Criação brasileira de tilápias entra na era genômica

Piscicultura brasileira superou a produção de 640 mil toneladas de peixes, no ano passado. Deste total, a criação de tilápia representa 50%, conforme dados da Peixe BR. Foto: Leandro M. Souza/Divulgação

A produção brasileira de peixes superou 640 mil toneladas, no ano passado, sendo 50% desse total representado pela criação de tilápia, de acordo com dados da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR). O pacote tecnológico brasileiro desse tipo de pescado, que já está desenvolvido, representa o resultado de dez anos de melhoramento genético na seleção das famílias que respondem melhor aos climas mais quentes e mais frios do país.

Agora, a atividade está dando outro passo muito importante, com a entrada na era genômica, o que pode garantir maior acurácia, mais rendimento de filé, melhor coloração e resistência da espécie ao estresse, às doenças e ao manejo.

“Até o ano passado, o melhoramento genético da tilápia era feito de forma tradicional, porém, a partir de 2017, estamos utilizando a genômica, que possibilita realizar acasalamentos com maior assertividade”, afirma Jorge Vieira Barbosa, diretor da Aquaporto e da AquaAmérica – com unidades em Alfenas (MG) e na região da Serra da Mesa (GO).

Barbosa conta que começou o sequenciamento genético da tilápia em 2015. No ano seguinte, foi iniciada a coleta de amostras de nadadeiras das famílias para fazer o DNA no Chile e nos Estados Unidos. O sequenciamento dos peixes foi concluído e, atualmente, a pesquisa está realizando a avaliação dos genomas.

O projeto utiliza os marcadores genéticos da espécie visando melhorar os índices zootécnicos e produtivos.  Atualmente, todas as tilápias são chipadas quando atingem cerca de 4 gramas.

“Depois, são feitos os acasalamentos direcionados e por volta de 530 dias de cultivo os reprodutores alcançam 3.822 quilos, o que significa um rendimento de 7 gramas por dia”, relata Barbosa, acrescentando que esses exemplares recebem um selo de qualidade.

 

Diretor da Aquaporto e da AcquaAmérica, Jorge Vieira Barbosa relata que o projeto de sequenciamento genético da tilápia começou em 2015 e, no ano seguinte, foi iniciada a coleta de amostras de nadadeiras das famílias para obter o DNA. Foto: Leandro M. Souza/Divulgação

PRIMEIRA IMPORTAÇÃO

A importação do primeiro lote de tilápias GIF ocorreu em 2005. Segundo Barbosa, na época, as primeiras variedades de fêmeas começavam a desovar com peso entre 300 e 400 gramas e não cresciam mais.

Foram separadas as famílias e escolhidos os melhores exemplares para acasalamento. Desde então, foram avaliadas mais de 10 gerações da família cultivada, acompanhando seu desenvolvimento.

“A partir de 2010, passamos a ter resultados significativos, com a utilização de hormônio, para a reversão sexual, para evitar que as fêmeas entrassem em reprodução com antecedência”, destaca Barbosa, acrescentando que, atualmente, as fêmeas alcançam o mesmo peso do macho (entre 700 e 800 gramas).

Com a nova tecnologia, ele salienta que não será necessário realizar a reversão sexual dos peixes criados em cativeiro: “As fêmeas do projeto continuam crescendo, mesmo depois de entrar em período de reprodução”.

A empresa fornece alevinos para o mercado.  O ciclo da tilápia, do ovo à fase de engorda, varia de 5 a 6 meses. Ao final deste período, os peixes estão prontos para o abate com peso entre 800 gramas e um quilo.

“Uma tilápia de 850 gramas rende dois filés limpos e preparados de 150 gramas cada”, calcula Barbosa.

 

PRODUÇÃO E CONSUMO

Segundo a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), no ano passado, o Brasil produziu 640 mil toneladas de peixes cultivados. Deste total, 50% são tilápias.

Atualmente, o consumo per capita brasileiro de peixe oriundo da piscicultura (cultivado) é de 3,2 quilos por ano e mais dois quilos de importação, o que totaliza 5,2 quilos por habitante por ano.

“O consumo brasileiro de peixes cultivados é estimado é de 9 a 10 quilos/habitante ano, sendo quatro a cinco quilos advindos da pesca. Como não há dados oficiais de pesca, o que existe, de fato, são os 5,2 quilos”, informa Francisco Medeiros, diretor executivo da Peixe BR.

 

“O consumo brasileiro de peixes cultivados é estimado é de 9 a 10 quilos/habitante ano, sendo quatro a cinco quilos advindos da pesca. Como não há dados oficiais de pesca, o que existe, de fato, são os 5,2 quilos”, informa Francisco Medeiros, diretor executivo da Peixe BR. Foto: Leandro M. Souza/Divulgação

Como a produção interna não atende à demanda, o Brasil importa peixes para as classes A, B, C e D, tais como bacalhau, salmão, mas o maior volume é de panga, merluza e polaco, peixes mais populares, de acordo com Medeiros.

“Isso que significa que todas as classes sociais consomem peixes, o que cria perspectivas importantes para o setor”, afirma e lembra que tudo o que se consegue produzir aqui é vendido, desde que tenha preço e seja competitivo.

“Mesmo com as adversidades que a gente encontra na estrutura de governo, principalmente em relação aos processos de burocratização e legalização da atividade, as perspectivas são boas”, completa.

 

TRÊS GRUPOS

Medeiros afirma que a piscicultura brasileira é formada por três grupos distintos: “No Centro-Oeste, Sudeste e Sul, a atividade tem perfil empresarial, no Nordeste, é formada por pequenos e médios produtores, é muito pujante, mas há o problema da falta de água, e, no Norte, é caracterizada por pequenos produtores”.

A piscicultura brasileira tem crescido cerca de 10% ao ano. Em 2016, a evolução foi muito pequena, por causa de problemas pontuais em Mato Grosso e no Ceará.

Enquanto a seca afetou a piscicultura do Ceará. Maior produtor de peixe do Brasil, Mato Grosso teve uma redução de 19%, em razão de processos de licenciamento ambiental, maior gargalo da atividade e requisito para o produtor ter acesso a crédito.

“Como o produtor tinha que trabalhar com o dinheiro dele, ele diminuiu os investimentos”, esclarece o presidente da Peixe BR. A entidade reúne produtores de peixes cultivados, de alevinos, indústria de ração, de medicamentos e equipamentos voltados para o setor.

 

INTERESSE ESTRANGEIRO

Segundo Medeiros, o que se observa e em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná, atualmente, é presença de fundos de investimentos estrangeiros na atividade com grandes projetos voltados para tilápias, buscando oportunidades, e trazendo um novo perfil no negócio.

Os dois principais projetos estrangeiros no Brasil são Genesys (argentino) e Tilabrás (suíço). Este projeta produzir 100 mil toneladas de tilápia ao ano.

“Quando comparamos o volume de pescado brasileiro (640 mil toneladas anuais) com o mercado mundial, é irrisório. Para ter uma ideia, em 2015, a China produziu 40 milhões de toneladas de peixes cultivados”, ilustra o diretor executivo da Peixe BR.

Conforme Medeiros, teoricamente, o Brasil não está inserido no mercado mundial, mas tem um fator a ser considerado: “O que a China e o Vietnã produziram foi a partir de ração e milho do Brasil, pois dispõem de poucos recursos hídricos”.

O diretor executivo da Peixe BR lembra que, entre as fontes de proteína animal, a maioria já está estagnada. “Quanto ao peixe, a espécie tem amplo potencial e a expectativa é alcançar 1 milhão de toneladas até 2020”, prevê.

 

ESTUDO DA EMBRAPA

De acordo com um estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre os anos de 2005 e 2015, a produção do peixe mais cultivado no Brasil, a tilápia (Oreochromis niloticus), cresceu 80% graças à modernização e à intensificação da produção em tanques-rede, em reservatórios e em viveiros escavados.

Os dados fazem parte do projeto “Impactos socioeconômicos da tilapicultura no Brasil”, iniciativa da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO) e parceiros, com base na observação de sete polos de produção da espécie: Orós e Castanhão, no Ceará; Submédio e Baixo São Francisco, na divisa dos estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas; Ilha Solteira, na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul, Baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina e regiões Norte e Oeste do Paraná.

Conforme o estudo, a tecnificação da produção e do profissionalismo dos produtores contribuiu para um incremento na produtividade em muitos polos.

“O uso de equipamentos, associado a práticas de manejo com controle dos parâmetros de cultivo, permitiu o adensamento da produção também nos viveiros escavados, aumentando a produtividade. Em polos que se baseiam no uso de viveiros de terra, como no Paraná e em Santa Catarina, saltou de 30 para 50 toneladas por hectare”, informa a médica-veterinária Renata Melon Barroso, pesquisadora da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO).

 

“O uso de equipamentos, associado a práticas de manejo com controle dos parâmetros de cultivo, permitiu o adensamento da produção também nos viveiros escavados, aumentando a produtividade”, informa a médica-veterinária Renata Melon Barroso, pesquisadora da Embrapa Pesca e Aquicultura. Foto: Divulgação

Ela também destaca a regulamentação do uso das águas públicas para cultivos intensivos de peixes em tanques-rede como fator de incremento do cultivo da tilápia, espécie responsável por 90% das solicitações de áreas aquícolas no país.

“A concessão do uso de águas de lagos e reservatórios de hidrelétricas permitiu que piscicultores iniciassem a produção sem precisar ter a posse dessas águas, acelerando o crescimento dessa atividade”, justifica a especialista.

Renata atrela o aumento da produção da tilápia no Brasil a outros vários fatores: clima favorável, rusticidade da espécie que se adapta a diferentes sistemas de produção; alta demanda dos produtos; além do bom resultado em cultivos intensivos.

Parte dos dados da pesquisa será divulgada ao setor, durante o Seminário “Demandas e Tendências da Tilapicultura no Brasil”, de 27 a 29 de junho, na Embrapa Pesca e Aquicultura, em Palmas (TO).

 

Por equipe SNA/SP

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