Embalagens comestíveis

Goiabadas vendidas em plásticos feitos da própria fruta, perus em sacos à base de laranja que vão direto ao forno. Essas são algumas das aplicações da nova tecnologia. Foto: Divulgação

Imagine colocar uma pizza no forno sem precisar retirar a embalagem plástica. A película que a envolve é composta por tomate e, ao ser aquecida, vai se incorporar à pizza e fazer parte da refeição. Esse material já existe e foi desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Instrumentação, que fizeram películas comestíveis de diferentes alimentos como espinafre, mamão, goiaba, tomate e pode utilizar muitos outros como matéria-prima. O trabalho de pesquisa foi desenvolvido no âmbito da Rede de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio (AgroNano) e recebeu investimentos da ordem de R$200 mil.

“Podemos utilizar rejeitos da indústria alimentícia para fabricar o material, isso garante duas características de
sustentabilidade: o aproveitamento de rejeitos de alimentos e a substituição de uma embalagem sintética que seria descartada”, afirma o chefe-geral da Embrapa Instrumentação, pesquisador Luiz Henrique Capparelli Mattoso, que coordenou a pesquisa, ressaltando que o trabalho de desenvolver filmes a partir de frutas tropicais é pioneiro no mundo.

 

CARACTERÍSTICAS

O material tem características físicas muito parecidas aos plásticos convencionais, como resistência e textura, e protege igualmente os alimentos. Porém, o fato de poder ser ingerido abre um imenso campo para exploração da indústria de embalagens. Aves envoltas em sacos que contêm o tempero em sua composição, sachês de sopas que podem se dissolver com seu conteúdo em água fervente e muitas outras possibilidades.

A diferença está na matéria-prima. O plástico comestível é feito basicamente de alimento desidratado misturado a um nanomaterial que tem a função de dar liga ao conjunto. “O maior desafio dessa pesquisa foi encontrar a formulação ideal, a receita de ingredientes e proporções para que o material tivesse as características de que precisávamos”, conta o engenheiro de materiais José Manoel Marconcini, pesquisador da Embrapa que participou do trabalho.

 

PROPRIEDADES NUTRITIVAS

Ele explica que os alimentos usados como matéria-prima passam pelo processo de liofilização. Trata-se de um tipo de desidratação na qual, após o congelamento do alimento, toda a água contida nele se transforma do estado sólido diretamente ao gasoso, sem passar pela fase líquida. O resultado é um alimento completamente desidratado com a vantagem de manter suas propriedades nutritivas. Ela pode ser aplicada aos mais diferentes alimentos como frutas, verduras, legumes e até alguns tipos de temperos, o que explica a grande diversidade de matérias-primas comestíveis, o que imprime o sabor e a cor da embalagem.

 

DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

Mattoso acredita que o plástico comestível também poderá contribuir para reduzir outro problema: o desperdício de alimentos. Além de resíduos em condições de uso que a indústria alimentícia não utiliza, há muitos vegetais que deixam de ser comercializados por não apresentar bom aspecto visual, mesmo estando em condições de consumo. “Esses vegetais que iriam estragar na prateleira podem ser matéria-prima para a embalagem comestível”, acredita o especialista que já vislumbra parceiros entre as empresas do ramo para que os resultados alcançados em laboratório seja desenvolvido como produto comercial.

Para ele, a nova embalagem também pode receber matéria-prima de um mercado em franca expansão, o de alimentos prontos. Mattoso conta que esse é um ramo que produz muitos resíduos, como cascas e pequenos pedaços. Ele dá como exemplo as chamadas cenouretes que são esculpidas em pequenos pedaços de cenoura. Para o especialista, as sobras desse processo poderiam virar matéria-prima para um plástico com a leguminosa.

 

MAIS RESISTENTES

“As fibras naturais têm componentes como celulose e lignina, chamados de polímeros naturais, pois suas macromoléculas são semelhantes aos polímeros sintéticos”, explica o pesquisador.

Sisal, algodão, juta, fibra de coco e bagaço de cana foram algumas fibras naturais testadas que entraram na composição desses materiais. Os compósitos resultantes apresentaram propriedades mecânicas muitas vezes superiores aos plásticos sintéticos. Mattoso conta que, em ensaios de laboratório, eles se mostraram mais resistentes à tração e impactos, além de serem até três vezes mais rígidos que os polímeros 100% sintéticos.

 

APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS

Outra descoberta nessa pesquisa abriu uma oportunidade para o aproveitamento das sobras das indústrias de processamento de fibras naturais. “Para nossa surpresa, os resíduos coletados nas indústrias de processamento, como o pó das fibras naturais, possuíam as mesmas características que a fibra inteira,” diz o pesquisador. Isso significa que, para a formulação de compósitos, as sobras da indústria têm a mesma qualidade que a fibra natural inteira. Mattoso acredita que isso pode gerar um novo mercado a partir do aproveitamento de resíduos industriais do processamento do sisal, juta, coco, algodão e cana-de-açúcar.

 

TESTES

Antes de chegar ao plástico comestível, a equipe de pesquisa ainda desenvolveu polímeros biodegradáveis. Motivados pela demanda por embalagens que fossem absorvidas pelo ambiente em curto espaço de tempo, os pesquisadores conseguiram obter plásticos de materiais naturais com essa característica. Por fim, chegou a vez dos comestíveis, o que exigiu a incorporação de padrões mais elevados de segurança e higiene no processo de fabricação.

Os pesquisadores realizaram testes adicionando quitosana, polissacarídeo formador da carapaça de caranguejos. Essa molécula natural tem propriedades bactericidas o que pode aumentar o tempo de prateleira dos alimentos.

 

POSSIBILIDADES

Goiabadas vendidas em plásticos feitos de goiaba, sushis envolvidos com filmes comestíveis no lugar das tradicionais algas, perus em sacos feitos de laranja que vão direto ao forno e geleias em formato de ursinhos só que elaboradas com frutas naturais. Essas são algumas possibilidades imaginadas pela equipe de Mattoso para as aplicações da nova tecnologia.

 

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Fonte: Revista A Lavoura – Edição nº 707/2015

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