Genômica e melhoramento genético em bovinos

No campo da genética molecular, a mais importante descoberta do século 20 foi a da estrutura da molécula de DNA, em 1953, por James Watson e Francis Crick. Esse feito possibilitou o desenvolvimento de métodos para analisar a estrutura e a função do material genético de equipamentos para análises automatizadas de grandes quantidades de amostras, de métodos estatísticos e de ferramentas de informática, resultando na ciência conhecida como genômica. Destaca-se ainda o surgimento de estudos aplicados ao melhoramento animal e a inserção de novas características de interesse econômico nos programas de avaliação genética de bovinos.

Essas características, geralmente, são influenciadas pelo meio ambiente e controladas por muitos genes, cada um contribuindo com pequeno efeito sobre o fenótipo do animal, podendo resultar em complexas interações gênicas. É possível mapear um gene ou blocos de genes adjacentes que afetam as características quantitativas por meio de marcadores moleculares em uma população e com delineamento experimental, que origine desequilíbrio de ligação (DL). O conceito de DL refere-se à associação não aleatória entre dois genes ou entre uma região genômica associada a uma característica de interesse e certo marcador molecular.

Estima-se que o genoma bovino seja composto por cerca de 22 mil genes e 2,87 bilhões de pares de nucleotídeos. Os genes são formados por segmentos de DNA, os quais são responsáveis pela expressão de características que são medidas nos bovinos como, por exemplo, peso em diferentes idades, ganho de peso, idade ao primeiro parto, período de lactação, circunferência escrotal, espessura de gordura, maciez da carne, entre outras.

Já os marcadores moleculares são variações no genoma que caracterizam as diferenças fenotípicas entre dois ou mais indivíduos. Esses marcadores variam quanto à confiabilidade, à reprodutibilidade, ao custo de análise e à natureza de seu polimorfismo. Quando os marcadores moleculares se mostram associados com características de interesse, eles podem constituir poderosa ferramenta no processo de melhoramento genético animal.

Entre os diversos tipos de marcadores, os polimorfismos de base única (Single Nucleotide Polymorphism – SNP) se destacam na aplicação da genômica. Os SNPs são alterações em uma única base na molécula de DNA de um indivíduo em comparação com um genoma de referência e estão distribuídos por todo o genoma. Esses marcadores podem ser analisados simultaneamente em sistemas automatizados contendo milhares de SNPs, os chamados “chips de SNPs”. A automatização permitiu que estudos genômicos pudessem ser feitos com amostras contendo um grande número de indivíduos.

Tradicionalmente, as avaliações genéticas realizam a seleção dos animais com base em dados fenotípicos e de pedigree. Esses valores são disponibilizados na forma de Diferença Esperada na Progênie (DEP), que é a metade do valor genético predito e representa o desvio esperado da média dos filhos de um dado indivíduo para uma característica em relação à base genética da população avaliada. Quanto mais precisa for a DEP, maior será o progresso genético obtido ao se utilizar essas informações na seleção. Além disso, quanto mais precoce for à obtenção de DEPs, mais rápido se dará o avanço genético de um rebanho/população por unidade de tempo, como resultado do uso mais intenso de animais jovens na reprodução.

Os chips de SNPs podem ser divididos em dois tipos: estudos de associação genômica ampla (Genome Wide Association Studies – GWAS) e seleção genômica (Genomic Selection – GS). A teoria da genética de associação e da seleção genômica baseia-se no fato de que análises realizadas com grande número de marcadores espalhados por todo o genoma aumentam a probabilidade de que regiões associadas com características de interesse estejam em forte desequilíbrio de ligação com os marcadores.

Em GWAS são estudadas grandes populações em que os indivíduos se relacionam entre si por meio de um ancestral comum em um dado tempo. Esta técnica visa mapear regiões genômicas e identificar genes candidatos que influenciam características de interesse econômico. Já a GS, pode ser estudada a própria população de melhoramento, sendo o objetivo utilizar os SNPs como ferramenta auxiliar na predição de DEPs mais acuradas, contribuindo para um processo de seleção genética mais eficiente. O intuito da GS é a obtenção de um modelo que possa predizer o valor genético do indivíduo, mas que não necessariamente determine genes específicos envolvidos no controle do fenótipo em questão.

O impacto dessas tecnologias requer a existência de banco de dados compostos por informações fenotípicas e genotípicas de um grande número de indivíduos. A genômica tem potencial de viabilizar nos programas de melhoramento a inclusão de características de difícil mensuração ou de alto custo, pois otimizará a avaliação genética, tornando possível predizer DEPs confiáveis, com menor volume de dados e com redução nos intervalos de gerações.

Em programas de melhoramento de gado de leite os dados genômicos utilizados junto aos fenotípicos e genealógicos têm trazido benefícios expressivos. Neste caso, a genômica vem substituindo os testes de progênie, ferramenta tão importante onde o produtor não podia obter dados confiáveis de produção de leite até as filhas de um touro entrarem em lactação. Ao deixar de realizar o teste de progênie, a indústria tem economizado milhões de dólares que eram destinados anualmente para testes de touros jovens.

Neste cenário, é fundamental a transferência de conhecimentos e tecnologias gerados pela genômica aplicada, pois os avanços radicais em melhoramento genético animal só ocorrerão se esses resultados forem incorporados à rotina dos produtores e em seus sistemas de produção.

 

Artigo escrito por Fabiane Siqueira, pesquisadora de Genômica e Melhoramento Animal da Embrapa Gado de Corte

Fonte: Embrapa Gado de Corte

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