Demanda russa aquece mercado de carnes

Ainda que as estatísticas oficiais não revelem, o aumento da demanda da Rússia já sustenta os preços das carnes brasileiras, principalmente de aves e suínos. Fontes da indústria relatam incremento nos preços em dólar dos produtos destinados àquele país desde que Moscou anunciou que mais de 80 novos estabelecimentos de carnes (de frango, suína e bovina) do Brasil poderiam vender à Rússia, em 8 de agosto.

A medida foi um desdobramento da decisão da Rússia de retaliar produtos, como carnes e lácteos, provenientes dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e União Europeia, após sofrer sanções econômicas do grupo por conta do conflito na Ucrânia.

Uma das empresas que tem sido favorecida pela maior demanda da Rússia é a Aurora Alimentos, de Santa Catarina. Segundo o presidente da Aurora, Mário Lanznaster, há um incremento de 30% nos volumes de carne de frango embarcados para a Rússia e os preços ao país subiram cerca de 12% na comparação com os valores negociados antes do embargo russo a americanos e europeus. Mas Lanznaster tem os pés no chão e avalia que o aumento da demanda é temporário. “Vai durar o tempo do conflito [da Rússia] com a Ucrânia”.

O presidente da Associação Catarinense de Avicultura (ACAV), Luiz Adalberto Stábile Benício, também é cauteloso e diz que as empresas de aves não estão elevando a produção para atender a Rússia, um cliente reconhecidamente “instável”. A estratégia das indústrias, explica, é deixar de atender mercados que pagam menos para vender à Rússia. A Aurora, por exemplo, está deixando de vender alguns cortes para a China para vender ao mercado russo, confirma Lanznaster.

Em mais uma demonstração de cautela, o presidente da ACAV lembra que a Rússia busca autossuficiência na produção de frango, “portanto a demanda maior não deve ser algo perene”. Assim, a estimativa da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) de que seja possível ampliar em 150 mil toneladas as vendas de carne de frango à Rússia soa otimista. Para Benício, o volume deve ser “mais modesto”.

Para o vice-presidente de aves da ABPA, Ricardo Santin, as sanções russas já favorecem o Brasil. “O mercado já responde bem. Nos primeiros quinze dias de setembro, exportamos para a Rússia mais do que vendemos em todo o mês de agosto”, afirma. Os embarques de carne de frango para ao país saltaram de um média mensal de 5 mil toneladas entre janeiro e julho para 8 mil toneladas em agosto. Já em setembro, a expectativa é a que os embarques superem 20 mil toneladas.

Santin confirma que os preços da carne de frango vendida aos russos subiram. Mas pondera que o aumento não aparece, à primeira vista, nas estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Uma das razões é que peças como coxa e sobrecoxa, que têm preço mais baixo, são contabilizadas pela Secex na mesma categoria – Nomeclatura Comum do Mercosul (NCM) – que o peito, que tem preço maior. Com o embargo, a Rússia ampliou as importações de coxa e sobrecoxa do Brasil – antes comprava dos EUA. Com isso, o preço médio das exportações brasileiras até caiu. No acumulado de setembro até o dia 14, o preço médio da carne de frango foi de US$ 2,55 o quilo, queda de 6,94% sobre a média de agosto, segundo a ABPA.

Só na primeira quinzena do mês, a receita com as vendas de frango à Rússia somou US$ 20,6 milhões, acima dos US$ 15,8 milhões de todo o mês de setembro de 2013.

No caso da carne bovina, também houve incremento de preços nas vendas à Rússia, mas já começa a haver pressão por parte de importadores por redução. Uma fonte de frigorífico afirma ter ocorrido um avanço entre 5% e 10% na cotações em relação aos preços anteriores à retaliação russa aos EUA e à UE. “Não é muita coisa, mas o suficiente para aquecer o mercado”, diz. Segundo a mesma fonte, a alta só não foi maior por conta da queda do real ante o dólar – com isso, as empresas recebem mais reais a cada dólar negociado.

Os russos compram sobretudo cortes de dianteiro do Brasil, cotados hoje entre US$ 4,5 mil e US$ 5 mil por tonelada. Também demandam os chamados “cortes da roda”, como coxão mole. Outra fonte da indústria diz que “a percepção é de que os preços de venda para o mercado russo bateram no teto”. Ele lembra que a menor oferta de carne bovina no mundo já vinha sustentando os preços de venda para a Rússia mesmo antes das sanções.

Agora, afirma, os importadores russos começam a pressionar para derrubar os preços, pois suas margens despencaram. A razão é que o rublo, assim como o real, está em queda em relação ao dólar. Isso significa que é preciso mais rublos para cada dólar de carne importada.

Para o presidente da Associação Brasileira das Indústria Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli, uma elevação mais significativa nas exportações de carne bovina para a Rússia só deve ocorrer no fim de setembro, com os primeiros embarques de miúdos – o país ficou cerca de cinco anos sem exportar. “Acredito que vamos ter variação positiva no fim do mês, com os negócios de miúdos”, diz Camardelli. Até agora, porém, o fluxo de embarques de carne bovina para a Rússia segue “normal”, segundo ele, e não houve grandes alterações nos preços.

Mas isso pode se mudar caso a Rússia destine mesmo a cota de embarques de carne bovina dos EUA e da UE para outros países, como Brasil e Paraguai. “Se acontecer essa transferência de cotas, o Brasil está pronto para responder”, afirma. Camardelli não confirma, mas o Valor apurou que algum tipo de transferência de cotas deve ocorrer. Para 2014, EUA e UE tinham uma cota somada de 120 mil toneladas de carne bovina congelada. Nem todo esse volume seria transferido, uma vez que boa parte já foi embarcada.

Nas primeiras três semanas de setembro, os embarques de carne bovina ao mercado russo alcançaram US$ 100,8 milhões – foram US$ 122,5 milhões em todo o mês de setembro de 2013.

Em carne suína, a avaliação é de que a Rússia já vinha ampliando as compras do Brasil e que esse movimento continua. “Desde fevereiro e março, o volume comprado pela Rússia vem subindo”, afirma Rui Vargas, vice-presidente de suínos da ABPA. Nas primeiras três semanas de setembro, o país comprou 11,4 mil toneladas de carne suína do Brasil – mais de 40% do total de 24 mil toneladas vendidas, segundo dados da Secex compilados pela ABPA. Em março, essa taxa era de 22%. O valor das vendas no período alcançou US$ 58 milhões ante US$ 32,2 milhões de todo mês de setembro de 2013.

Embora os preços médios na exportação de carne suína indiquem uma certa estabilidade, há relatos no mercado de cortes de pernil para a Rússia sendo negociados a US$ 6 mil por tonelada.

Fonte: Valor

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