IAC cria laranja transgênica mais resistente ao amarelinho

Maior produtor e exportador de suco de laranja do mundo, com mais de 80% do mercado global, o Brasil poderá anunciar nos próximos anos um feito marcante dos pontos de vista científico e agronômico, mas que suscita preocupações: o desenvolvimento da primeira laranja transgênica do mundo com maior resistência a duas doenças de forma simultânea: o amarelinho e o cancro cítrico.

Causadas pelas bactérias Xylella fastidiosa e Xanthomonas citri, respectivamente, essas doenças são antigas e recorrentes nos pomares. Levam à perda de produtividade e, eventualmente, à morte da planta.

A descoberta inédita, que começou a ser desenvolvida há sete anos por duas pesquisadoras do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com recursos da Fapesp, foi publicada em artigo de capa da revista Molecular Plant-Microbe Interactions, da Associação Americana de Fitopatologia.

A pesquisa abrangeu duas variedades de laranja doce e utilizou um gene da própria Xylella para “enganar” a genética. Ao inseri-lo na planta, as pesquisadoras Raquel Caserta, pós-doutoranda no IAC, e sua orientadora Alessandra Alves de Souza provocaram o que chamam de “confusão do patógeno”.

A grosso modo, isso significa que a planta, agora com o gene de seu invasor, passa a produzir uma molécula que interfere no sistema de comunicação das bactérias, fazendo com que se movimentem menos e, por consequência, colonizem menos a planta. O resultado são árvores mais resistentes à doença.

“A transgenia reduziu em 60% o CVC”, diz Alessandra, referindo-se à Clorose Variegada dos Citros, o nome científico do amarelinho. “Não evitamos que a Xylella entre nos vasos da planta. Ela é transmitida por insetos. Mas uma vez lá, reduzimos o avanço”, disse.

Para a surpresa das pesquisadoras, o mesmo gene da Xylella mostrou sinais importantes de retardamento da proliferação bacteriana também para o cancro, ampliando mais seu potencial de uso.

A dupla resistência foi especialmente comemorada porque veio associada a uma bactéria “especial” para a academia brasileira. Em 2000, pesquisadores do país (Alessandra entre eles) apresentaram ao mundo o sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa, no que se revelou o maior projeto científico já realizado no Brasil.

A aposta na Xylella surgiu após o período de um ano em que Alessandra passou na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em 2010. Ao lado do Dr. Steve Lindow, pesquisador do laboratório de biologia de plantas e microorganismos, ela se deparou com o manuseio do gene da bactéria em mudas de uvas.

No Hemisfério Norte, o amarelinho assola diversas culturas – uvas e oliveiras são duas grandes vítimas. Os progressos eram visíveis. Alessandra não teve dúvidas: se dava certo com uvas, poderia funcionar também com laranjas.

O amarelinho gera frutos pequenos e de amadurecimento precoce. A doença foi identificada no Brasil em 1987, no Triângulo Mineiro e em São Paulo. Segundo o Fundecitrus, entidade mantida pela indústria e produtores, o problema ocorre em intensidades diferentes no país.

Ainda que esteja relativamente controlada nesses estados, as pulverizações para o combate ao “greening” acabam matando as cigarrinhas transmissoras da Xylella. Os índices da doença na Bahia e Sergipe ainda são preocupantes.

A modificação genética como solução para problemas do campo atende aos interesses da indústria e do produtor, mas deve gerar ruído em outros grupos. Ao contrário de outras commodities agrícolas modificadas, a laranja pode ir diretamente para a mesa do consumidor.

“Teoricamente, a transgenia está na estrutura da planta, não na laranja. Mas se chegar, não tem problema. Comemos bactérias todos os dias nos alimentos. E esta não faz mal”, disse Alessandra.

Essa linha de pesquisa é uma entre várias realizadas pelos institutos, o que inclui o melhoramento tradicional e a cisgenia (mudança genética entre plantas do mesmo gênero). Além do amarelinho e do cancro, a transgenia é estudada no IAC para outras doenças dos laranjais, como greening e leprose, todas ainda em estágio laboratorial.

As mudas modificadas ainda estão em estufas, sob ambiente controlado e em vasos. O próximo passo será levá-las para o campo, onde frutificarão e gerarão os resultados científicos necessários antes da comercialização.

Para tanto, o IAC vai protocolar ainda este ano o pedido de Liberação Planejada em Meio Ambiente, na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que regula os transgênicos. A liberação deverá ocorrer no ano que vem. A comercialização, no entanto, não deverá vir antes de quatro anos.

Nos EUA, a transgenia em laranjas visa, sobretudo, à resistência ao “greening”. As pesquisas, no entanto, ainda estão em fase inicial.

 

Fonte: Valor Econômico

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