Falta de gordura afeta produção de manteiga

É visível nas prateleiras refrigeradas dos supermercados. Nos últimos meses, os tabletes e potes de manteiga que disputam espaço com as margarinas se tornaram artigo de luxo. Não só porque estão bem mais caros, mas também porque estão mais difíceis de encontrar.

A menor oferta do produto pode ser explicada por um conjunto de fatores, mas o mais importante deles é a falta de matéria gorda no país para a fabricação de manteiga, segundo indústrias e analistas do setor de lácteos. Nesse cenário, os preços da manteiga negociada entre empresas subiram 27% (já em valores deflacionados) em 12 meses. No varejo, a alta foi de 19% no período (ver infográfico).

A matéria-prima para a produção da manteiga é a gordura do leite. Quando o leite é retirado da vaca tem, em geral, um teor de 3,5% de gordura. A produção de leite desnatado gera um excedente de gordura, que é usado para a fabricação de manteiga, creme de leite, requeijão e cream cheese. Mesmo a produção de leite longa vida integral gera gordura, uma que há uma padronização do produto, que fica com teor de gordura de 3%, disse Valter Galan, especialista da MilkPoint, consultoria especializada no mercado de lácteos.

No entanto, o País produz volumes pequenos de leite desnatado. “Aqui no Brasil, 75% do leite [longa vida] consumido é integral”, disse Guilherme Portella, diretor de relações institucionais da Lactalis no Brasil. No País, a empresa francesa fabrica manteiga com as marcas Batavo e Elegê. Como a produção de leite desnatado é pequena, a oferta de matéria gorda para fabricação de manteiga e outros itens é restrita.

Ademais, o país está produzindo menos leite em pó desnatado, que é uma “grande fonte de gordura”, disse Ricardo Cotta, diretor de relações institucionais e novos negócios da Itambé.

Gustavo Beduschi, assessor técnico da Viva Lácteos, que reúne empresas do setor, afirma que há uma disputa por matéria gorda pelas indústrias de laticínios para a produção dos diferentes itens, mas a oferta de gordura não cresceu, daí o atual quadro. O fato de a produção de leite ter caído nos dois últimos anos no país também pode ter agravado a situação. “Há uma demanda por matéria gorda muito maior do que se consegue suprir”.

O aumento da demanda por manteiga também é uma das razões apontadas por analistas e indústrias para a oferta mais restrita. Segundo Galan, assim como na Europa e nos EUA, nos últimos três anos, tem havido no Brasil uma migração das gorduras vegetais para as gorduras lácteas. Isso decorre da mudança de percepção em relação aos efeitos da manteiga para a saúde. “A demanda é maior porque a ideia de que a manteiga faria mal à saúde está sendo desmistificada”, disse Cotta, da Itambé. “Até uns três anos atrás, a manteiga era vilã. Mas houve uma mudança no padrão de consumo”, concorda Portella, da Lactalis.

Dados da empresa de pesquisa de mercado Kantar WorldPanel mostram que em 2016, o consumo de manteiga cresceu 1%, para 29.978 toneladas, um mercado de R$ 721,581 milhões. A pesquisa da Kantar é realizada numa amostra de 11.300 domicílios, que representam um universo de 52 milhões de lares, responsáveis por 91% do potencial de consumo do País. Entre 2015 e 2014, o consumo de manteiga já havia subido 5,4%.

Danielle Rossi, gerente de contas da Kantar Worldpanel, afirma que o crescimento “mais tímido” do consumo do que o visto em anos anteriores – quando mudou a percepção sobre o efeito da manteiga para a saúde – é um reflexo da recessão no país, que leva consumidores a migrarem para produtos de menor valor. No caso da manteiga, o principal substituto é a margarina.

Dados da consultoria Euromonitor, referentes a vendas de manteiga no varejo no País, mostram um volume de 77.700 toneladas em 2016, pouco abaixo das 77.900 toneladas de 2015.

Tanto Itambé quanto Lactalis informam que poderiam estar produzindo mais manteiga do que o fazem atualmente se houvesse matéria-prima porque há demanda, apesar dos preços mais altos. “O que produzimos, estamos vendendo”, afirma Cotta. Guilherme Portella, da Lactalis, disse que a empresa chegou a produzir mais leite em pó desnatado para poder gerar matéria gorda para a produção de manteiga. “Temos mais demanda do que conseguimos produzir”, acrescenta o executivo.

Beduschi e Galan lembram que a recessão também levou a uma redução do consumo fora de casa, o que acabou estimulando muitas pessoas a cozinharem, demandando mais manteiga.

Outro sinal de que a oferta doméstica de manteiga é restrita é o aumento das importações do produto. No primeiro trimestre deste ano, as compras no exterior somaram 1.500 toneladas, 68% acima das 890 toneladas de igual período de 2016, de acordo com dados da Secex compilados pela MilkPoint.

Como observa Laércio Barbosa, diretor do Laticínios Jussara, a falta de matéria-prima para produção de manteiga não se restringe ao Brasil. “Está faltando no mundo”, afirma. Segundo ele, estimativas indicam que os estoques de leite em pó desnatado estão mais altos na Europa e nos EUA, assim, os países estão produzindo menos, o que leva à falta de matéria gorda.
Fonte: Valor

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