Funrural: retorno da contribuição do empregador pessoa física causa polêmica

Deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se reúnem com ministro do STF Gilmar Mendes (ao centro). Em pauta, o retorno da cobrança da contribuição do empregador rural pessoa física ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Foto: Divulgação FPA

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, reconheceu a constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), em decisão tomada no último dia 30 de março.

A partir daí, várias instituições representativas do setor agropecuário começaram a protestar contra a determinação da Suprema Corte e estão agora mobilizando até advogados, por todo o país, com o intuito de barrar o retorno desse tributo que, até então, estava suspenso judicialmente desde 2011.

Nesta quarta-feira, seis de abril, o ministro do STF Gilmar Mendes recebeu deputados que integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e o presidente nacional da Associação de Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Almir Dalpasquale, para tratar desse tema.

Antes disso, deputados da chamada bancada ruralista da Câmara Federal emitiram uma nota protestando contra essa decisão do STF: “Apesar de respeitar uma decisão judicial, que é a base de qualquer Estado democrático, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ressalta sua profunda discordância em relação ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal”.

“A decisão do STF constitui em ônus adicional para o produtor rural, comprometendo a capacidade de investimentos futuros na sua atividade e, consequentemente, impactando seriamente a participação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de um setor que alcançou quase um quarto da soma de todos os bens e serviços produzidos no país”, descreve a nota da FPA.

O deputado federal Luis Carlos Heinze, responsável pelo Projeto de Lei nº 848 de 2011, desde então, vem propondo o fim da cobrança do Fundo. O parlamentar, que ainda propõe a realização de uma audiência pública e já apelou para o plenário da Câmara, entrou com o projeto há seis anos, ao mesmo tempo em que inúmeras liminares de outros produtores, de todo o país, impediam a cobrança do tributo.

De acordo com informações da assessoria do deputado, o PL 848 já passou pela Comissão de Agricultura e está parado na Comissão de Finanças e Tributação dentro da Câmara. “É preciso apoio. É importante que os produtores se posicionem a respeito”, conclama Heinze.

 

Deputado federal Luis Carlos Heinze é responsável pelo Projeto de Lei nº 848/2011, que propõe o fim da cobrança do Funrural. Foto: Divulgação

O QUE É O FUNRURAL

O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) ou Contribuição Social Rural (CSR) é uma contribuição social destinada a custear a seguridade geral (o Instituto Nacional de Seguridade Social, o INSS). Ele é cobrado sobre o resultado bruto da comercialização rural e descontado, pelo adquirente da produção, no momento da comercialização.

Até 2011, a alíquota era de 2,1%, sendo 2% destinado ao Instituto Nacional do Seguro Social  (INSS) e 0,1% para o RAT (Riscos Ambientais do Trabalho), além da contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

Criada pela Lei nº 8.315/91, a contribuição ao Senar, embora não fizesse parte do Funrural, por ter natureza jurídica diferente, ainda que fosse sobre o valor da venda da produção, era recolhida na mesma Guia da Previdência Social (GPS), segundo informações que constam no artigo “Previdenciário/Trabalhista – 2014/1419”, de autoria dos advogados Lucas Rezende Moss e Ludymilla Spagnol, publicado no site Fiscosoft.

De acordo com os especialistas, a cobrança da contribuição ao Funrural se dava (até ser suspenso em 2011) pelo regime de substituição tributária. “Era retido o percentual a pagar ao produtor rural e a contribuição do Fundo era repassada ao Fisco pelos adquirentes da produção, tais como frigoríficos e cooperativas.“

 

ENTENDA O CASO

O processo julgado pelo STF havia sido ajuizado pela União contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) – que abrange os Estados de Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina –, afastando a incidência da contribuição ao Funrural, em 2011.

De acordo com publicação do Valor (veja link encurtado: ow.ly/ivTL30aC3m3), muitas cooperativas do Paraná e de Santa Catarina, além de aproximadamente 90% dos frigoríficos daqueles Estados, há seis anos não recolhiam mais o Funrural.

Ainda conforme a publicação, produtores rurais ligados a várias associações e entidades do agro, que conseguiram tutelas da Justiça e até ações com trânsito em julgado, que determinaram o fim da contribuição, também pararam de pagar a taxa. O valor que deixou de ser recolhido, desde então, pode passar de R$ 7 bilhões, conforme o Valor.

Após a votação, o STF determinou a suspensão imediata de todos os processos que envolvem o Funrural, alegando que “é constitucional a contribuição social de empregador rural pessoa física instituída pela Lei 10.256 de 2001 incidente sobre receita obtida com a comercialização da sua produção”.

 

AUDIÊNCIA NO STF

Na audiência com o ministro do STF Gilmar Mendes, articulada pelo presidente da Aprosoja Brasil, Almir Dalpasquale, com a participação dos deputados federais Adilton Sachetti, Osmar Serraglio, Carlos Melles e Tereza Cristina (que integram a Frente Parlamentar da Agropecuária), foi solicitada “celeridade na avaliação e emissão de parecer quanto à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), de número 4.395, referente ao Funrural”.

Conforme a FPA, um “levantamento constatou que, em todos os Estados pesquisados, há produtores cujas ações foram julgadas procedentes, tendo sido suspensa a necessidade de recolhimento do imposto, por meio de liminares ou sentenças”.

Dalpasquale solicitou ao ministro agilidade na avaliação e emissão do parecer da Adin 4.395: “Para tranquilidade daqueles que produzem, é essencial um posicionamento definitivo sobre a inconstitucionalidade do tributo pela grande insegurança jurídica criada e risco de inviabilizar todo o setor agropecuário”.

De acordo com publicação no site da FPA, o ministro Gilmar Mendes explicou, durante a reunião, “que tal inconstitucionalidade (ainda) está sendo avaliada pela Suprema Corte, que deve se posicionar em breve sobre o assunto”.

 

“Para tranquilidade daqueles que produzem, é essencial um posicionamento definitivo sobre a inconstitucionalidade do tributo (Funrural) pela grande insegurança jurídica criada e risco de inviabilizar todo o setor agropecuário”, alerta o presidente da Aprosoja Brasil, Almir Dalpasquale. Foto: Divulgação Famasul/Arquivo SNA

PROTESTOS

Várias instituições representativas do setor agropecuário se manifestaram contra o retorno da cobrança e estão articulando suas estratégias.

Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e um dos vice-presidentes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner afirma que “a decisão do STF compromete o produtor rural, que terá de arcar com um passivo grande, trazendo prejuízos para a atividade”.

 

Presidente da Faeg e um dos vice-presidentes da CNA, José Mário Schreiner diz que “a decisão do STF compromete o produtor rural, que terá de arcar com um passivo grande, trazendo prejuízos para a atividade”. Foto: Tony Oliveira/Divulgação CNA/Arquivo SNA

“Precisamos resolver o problema e buscar estratégias que solucionem a vida do produtor, evitando assim impactos nos negócios rurais”, salienta Schreiner, em nota à imprensa.

Para debater sobre a situação do Funrural, ele se reuniu com representantes de sindicatos rurais de Goiás, durante a feira Tecnoshow Comigo 2017, realizada no município de Rio Verde (GO). Os sindicalistas que participaram da reunião se comprometeram a redigir e a enviar um ofício à Faeg, dando apoio e respaldo para que a instituição possa representá-los em relação às medidas que serão tomadas sobre o Fundo.

Para Schreiner, além de união, é preciso manter o equilíbrio em situações como essas: “Temos de olhar o todo. Alguém pode até dizer que tal decisão talvez não seja ruim para determinada cultura, mas é necessário ver o todo. Temos de trabalhar para fortalecer o produtor rural, o sindicato, a federação e mostrar que somos fortes”.

Também em comunicado enviado aos veículos de comunicação nacionais, o Fórum Agro MT – composto pela Aprosoja, Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), Associação Mato-Grossense de Produtores de Algodão (Ampa), Associação dos Criadores de Suínos de Mato Grosso (Acrismat), Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) e Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat) – se reuniu na terça-feira, quatro de abril, para discutir os efeitos e possíveis ações a serem tomadas frente à decisão do STF.

Para o Fórum Agro MT, “ficou claro que a mudança irá atingir a todos os processos já ajuizados”, portanto, as entidades ligadas a ele orientam que:

1) caso as tradings, cooperativas ou frigoríficos já estejam fazendo a retenção da cobrança do Funrural, que seja exigido delas o destaque da retenção na nota fiscal;

2) caso não esteja havendo a retenção pelas tradings, cooperativas ou frigoríficos, aqueles produtores, que possuem ações judiciais individuais ou vinculadas às entidades, devem continuar depositando o Funrural em juízo nas suas respectivas ações;

3) aqueles que não possuem ações ajuizadas deverão recolher o Funrural.

 

PROPOSTA DA CNA

Preocupada com os passivos tributários criados pela decisão do STF, “atingindo, principalmente, as categorias que não fizeram depósitos em juízo, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) buscou uma solução junto ao ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Wellington Moreira Franco”, durante audiência realizada na terça-feira, quatro de abril, em Brasília. É o que informa o presidente da CNA, João Martins da Silva Junior, em carta encaminhada aos conselheiros da instituição e disponibilizada à equipe SNA/RJ.

Martins informa que, de acordo com um ofício entregue ao ministro, “pedimos que conceda aos produtores a prerrogativa dada aos demais contribuintes, conforme o artigo 17, da Lei nº 9.779, de 1999, que conferem condições especiais aos contribuintes exonerados do pagamento por decisão judicial, com fundamento em inconstitucionalidade de lei, quando considerada constitucional pelo STF”.

 

Presidente da CNA, João Martins, durante encontro com o ministro Moreira Franco. Foto: Divulgação CNA

“Em atenção ao que solicitamos, o ministro Moreira Franco entrou em contato com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para que estudasse, de imediato, as medidas cabíveis. Em seguida, entramos em contato com o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto de Almeida, iniciando os entendimentos para a concretização dessas ações. Pedimos agilidade na adoção das medidas, para que possamos proporcionar uma resposta rápida e efetiva aos produtores”, relata o presidente da CNA.

Durante o encontro com Moreira Franco, Martins ainda solicitou a criação de um Programa Especial de Recuperação Fiscal (Refis) para os produtores em débito com o Fundo.

“A proposta da CNA é a de que o passivo seja refinanciado sem juros e sem correção. O que não se pode, de uma hora para outra, é estrangular a produção agrícola brasileira que vai muito bem”, afirmou João Martins, em texto publicado no site da instituição.

 

De acordo com a CNA, o ministro afirmou entender a reivindicação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, “de permitir o pagamento parcelado do tributo”.

“A CNA pede, com muita Justiça, o que já foi feito no passado quando, em um caso semelhante, foi dada pelo governo a possibilidade do pagamento parcelado”, disse Moreira Franco.

Para o ministro, existe “grande possibilidade” de a CNA, em conjunto com o Ministério da Fazenda, “encontrar uma solução que dê segurança, dê estabilidade ao setor agropecuário, que é fundamental para a economia brasileira”.

Durante o encontro, conforme a Confederação, ficou decidido que a proposta será avaliada em conjunto pela CNA e pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida.

 

LEIA MAIS

Para ler outros textos relacionados à polêmica em torno do Funrural, acesse os releases publicados pela Sociedade Nacional de Agricultura:

* CNA pede que governo renegocie dívida de produtores no Funrural: sna.agr.br/?p=46856

* Cresce o movimento contra a cobrança do Funrural com Aprosoja à frente: sna.agr.br/?p=46834

* Endividamento pelo Funrural preocupa Farsul: sna.agr.br/?p=47024

* Senador quer anistia de dívida do Funrural para evitar “caos” no agronegócio: sna.agr.br/?p=46998

* Disputa pelo Funrural ainda continua: sna.agr.br/?p=46985

* Senador anuncia medidas para evitar colapso de setor com cobrança do Funrural: sna.agr.br/?p=46920

 

Por equipe SNA/RJ com informações do Valor, Fiscosoft e das instituições do agro

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