Crise global da borracha coloca em risco a heveicultura do Brasil

O presidente do Conselho Superior do Agronegócio (Cosag), da Fiesp, João Sampaio diz que o agro sobre com déficit de comunicação. Foto: Sebastião Marinho
João Sampaio Filho, presidente do COSAG/FIESP, acredita que a redução do IPI seja a medida mais equilibrada. Foto: Sebastião Marinho

 

A crise no mercado global da borracha registrou, nos últimos dois anos, queda de 42% no preço da borracha natural e, no Brasil, chegou a um ponto que, de acordo com Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (ABRABOR), o bimestre abril deste ano foi marcado pela inviabilização do beneficiamento do produto, afetando a indústria, as usinas e, principalmente, o campo, ameaçando mais de 50 mil postos de trabalho.

Diante da situação ABRABOR divulgou a Carta ao Brasil, na qual chama a atenção do governo brasileiro e de todas as cadeias que integram o setor para o risco de colapso da heveicultura nacional. Segundo Fernando do Val Guerra, membro do Conselho Diretor da ABRABOR e presidente da Câmara Setorial da Borracha Natural, do Ministério da Agricultura, no documento são apresentadas três propostas para amenizar a crise .

A primeira, e que já está sendo adotada, é uma política de preço mínimio, “apesar de não acreditarmos nesse tipo de subsídio e não o queremos”, deixa claro Fernando Guerra, destacando a que, em sua opinião, é a mais viável, a redução do IPI, 15%, pois “daria um fôlego à indústria e, consequentemente, parte dessa margem seria repassada ao setor produtivo (heveicultores)” . E, finalmente, no médio prazo, “construir o que ainda não temos, que é um seguro de preço mínimo. É assim que as economias modernas salvaguardam os seus setores agrícolas. Seguro de preço mesmo”.

MEDIDA EQUILIBRADA

Para o produtor e presidente do Conselho superior de Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (COSAG/FIESP), João Sampaio Filho, a redução do IPI é a medida mais equilibrada.

“Trata-se de  uma situação que tentamos na outra crise, em 1997. A indústria pneumática consome 80% da produção e paga  um IPI muito alto. Nesse momento, acho que a forma mais eficiente, menos onerosa, e que atua na cadeia inteira, é o governo abrir mão de parte  desse imposto e consequentemente estabelecermos um preço mínimo a ser pago pela borracha”. Ele considera a medida importante, “porque dará competitividade para a indústria brasileira de pneus, vai gerar remuneração para a usina de beneficiamento e remuneração para o produtor”.

O Brasil produz 140 mil toneladas e consome cerca de 400 mil toneladas. A seringueira é cultivada em: São Paulo (55,3% da produção brasileira); Bahia (15,9%); Mato Grosso (8,9%)- Minas Gerais (6,3%); Goiás (4,7%); Espírito Santo (3,8%); e o restante dividido entre Pará, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Paraná, Amazonas e Acre.

João Sampaio descarta medidas como o estabelecimento de preço mínimo ao produtor, leilão e o aumento do imposto de importação da borracha.

“Isso não funciona porque a usina de beneficiamento continua numa situação crítica. O leilão do governo demora, atrasa, tem custo para o governo e para os produtores. O preço mínimo pode ser bom, é importante, mas nesse momento não acho que seja o melhor caminho. Quanto ao aumento do imposto de importação vai ficar mais caro comprar borracha e a indústria vai ter que pagar mais pela a nossa. Acho que onera desnecessariamente a nossa indústria de pneus a nossa indústria de maneira geral, porque 70% do que eles consomem é importado, só 30% é nacional. Não acho que seja o melhor caminho. Sinceramente, discordo disso”, acentua.

 

HEVEICULTURA-Fernando do Val Guerra_Pauta_Camara Setorial Federal (1)
Fernando Guerra, presidente da Câmara Setorial da Borracha Natural, do Mapa: falta de informações sobre o setor é entrave

 

Segundo Fernando Guerra, que também é diretor de Comunicação da Associação Paulista de Produtores de Borracha (APABOR), o Brasil não é associado ao IRSG (Rubber Study Group International), único organismo internacional que representa a indústria de borracha global, que fornece informação econômica e estatística para o setor, o que dificulta, pois falta para os brasileiros informação externa e interna.

“Esse negócio de salvar o produtor não funciona, para se ter um ambiente saudável é preciso pensar como cadeia produtiva, se não houver produção e venda de pneus, beneficiamento da borracha e se não houver produção de matéria prima, o negócio não existe. Temos que pensar numa solução para todos os elos que envolvem a cadeia produtiva e não somente o produtor”, diz Guerra.

PREÇO

Para Sampaio, o setor tem que se mobilizar para que, quando a safra for retomada, a partir de outubro – a safra termina agora em julho, agosto e setembro são meses de parada -, “já tenhamos uma perspectiva melhor”.

Os grandes analistas internacionais calculam que ainda teremos mais dois a três anos de real ciclo de preços baixos no mercado internacional. Então, aqui, teremos que nos adequar para nos prepararmos para isso. O produtor brasileiro precisa receber R$ 2 por quilo de borracha bruta, também chamada coágulo, para continuar com a sua atividade em ordem.

“Com essa pequena redução do IPI já seria possível. Esse é o caminho em que eu aposto”, diz.

O preço do quilo da borracha bruta, lembra Sampaio, já chegou ao produtor, no campo, a R$ 4 e, hoje, com oferta de compra, está a R$ 1,50.

“A usina de beneficiamento chegou a vender borracha pronta (beneficiada) a mais de R$ 10 o quilo, para a indústria penumática. Esse mês (junho) a indústria de pneus está pagando Rr$ 4,45. Isso aí é que faz com que a crise seja enorme e que esse preço de R$ 1,50 não cobre o custo de produção da matéria prima, ou seja, o custo de custo de desembolso, não é o custo total, porque quando falamos custo total, temos que levar em consideração a maturação do seu seringal, tem depreciação, tudo isso. O custo de desembolso é o custo que o heveicultor tem, efetivamente,com o seringal, como pagar o seringueiro, um trator para fazer uma pulverização contra alguma doença, alguma praga, ou seja, despesas com manutenção e tratos culturais.”

ÊXODO

Sampaio alerta para o fato de que os seringueiros, sangradores, estão desestimulados e há ameaça de abandono de atividade. Ele ressalta que a atividade exige mão de obra especializada, demanda treinamento e investimento.

“Muitos produtores formaram bons sangradores e, atualmente, correm o risco de perdê-los porque a remuneração não está boa. A remuneração da atividade é muito fixada na produção. Com variantes, tem gente que paga uma parte fixa e uma parte variável , tem gente que fica quase que 100% no variável, mas sempre atrelado à produção do seringueiro. Isso dá uma média em torno de R$ 1.500 a R$ 2 mil mensais, dependendo da produtividade do seringueiro”, esclarece, acrescentando que, com essa crise, esse preço o salário cai para menos de mil reais.”

E este sangrador, treinado, conta, está abandonando o campo.

“A torcida é para que ele fique no setor agrícola, e não vá para a cidade. Conheço casos de sangradores que estão fazendo treinamento para ser seguranças ou motoristas em São José do Rio Preto. Perde-se uma mão de obra qualificada”, lamenta.

ENTENDA A QUEDA DOS PREÇOS

De acordo com a ABRABOR, a demanda mundial por borracha natural encontra-se retraída devido à crise imobiliária dos Estados Unidos em 2008 e à crise financeira na zona do Euro. A economia dos Estados Unidos e da União Europeia vem se recuperando, mas em ritmo extremamente lento.

A China, maior consumidor mundial, com mais de 35% de participação, mostra algum sinal de cansaço. Porém, segue com crescimento superior a 7,5% ao ano, fornecendo sustentação para o mercado de borracha natural e outras commodities. Tailândia, Indonésia e Malásia, que respondem juntas por cerca de 70% da produção global e integram a chamada Aliança Tripartite, não chegam a um consenso sobre a estratégia a ser adotada para reverter a queda de preços. A solução mais óbvia parece ser a compra do produto no mercado e composição de estoque. Porém, falta recursos e vontade política para a adoção de qualquer medida.

Somado a isso, a Tailândia e o Vietnã aumentaram ainda mais a produção em 2013, enquanto houve retração do consumo nos principais mercados – EUA, Europa e Japão. Nota-se que mais 1,5 milhão de toneladas foram adicionadas aos estoques mundiais nos últimos três anos. A previsão para 2014 é de um saldo positivo de 700 mil toneladas, o que deve agravar ainda mais a situação.

Por Equipe SNA/SP

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