição ideal.

“Na pesquisa realizada validamos 25 peptídeos, dentre os quais cinco com características similares, ainda não mencionados na literatura. Tais descobertas proporcionam um aumento no interesse industrial, que poderá incorporar o soro ou frações dele a diversos produtos alimentícios ou nutracêuticos”, conta Luísa Rosa, mestranda do Programa de Ciências de Alimentos da UFRJ, que realizou o trabalho sob a orientação das pesquisadoras da Embrapa Agroindústria de Alimentos Lourdes Cabral e Caroline Mellinger.

Atualmente, Mellinger é líder de dois projetos de pesquisa que buscam desenvolver um ingrediente biologicamente ativos do soro de leite, financiados pela Embrapa e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

TESTES

Na pesquisa realizada, o soro de leite foi concentrado por ultrafiltração e as proteínas do soro de leite foram parcialmente hidrolisadas, quebradas em moléculas menores conhecidas como peptídeos. Após a passagem dessas pequenas partículas de proteína pelo processo de fracionamento por membranas para separação dos peptídeos, foi realizada uma simulação do processo digestivo para que se avaliem as alterações químicas e biológicas do trato gastrointestinal humano.

Estes peptídeos gerados e fracionados foram então secados por atomização, para a obtenção de um produto em pó, o qual já pode ser considerado um novo ingrediente a ser incorporado pela indústria alimentícia, nutracêutica ou farmacêutica.

“Cientificamente, o soro de leite vem sendo amplamente estudado , especialmente, as possíveis propriedades funcionais de suas proteínas parcialmente hidrolisadas (peptídeos), e suas ações sobre o sistema cardiovascular, nervoso e imunológico,” conta Mellinger, que trabalhou em conjunto na caracterização dos peptídeos com os pesquisadores Carlos Bloch Junior e Luciano Paulino, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

“Com essa pesquisa, conseguimos identificar um conjunto de peptídeos anti-hipertensivos, que nos impulsiona a continuar realizando mais testes de comprovação da eficácia do produto”, informa a pesquisadora.

ALIMENTOS FUNCIONAIS

A par das comprovações dos benefícios do novo ingrediente para a saúde e de seu potencial de utilização na indústria alimentícia,, ainda resta à equipe de pesquisadores um desafio tecnológico: retirar o amargor resultante dos peptídeos liberados na hidrólise do soro de leite.

Para avaliar a aceitação do consumidor desse ingrediente em formulações alimentícias, as pesquisadoras realizaram uma análise sensorial do produto em pó adicionado a uma sobremesa láctea comercial sabor chocolate branco. O teste foi realizado no Laboratório de Análise Sensorial e Instrumental da Embrapa Agroindústria de Alimentos, sob a orientação da pesquisadora Rosires Deliza.

Cem provadores participaram do teste aos quais foram oferecidas duas amostras sem identificação e de forma aleatória, uma com e outra sem o ingrediente funcional. Dentre os cem provadores registrados, 81 atribuíram notas maiores que sete à sobremesa adicionada de peptídeos e 78% relataram que certamente a comprariam. Em relação à sobremesa comum, apenas 71 pessoas atribuíram nota maior que 7% e 66% delas a compraria.

A preferência do consumidor se mostrou maior por aquela sobremesa com ingrediente funcional, sem que o sabor interferisse na sua escolha.

“Pretendemos continuar testando esse ingrediente em outros produtos alimentícios. Vamos agora trabalhar no desenvolvimento de um produto salgado, com baixo teor de sódio”, relata Luísa Rosa, bolsista da Embrapa Agroindústria de Alimentos e doutoranda do Programa de Ciências de Alimentos da UFRJ.

IMPACTO AMBIENTAL

A cadeia produtiva do leite no Brasil cresceu mais de 30% na última década, alcançando 34 bilhões de produção de litros de leite em 2013, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento do setor é de aproximadamente 5% ao ano. A maior parte desse volume é canalizada para a produção de mais de 600 mil toneladas de diversos tipos de queijo por ano.

O volume de soro gerado com a produção de queijo depende do tipo do laticínio. Em média, cada quilo de quejo gera oito litros de soro, o que significa uma produção anual de mais de quatro bilhões de litros deste subproduto no Brasil. Anualmente, estima-se que metade desse montante é descartado no meio ambiente, o que representa mais de dois bilhões de litros.

“Este dado é alarmante, não só pelas perdas comerciais e de geração de renda ao setor produtivo, mas também pela forma de descarte inadvertido, como efluentes não tratados, gerando alta taxa de contaminação orgânica na água e resultando em um grande problema ambiental”, lamenta Caroline Mellinger.

APROVEITAMENTO

Mesmo com essa grande produção de soro de leite, atualmente o Brasil é um dos maiores importadores mundiais do produto em pó, alcançando mais de 20 milhões [kg/ano? Toneladas/ano?] para atender o mercado interno, segundos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

“Principalmente os pequenos laticínios não possuem volume e padrão para aproveitar o potencial do soro de leite resultante da produção de queijos e derivados e acabam desperdiçando ou subutilizando um produto de alto valor nutricional e comercial”, conta o pesquisador Amauri Rosenthal, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

A preocupação com a sustentabilidade ambiental, aliada ao interesse em aumentar a competitividade do setor lácteo, levou uma equipe de pesquisadores da Embrapa a desenvolver projeto para incremento da competitividade das cooperativas da cadeia leiteira nos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

O foco do trabalho é em inovações tecnológicas e melhorias de processo, incluindo o aproveitamento de soro de leite de pequenas queijarias, a fim de definir alternativas de processamento e desenvolvimento de novos produtos, a partir desse coproduto.

“Estamos desenvolvendo um modelo logístico de decisão de investimentos que leva em consideração diferentes parâmetros, como distância e custo de transporte, qualidade do soro de leite, custos de investimento e escalas mínimas de produção”, conta Rosenthal, líder do projeto. A equipe também trabalha no desenvolvimento de bebidas à base de soro de leite adicionadas de suco de frutas.

FINANCIAMENTO

Esses projetos são financiados pela Agência Australiana para o Desenvolvimento Internacional (Ausaid), pela Faperj e pela Embrapa. No caso da cooperação com a Austrália, o projeto consolida uma parceria com a Commonwealth Scientific and Industrial Research Organization (CSIRO). Além de Austrália e Brasil, esse projeto também agrega parceiros da Argentina, Colômbia e Uruguai.

O modelo logístico brasileiro, inspirado na experiência australiana, identificará a localização ideal de possíveis unidades de concentração aqui no País para secagem de soro de leite, considerando unidades já existentes nas plantas industriais com capacidade ociosa.

Na Austrália, o aproveitamento do soro de leite na indústria alimentícia chega a quase 100%, praticamente sem desperdício nem prejuízo para o meio ambiente, segundo o pesquisador da Embrapa.

“A ideia é seguirmos por esse mesmo caminho no Brasil”, prevê. A equipe do projeto deve lançar um manual de aproveitamento do soro de leite até o fim de 2015 no idioma espanhol. A versão em português estará disponível em 2016.

SUPLEMENTO ALIMENTAR

O soro de leite como suplemento alimentar é legislado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. É um subproduto da cadeia de laticínios, rico em água, lactose, sais minerais e proteínas.

De alto valor nutricional, vem sendo comercializado em líquido ou em pó e apresenta grande aceitação pelos consumidores, especialmente pelos praticantes de esportes em academias, conhecido como whey protein.

É utilizado principalmente na fabricação de bebidas lácteas, iogurtes, queijos, formulações infantis e bebidas para atletas, podendo conter teores de proteínas de 8% à 98%, dependendo do produto.

Fonte: Embrapa Agroindústria de Alimentos

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