Embalando o futuro

Todos os dias, 25 mil toneladas de embalagens vão para os lixões, causando poluição ao ambiente. Foto: Divulgação
Todos os dias, 25 mil toneladas de embalagens vão para os lixões, causando poluição ao ambiente. Foto: Divulgação

Ao comprar uma caixa de suco, uma lata de leite em pó ou um pote de conserva, o consumidor não imagina o longo caminho percorrido até chegar ao desenvolvimento de embalagens que, além de atraentes e convenientes ao consumo, atendam às necessidades da produção, industrialização, logística e comercialização dos alimentos.

Um dos momentos marcantes desta trajetória foi a busca de Napoleão Bonaparte por um método seguro, barato e eficiente para transportar alimentos do exército francês, durante a marcha pela conquista do continente europeu. O desafio fez o imperador instituir uma recompensa de 12 mil francos a quem solucionasse o problema. O vencedor do prêmio, o confeiteiro Nicholas Appert desenvolveu, no final do século 18, um método de aquecimento de embalagens de vidro hermeticamente fechadas, que acabou originando uma nova indústria: a de alimentos enlatados.

O vidro, o metal e os materiais celulósicos (papel, papelão, celofane) predominaram até o mundo se render ao plástico, no final do século 19: transparentes, leves, flexíveis, resistentes à quebra e em formatos versáteis. Com tantas vantagens, os materiais plásticos passaram a seduzir indústrias e consumidores e começaram a predominar, a partir da década de 1980, sobre os demais materiais na confecção de embalagens. Uma das vantagens do plástico era o fato de ser descartável. As garrafas feitas com este material seguiam diretamente para a lixeira após o uso.

 

DA LIXEIRA PARA OS LIXÕES

Da lixeira para os lixões, começou um novo capítulo: o acúmulo de plásticos no meio ambiente. Isto porque os plásticos convencionais não biodegradáveis levam séculos para ser decompostos por microrganismos. Então, o que um dia representou uma conveniência passou a ser problema.

No Brasil, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, aproximadamente um quinto do lixo é composto por embalagens. São 25 mil toneladas que vão parar, todos os dias, nos depósitos de lixo. Este volume encheria mais de dois mil caminhões de lixo que, colocados um atrás do outro, ocupariam quase 20 quilômetros de estrada.

 

OS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO

Um dos principais desafios de hoje é obter embalagens tão eficientes e baratas quanto as de plástico, mas que não provoquem danos ao meio ambiente. Diversos grupos de pesquisa no mundo se dedicam a esta questão. Um deles atua no Laboratório de Embalagens de Alimentos da Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza, CE).

Uma das linhas de pesquisa do Laboratório é o desenvolvimento de filmes e revestimentos biodegradáveis para alimentos à base de polímeros naturais, como amido, alginato (material extraído de algas marinhas), cera de carnaúba, goma do cajueiro, gelatina de peixe, além de polpas de frutas. O polímero é uma macromolécula, natural ou artificial, constituída por unidades moleculares menores que se repetem várias vezes.

Entre os polímeros considerados naturais estão a celulose, os carboidratos, as proteínas e os ácidos nucléicos (DNA) responsáveis pelas características genéticas dos seres vivos. Já os plásticos são polímeros artificiais.

Parte dos revestimentos desenvolvidos no Laboratório é comestível. A pesquisadora Henriette Azeredo explica que as polpas de frutas têm, em sua composição, polissacarídeos (um tipo de polímero natural) capazes de formar filmes. Daí a possibilidade de trabalhar com essas matérias-primas para a produção de filmes comestíveis com o sabor da fruta. “Muitos pesquisadores desenvolvem filmes comestíveis, mas poucos trabalham em filmes que tenham sabor”, ressalta.

Apesar da vantagem da biodegradabilidade e de valorizar as matérias-primas regionais, os biopolímeros (materiais fabricados a partir de fontes renováveis, como soja, milho, cana-de-açúcar, celulose e soro de leite) ainda não são capazes de competir com os plásticos convencionais, porque alguns são mais frágeis, não permitem uma eficaz troca de gases com o meio ambiente e são, muitas vezes, sensíveis à umidade.

 

SOLUÇÕES NANOMÉTRICAS

No caminho para melhorar o desempenho dos materiais, podem ser feitas modificações químicas. Uma saída testada no laboratório do Ceará é o uso da nanotecnologia. A adição de nanoestruturas de reforço melhora a resistência e a barreira contra gases dos materiais.

Os materiais formados pela adição de nanoestruturas, como nanocelulose, em uma matriz (geralmente um polímero ou biopolímero), são chamados de nanocompósitos. Os nanocristais de celulose são cristais minúsculos (diâmetro de poucos nanômetros), de alta resistência mecânica, que são adicionados em pequenas quantidades (na faixa de 5%), geralmente sem prejudicar a transparência dos materiais.

A equipe do Laboratório de Tecnologia da Biomassa, liderada pela pesquisadora Morsyleide Rosa, extrai nanocelulose a partir de várias fontes, entre elas resíduos industriais, como casca de coco e linter de algodão.

“Já testamos nanocelulose para filmes de polpas de frutas, quitosana (polissacarídeo encontrado em crustáceos), gelatina, entre outros. Os resultados têm sido geralmente muito bons, o material adquire um melhor desempenho na proteção ao alimento a ser acondicionado”, diz Henriette.

Atualmente, a pesquisadora está envolvida em um projeto para obtenção de filmes nanocompósitos a partir de casca de banana e da palha de trigo, um resíduo da indústria de panificação. “Estou extraindo polissacarídeos destes resíduos e vou formar filmes adicionados de nanocelulose e outros compostos para melhorar suas propriedades”, explica.

Ainda assim, a maioria dos filmes biopoliméricos é sensível à água, quando em contato com o líquido, a ponto de se desfazerem quase instantaneamente. Isto é um problema, já que limita as aplicações dos filmes.

Segundo Henriette, “Para contornar a situação temos recorrido a técnicas de reticulação, que são ligações formadas entre cadeias poliméricas, diminuindo a mobilidade destas cadeias e melhorando as propriedades do material, inclusive sua resistência à água”.

 

EMBALAGENS ATIVAS E INTELIGENTES

Outra linha de pesquisa desenvolvida no Laboratório de Embalagens de Alimentos da Embrapa é a de embalagens ativas que, além de desempenharem a função básica de proteção, interagem com o produto acondicionado, absorvendo compostos indesejáveis ou liberando substâncias que favorecem o aumento da estabilidade. Exemplos são as que liberam compostos antimicrobianos.

No Laboratório, foram realizados estudos com a adição de antimicrobianos comerciais e naturais, como óleos essenciais de ervas aromáticas, na composição dos filmes. Os materiais foram testados em laboratório e aplicados em embalagens de queijo coalho. Depois, foi observada a redução das populações de bactérias na superfície do produto, ao longo do tempo.

A equipe agora quer ir além: obter embalagens inteligentes que possam indicar, por exemplo, se o produto está próprio para o consumo. Para tanto, são realizados estudos com biossensores, dispositivos eletrônicos que utilizam moléculas biológicas para detecção de substâncias de interesse. Entre os estudos já realizados, foram desenvolvidos biossensores para detecção de ricina, proteína tóxica presente na semente da mamona; detecção de peróxido de hidrogênio, substância cuja utilização no leite é proibida, mas que é usada para aumentar a vida útil do produto; e detecção de toxinas em queijo. Em outro projeto está em estudo a detecção de salmonela no leite.

De acordo com a pesquisadora Roselayne Ferro Furtado, o desafio é acoplar os biossensores às embalagens, para torná-las inteligentes.

 

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Fonte: Revista A Lavoura – Edição nº 711/2016

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